"Lições de Abismo" - Gustavo Corção (1950)

Gustavo Corção (1896-1978) é um dos mais brilhantes e polêmicos pensadores brasileiros. É? Quem?

Bem, se você - como eu - pouco ou nada ouviu falar deste ensaísta, cronista e polemista, deve isso ao véu de silêncio que se impôs (com especial atenção à intencional falta de "sujeito" nesta afirmação) sobre sua vida e sua obra desde sua morte há quase trinta anos. É explicável: qual o lugar cabivel, nos dias de hoje, a um engenheiro de formação que se fez erudito, converteu-se tardiamente ao Catolicismo e fez de sua vida e de sua obra um permanente manifesto em defesa de uma fé racional e de base filosófica abrangente num país como o nosso, onde o pensamente dito "de esquerda" tem dominado nossas universidades e jornais desde o Golpe de 64? Como aceitar que um notório conservador e anti-comunista - e de quebra crítico lúcido porém ferrenho da Psicanálise Freudiana - possa ser comemorado como um de nossos maiores escritores?

Passei parte da vida ouvindo falar (mal) de Corção. Tinha-o na conta de ícone daquela mesma classe média cristã equivocada que não só acatou mas sustentou no poder os algozes militares. Um Nélson Rodrigues sem sacanagem, um "reaça" daqueles. Uma espécie de "pai" do Paulo Francis, porém religioso.

Por isso mesmo a surpresa de descobrir seus textos, hoje mais facilmente encontrados na web, sempre lúcidos e claros na defesa de suas idéias, exalando erudião em linguagem simples e direta.

"Lições de Abismo" (Agir Editora, 2004) é seu único romance. No livro, o mesmo amálgama de inúmeras referências - aparentemente incompatíveis - a Pascal, Freud, Voltaire, Marx e Jules Verne (para citar apenas uns poucos) tomando parte do mesmo anseio de se entender o mundo e o ser humano de uma perspectiva mais sólida (conhecimento) e fluida (filosofia).

Ao narrar os últimos dias de vida de um homem que parte ao encontro de si mesmo e de sua (inevitável) Morte, Corção realiza o que é, para mim, ao lado do "Grande Sertão" de Gimarães Rosa, o melhor romance brasileiro do século vinte.

Leia. Mesmo que, ao final, você discorde de algumas coisas ou fique matutando incoerências com suas próprias idéias ou crenças, é um livro absolutamente essencial.

Renato van Wilpe Bach
Enviado por Renato van Wilpe Bach em 22/04/2006
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