Filhos $ Amantes (TVD) Cap.13

Capítulo 13

Para Alan, o mundo estava sujo. Desde sua casa até Brasília a desonestidade grassava. Olhou-se no espelho e cuspiu. Ateve-se ao cuspe a escorrer. Alan assemelhava-se com a mãe. Nenhum vestígio do pai. Achava-se belo demais para um homem. Não era afeminado. Pouco sorria. Tinha um quê de angústia e malvadez no olhar. Aos vinte anos, era articulado e infeliz. De classe média, morava num sobrado com os pais. O pai tinha próspera administradora de imóveis. Entre os funcionários trabalhava uma secretária de formas arredondadas. Desconfiava dela. De seu sorriso, amabilidade e eficiência. Um dia, após o expediente, seguiu o carro do pai. Ele parou em frente da casa da delambida. Ficou mais de duas horas lá dentro. Alan voltou desolado para casa. Não contou nada para a mãe. Ela iria sofrer. Não gostaria de vê-los separados. Era filho único...

A mãe, num jantar, contou que amiga pegara o noivo numa traição. O sonso ligara para a nubente de um celular. Por distração não o desligou corretamente. Ela ouviu-o falar para alguém:

___ Nunca amei ninguém como a ti. Esses dois meses de convívio têm sido os mais felizes de minha existência...

Dera-lhe um flagra. Ao cobrar-lhe o delito, ele defendeu-se:

___ Estás louca, meu amor! Não tenho ninguém... Deve ter sido linha cruzada...

___ Mentiroso! Eu te odeio! Pega essa joça de aliança de volta...

O pai escutou o relato sem dizer nada. A mãe deu seu parecer conciso:

___ Ainda bem que eram apenas noivos... Foi mais fácil de romper o compromisso...

Se pudesse, Alan faria desaparecer os traidores e imundos da face da Terra. Tolice. A vida era feita também de mentiras. Permitiria que o pai se divertisse com a lambisgóia. Rezaria para que a mãe nunca descobrisse o caso. Não era por machismo que protegia o pai. É que o idolatrava. Quando pequeno se aninhava no seu colo junto de seu peito. Cresceu, vendo-o como herói. Ao adolescer sentiu seu afastamento, lento. Adorava seu cheiro, ouvi-lo a urinar na privada. Dizia em tom brincalhão:

___ Precisas arranjar uma namorada... Conhecer mulher... Só andas agarrado em mim!

Gostava dos carinhos da mãe. Porém, os afagos do pai eram diferentes. Admirava-o de peito peludo e barba cerrada. Espiá-lo a fazê-la era fascinante. A fragrância da loção que ficava no ar... Assobiava algumas notas musicais e falava:

___ Vais ficar aí me olhando? Já estudaste hoje? Um dia também terás barba...

Alan dava um sorriso amarelo e ao cansar-se de observá-lo, procurava a mãe em suas lidas domésticas. Cresceu num lar feliz, rodeado de conforto. Tudo era direcionado para ele. Por que acumulava problemas? Aterrorizava-se ao abrir o jornal e constatar crimes cometidos por gente normal. Parentes mortos quando dormiam, assassinatos em escola, cinemas, parques públicos... Precisava de Maude que o ensinasse a viver. Referia-se a personagem do filme, Harold and Maude, de Hal Ashby. Necessitava agrupar-se mais. Arranjar um flerte. Evitava as mulheres. Seria um misógino? Não tinha saco para aturar a patota consumista que o cercava. Shopping, clubes, cinema, viagens... Urgia de algo que modificasse ou viesse fazer parte de sua jovem solidão...

Após a primeira vez, passou a seguir o pai e a amante. Tinha vontade de espioná-los se tocando. Ele a acariciar o corpo nu dela. A penetrá-la com virilidade. Ouvir os gemidos de ambos. Quando imaginava isso, chegava às lágrimas. Um pranto incompreensível o fazia mais amargo ainda. Retornava a casa. Ia para o quarto e se despia. Ali, os resquícios de infância demonstravam que ele crescera. Rancoroso, pegava um ursinho dado pelo pai. Com uma tesoura abria-o da goela ao ventre como se quisesse ver-lhe as vísceras. Atirava-o na cama e com o pênis ereto, ejaculava sobre o brinquedo. Repetia baixinho:

___ Perdão, perdão por minha sujeira... Agora vais para a lata de lixo...

Alan era virgem. Não se importava com isso. Enfadava-se quando os primos exaltavam as próprias experiências. Não desmentia o pai orgulhoso ao afirmar:

___ Deves traçar todas essas ingênuas por aí?

Aprendera a dissimular. Natal, Ano Novo, aniversários, parentes, não deixava que percebessem sua apatia...

Retornava de uma viagem. Perto da rodoviária o sinal abriu e ele acelerou. Alguém que atravessava a rua não teve tempo de fazê-lo. Foi atingido, indo ao chão. Alan desceu do carro, preocupado. Socorreu o transeunte, estendendo-lhe a mão.

___ Cara, machucaste?

___ Que nada, meu rei! Sô cabra forte, respondeu o acidentado, erguendo-se.

Alan reparou no homem, também jovem, que tentava levantar-se, segurando a mala de couro. O sotaque nordestino era amigável. De pé, parecia ter um metro e noventa. Aos risos disse:

___ Tô chegano e olha o quê me assucede!...

___ Se estás ferido, vamos a um pronto-socorro, sugeriu Alan.

___ Deixa disso! Já fui chifrado, mordido de cobra...

___ Então se não precisas de nada...

Alan entrou no carro. Resolveu perguntar ao recém-conhecido se queria carona.

___ Vais para onde? Eu te levo...

___ Ô xenti, tô procurano um quarto barato...

___ Entra aí! Lá pros lados da praia há pensões...

___ Aceito, ia ficá perdido mesmo...

Dentro do carro ele se tornou mais tímido, menos falante, reparou Alan. Olhava casas, ruas, luminosos, atento. Deixou-o na pensão Morada da Coruja. Ao se despedirem, indagou:

___ Qual teu nome?

___ Targino... e o teu?

___ Alan... sorte na cidade... até...

___ Inté, meu rei!

Targino passou a povoar os pensamentos de Alan. Quase o matara. Já atropelara um cachorro. Bêbados, mendigos atravessavam as ruas, desatentos... O aspecto rústico de Targino o fez admirá-lo. Os olhos verdes, a pele, cobrindo músculos, trigueira, os cabelos um tanto compridos, a voz grave, certo abatimento, o jeito errado de falar, não o tornavam medíocre. Reparou que calçava botas de peão. Exalava a suor. De onde viera? Norte, nordeste! Não conhecia ninguém, presumia Alan. Levou uma semana para decidir-se a ir procurá-lo. Encontrou-o, instalado num quarto modesto, vestindo bermuda, com sorriso largo:

___ Quem é vivo sempre aparece, meu rei!

___ Estás bem acomodado, Targino?

___ O quarto tá de bom tamanho... de onde vim... o que já passei...

___ Tens saído?

___ Andei por esse mundo de praia cheio de jardim! disse Targino. Tudo diferente de Fortaleza!

___ Então vieste de Fortaleza?

___ Acertô! Canoa Quebrada, Barro Branco, Jericoaquara... sô do sertão...

___ Só conheço Natal, explicou Alan.

___ Tudo isso é bom pra barão! A renti tem mais é que ralá...

___ Vamos rodar por aí? convidou Alan.

___ Claro, meu rei! Tenho paletado sozinho...Vô si trocá...

Desinibido, Targino ficou nu. Não usava cuecas. Alan olhou-o como se fosse um brinquedo novo dado pelo pai. Tinha movimentos próprios. Sexo avantajado. Diferente dos ursinhos de pelúcia assexuados. Era de carne e osso. Parecia indestrutível. Continuou a ouvi-lo falar que conhecera alguém.

___ Uma garota? perguntou Alan.

___ Mas tá! Tava no meio do areão, mijando, quano vi um vulto se achegá. O cabra veio com lenga-lenga, todo fantasiado... Falou em dinheiro do bom. Pensei que ia pegá aqui no cacetão, mas enfiou isto no bolso do meu casaco e se escafedeu...

Targino mostrou o cartão para Alan. Este o leu: Thermas Vapor Dourado, número de celular, Miss Planet. Explicou-lhe do que se tratava.

___ Arre égua! Isso é coisa do capeta!... Tô feliz em ti vê, disse com a voz mais terna...

Os dois ficaram amigos. Alan sabia que as cores da amizade preenchiam o vazio da alma. Lembrou-se de O Profeta de Gibran Khalil Gibran. E seus dias deixaram de ser tão insossos. Quando o dinheiro de Targino começou a escassear, prontificou-se a ajudá-lo.

___ O dinheiro não é problema! Quanto precisas?

___ Quero teu dinheiro não, Alan! Sei lê pouco, de picadinho... Posso arranjá lugar de faxineiro na sauna... Acho que vô procurá aquele cabra do areal. Vais comigo, num vais?

Alan foi. Sentiu uma ponta de ciúmes perante a decisão dele. Não queria se separar de Targino. Achava sexo a dois algo repulsivo, com outro homem uma aberração. E para não perder sua companhia, entrou na fila de entrevistados... Diante daquele ser, exótico, respondeu as perguntas com certa insegurança:

___ Nome?

___ Alan O. Baroni ...

___ Idade?

___ Vinte anos...

___ Signo?

___ Aquário...

___ És regido pelo planeta Plutão... Documento? perguntou, apontando para a “mala” de Alan.

___ Quinze centímetros...

___ Natural?

___ De São Vicente...

___ Aqui, cada um tem sua função. “A minha é trazer a tona o que estava oculto, reprimido e mandar para as profundezas ou para a morte o que já cumpriu a sua função. Função de limpeza e eliminação de resíduos nocivos...” O freguês tem sempre razão, nunca esqueças disso... Cuidado, às vezes a postura de justiceiro que usamos numa festa onde não fomos convidados, pode gerar a morte...

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