Filhos $ Amantes (TVD) Cap. 18

Capítulo 18

Clidenora acabara de saber da morte do pai. Recebera uma carta. Quando Igor e ela se desentendiam, ele repetia para irritá-la: chi,a dona Clidenora! Detestava esse nome. Coisa do pai Clidenor. Sergipano que, sob o efeito de cachaça, registrara-a se homenageando. Contava, ébrio, que a raptara da companhia da mãe e fugira para o sul. As duas viviam num prostíbulo. Resmungava, caído num canto, de rosto inchado: lazarenta aquela lá! Mangava d’eu.

As mulheres que arranjava, apesar de seu desleixo físico, ajudaram a criá-la. Maus tratos faziam-nas partir. Mesmo de ressaca saia para trabalhar. Retornava pior. Ficava violento se chegava e a encontrava pintada:

___ Bichinha despudorada, tá quereno sê como a ota? Limpa essa cara, sua cadela!

Abandonou-o à própria sorte ao conhecer Igor. Ao vê-la de mãos dadas com o namorado, o pai reagiu possesso. Expulsou-a de casa. Doente, morrera surrado por mendigos. Foi enterrado como indigente. Sentiu pena dele. A morte torna o infeliz menos ruim. O nojo, de ouvi-lo tossir até perder o fôlego, babar, cair no chão do banheiro, dormir com a cabeça sobre o prato de comida, deu lugar à compaixão. Não contaria nada para Igor. Voltou a concentrar-se nas fichas que contava, depositadas em uma caixa de sapatos. Eram clientes do marido.

Igor, deitado na cama, parecia dormir. Não participava dos comentários que ela fazia:

___ Tem fichas aqui ticadas uma vez só, amor! Estás dormindo, Igor?

___ Hum... o quê foi?

___ Perguntei se estavas dormindo!

___ Não, apenas de olhos fechados... Ficaste um tempão em silêncio, observou ele para convencê-la que estava desperto.

___ Sei... tem fichas aqui que caducaram... vou jogá-las fora...

___ É melhor não, Norinha! Às vezes eles cismam de atender...

___ Estão amareladas... estás mais aliviado da coceira, Igor?

___ Depois que raspei os pentelhos, os chatos sumiram... Não passei eles para ti, passei?

___ Acho que não! Quem é este professor Papeco? quis saber ela curiosa e apreensiva. Senti um arrepio estranho, pegando, lendo a ficha dele...

___ É um novo freguês... professor de português, aposentado... conheci-o na condução...

___ Pensei que só atendias os zods da TVD..Que nome! Pior do que o meu! Paga bem?

___ O nome dele é Otacílio Regis Papeco... É generoso! Já me ligou duas vezes...

___ Cuidado, não vás te apaixonar!

___ Sô amarrado só em ti, Nora! Com os clientes faço apenas negócio...

___ Quero passar um Natal gordo e um Ano Novo melhor ainda, comentou ela.

___ Lá na TVD vão sortear uma grana preta... Falam em um milhão, contou Igor com entusiasmo.

___ Estás brincando! duvidou ela.

___ Todos os sigs estão babando!

___ Tu também estás nessa, não?

___ Claro! Se ganho essa bolada, deixo desta vida... E até poderemos ter um filho... Vamos viajar por esse mundão!

Igor levantou-se e se postou diante do espelho de corpo inteiro. Sem os pêlos, seu pinto e saco ficavam horríveis! Foi o melhor remédio que arranjou para livrar-se das lêndeas. O sexo parecia um maracujá enrugado.

___ Achas meu pau bonito, Nora? ele perguntou.

___ Quando está duro é bárbaro! respondeu ela.

___ Eu podia ter uma bunda mais carnuda, observou Igor.

___ Não podemos ter tudo perfeito, amor! Já tens rosto bonito, olhos azuis, pele clara, um metro e setenta de altura... Tua bunda não é de se jogar fora, concluiu Clidenora.

___ Tens razão, concordou ele, olhando-se de costas. Não podemos ter tudo.

Na verdade Igor gostaria de ser mais alto, ter pelos no peito como Rudini. Quem sabe, se fosse diferente não teria aquela clientela toda. Encontrara na esposa uma cúmplice no que fazia. Conheceram–se em Curitiba. Ele era de Florianópolis. Trabalharam juntos numa loja de departamentos. Apaixonaram-se. A intransigência do pai dela fizeram-nos sair da cidade. Vida nova. Ela conseguiu emprego num renomado salão de beleza como manicura. Num final de semana, apareceu com um cartão de Miss Planet em casa. Retirara-o de uma revista especializada em nu masculino. Surpreendeu-o ao falar:

___ Por que não te tornas um garoto de programa?

___ Eu! Só se fosse de mulheres ricas! Não ficarias com ciúmes?

___ Não... não se fosse com homens ricos!

___ Estás maluca, Nora!

___ Escuta, achei um cartão numa revista... Thermas Vapor Dourado, tem número de celular e um nome: Miss Planet... Por que não tentas?

___ Não acredito que estejas me propondo isso! Achas que tenho jeito de puto? protestou Igor ofendido.

___ Lógico que não! Confio em tua masculinidade! É só uma sugestão, querido!

___ Sabes o que esses caras fazem?

___ É que estás desempregado... alguns desses rapazes freqüentam o salão... faturam alto... cada pedaço de homem!

___ Ei, pára com isso! Olhas para outros caras?

___ Amor, esquece o que falei! disse Clidenora, amassando o cartão, jogando-o no lixo.

No início, Igor achou absurda a idéia da mulher. Autêntica pegadinha de mau gosto. Se bem que nas andanças a procura de trabalho, cruzava com pessoas a lançar-lhe olhares suspeitos. Na maioria das vezes eram de senhores distintos. Tinha certo temor, constrangimento, ao ver-se nessas situações. Nunca transara com outro homem...

“Igor tinha, naquela época, sete anos. A mãe, separada do pai, envolveu-se com um amante cuja profissão era de mágico. O menino gostava de remexer o material de magia que Rudini guardava com desvelo. Esse era seu nome artístico, emprestado de um filme estrelado por Tony Curtis: Houdini, O Homem Miraculoso. Havia uma espécie de saco de onde surgia uma infinidade de objetos. A criançada da vizinhança ria quando ele fazia aparecer moeda, ponta de cigarro da orelha de um deles; adivinhava uma carta marcada, sumia com um relógio de pulso... A mãe, uma certa manhã, saíra. Recomendara que não fizesse barulho pois o futuro padrasto descansava. Cumprindo a recomendação entrou no quarto, quase às escuras, para pegar um brinquedo. Passou por perto da cama, silencioso, onde o homem ressonava. Viu-o mover-se sob os lençóis e escutou sua voz:

___ O quê esse piá bonito tá fazendo?

___ Vim pegar a bola...

___ E tua mãe?

___ Ela saiu... pediu pra não te acordar... eu te acordei?

___ Não me acordaste... Chega mais perto...

___ Vou brincá lá fora...

___ Não queres ver uma mágica?

___ Quero, qual é?

Igor viu as mãos de Rudini se movimentarem à altura do ventre. Algo começou a crescer, provocando o interesse do guri.

___ Queres adivinhar o que é? perguntou Rudini.

___ Sim, quero...

___ Enfia a mãozinha sob o lençol...

Igor tocou aquela coisa grande, grossa, quente e úmida. Rudini ordenou para que apertasse, acariciasse. Depois de algum tempo, falou para a criança:

___ Vai brincar lá fora! A mágica acabou...

___ Mas, não vi o que é! Parece um bicho...

Rudini puxou Igor para si, deu-lhe um beijo na boca e pediu:

___ Não contes a ninguém esse truque... prometes?

___ Prometo...

Igor jamais comentou o ocorrido. Esqueceu. A mãe e Rudini desavieram-se por ciúme e ele foi embora para sempre...”

O rapaz ligou para Miss Planet. Marcou uma entrevista. Clidenora, quando soube de sua decisão, desejou-lhe boa sorte.

___ Nome?

___ Igor I. Shusman...

___ Idade?

___ Vinte e quatro anos...

___ Natural?

___ De Florianópolis...

___ Signo?

___ Sagitário...

___ És regido pelo planeta Júpiter... Documento? perguntou, apontando para a “mala” de Igor.

___ Acho que dezoito centímetros...

___ “Minha função aqui é o crescimento e a expansão da personalidade e da vida. Crio o sonho, a magia que querem realizar...” Há uma regra que nunca deves esquecer: o cliente tem sempre razão... Nem sempre nos satisfazemos com o luxo que nos oferecem por dinheiro. A pureza não tem preço. O futuro, quem sabe?...

Igor, enquanto Miss Planet falava, observara o movimento de suas mãos. Algo surgiria delas? Relembrou-se do mágico Rudini...

Filhos $ Amantes (TVD).