Filhos $ Amantes (TVD) Cap. 40

Capítulo 40

Luigi vagava pela Avenida Paulista. Parou em frente de uma banca de jornal. Era 13 de dezembro de 2003. Olhou as fotos e leu as notícias. A imagem de Saddan Houssein, capturado, era de um louco ou de um mendigo? Ouviu a voz de um indivíduo gordo junto a si. Apontava para outra foto, profetizando:

___ Este vai ser um craque, se as baladas e o “êxtase” deixarem!

Falava de um jogador de futebol em ascensão. Não lhe deu muito crédito. Retomou o caminho, afastando-se.

“Estava de novo na rua. Saíra da casa de Leandro, definitivamente. Passaria sozinho o Natal e o Ano Novo. Fartara-se de seus caprichos e dominação. Não o permitia respirar. Cheio de ciúmes, o caso desconfiava de tudo o quê fazia em sua ausência. Mexendo nos pertences de Luigi, achou uma coleção de santinhos: Santa Edwiges, Nossa Senhora Desatadora dos Nós, Jesus Cristo, Santa Rita de Cássia, Nossa Senhora das Graças, Santo Expedito, Santo Antônio, Nossa Senhora Aparecida. E entre eles o cartão de Miss Planet.

___ Quem é esta fulana? perguntou Leandro.

___ Não sei, respondeu Luigi.

___ Como não sabes? Não é nenhuma santinha! Nem imagem tem!... O que estás escondendo? disse Leandro com voz alterada.

O rapaz não lembrava quem era a tal Miss Planet. Tentando escapar da pressão de Leandro, observou que havia um número de telefone no cartão.

___ Por que não ligas? desafiou-o Luigi.

Leandro, reparando melhor o que estava escrito, verificou tratar-se de uma sauna: Thermas Vapor Dourado.

___ Não te dou de tudo? Precisas me trair com esse tipo de gente?

___ Que mané trair... Ah, agora me lembro! falou Luigi. Foi uma dona que me deu esse cartão na rua...

___ A troco de quê? insistiu Leandro não convencido.

___ Não sei, porra! Deve ser propaganda, sei lá...

Nessas ocasiões, Luigi sabia como acalmá-lo. Foi até a gaveta de um móvel da sala e pegou um revólver. Voltou ameaçador. Apontou-o para Leandro que empalideceu.

___ Cuidado, garoto! Isso pode disparar! preveniu ele.

___ Vai pro teu quarto de boca fechada, ordenou Luigi.

Leandro obedeceu. Às ordens do jovem tirou toda a roupa e se deitou de bruços no leito. Pôs os braços para trás e foi algemado. Luigi também se despiu e se pôs ao lado dele. Encostou a arma em sua cabeça e sussurrou:

___ Qué qui eu estoure teus miolos, seu veado de merda?

___ Não, por favor! Tenho dolar no cofre, podes levar tudo!

___ Não quero a bosta do teu dinheiro imperialista! Quero outra coisa...

___ O quê? Por caridade, não me machuques, pediu Leandro.

O moço encostou o cano da arma nas nádegas de Leandro, fazendo-o estremecer. Tocou seus testículos, abrindo-lhe as pernas.

___ Devia estourar essas tuas bolas inúteis, disse Luigi.

___ Por tua mãezinha, não apertes o gatilho! implorou Leandro.

___ Hum... que tal eu trocá de revólver e colocá este aqui durão no teu “furico”...

___ Faças o que quiseres, ai, sou teu refém! Mas não esqueci da piranha Miss Planet...

___ Cala a boca, não estragues tudo, pediu Luigi...

___ Canalha! Vai, arromba meu cu!...”

Luigi não tinha muita sorte com as pessoas que cruzavam seu rumo. Estaria sendo muito exigente? Leandro usava-o feito um objeto de prazer. Excitava-se com seus palavrões e juventude. Era mesquinho de sentimento. Não lhe dava liberdade. Vigiava-o constantemente. Assim gastava o tempo, vendo filmes, canal a cabo pornográfico, expiando a vizinhança de binóculo...

“A semana passada, farto do confinamento, resolvera sair. Sentir o cheiro de rua... Ao chegar ao portão, deteve-se. A rua estava repleta de viaturas da polícia. A residência ao lado ia ser invadida. Falavam em seqüestro. Servira de cativeiro. Achava estranho. Não notava movimento na casa fazia um mês e meio. A última vez viu um rapaz a sair, carregando malas de viagem. Eram mais de três horas da manhã. Brigara com Leandro e não conseguia dormir. Flagrou-o através da janela, oculto pelas sombras da noite. Tinha a aparência de uns vinte e cinco anos. Entrou num carro preto e partiu...

O burburinho aumentara. Não demorou: dois homens algemados e um senhor abatido, amparado por um policial, surgiram. Soube mais tarde, pelo noticiário da TV, que se tratava de um empresário da noite, seqüestrado há dois meses. Comentou o fato com Leandro, quando este retornou do estúdio.

___ Esse cara tava preso na casa aqui do lado...

___ Aqui, em nossa rua?

___ É, o maior alvoroço!

___ O que estavas fazendo lá fora?

___ Saí pra dá um rolé...

___ Já não te avisei que não quero que tu sais sozinho!

___ Desencana, meu! Fiquei só olhando o buchincho...

___ Mas, no sobrado ao lado não morava um bonitão meio sinistro? Vi-o algumas vezes, disse Leandro...

___ Há quase dois meses ele se mudou! Vi o cara sair de mala e cuia de madrugada...

___ Não entendo alguém da tua idade usar essa expressão: mala e cuia!

___ Não sejas enjoado, implicante! Minha mãe falava assim...”

Luigi seguia para os lados do parque Trianon. Não sabia para onde ir. Dessa vez não retornaria à casa de Leandro. Pegou algum dinheiro para não cometer pequenos delitos. Voltar para junto da mãe também não cogitava. O máximo que ela diria, após um ano de ausência, seria: “ah, estás aí!” como se acordasse de um sono profundo...Um tio, que durante anos a fio, enviou cartões de boas festas para amigos e parentes, escreveu antes de sumir: acostumem-se e esqueçam de mim. Luigi nascera e ficara esquecido num berço... Encontraria, algum dia, quem o estimasse de verdade? Lera na capa de um livro, pego na estante da casa de Leandro: O quê é ser feliz?... Temia que a felicidade o encontrasse, destruído, nessa busca de mentira cheia de cifrões. A fome e a falta de dinheiro geram seres indigestos de se engolir e fáceis de serem comprados...

Olhou para trás e notou o sujeito que vira perto da banca de jornal a segui-lo. Quem sabe estava ali a solução para sua nova moradia. Notou no olhar e sorriso do senhor o brilho diabólico do desejo. Passou a andar mais lento para que ele o alcançasse. Precisava arquitetar uma história verossímil ou reinventar algo do tipo: “viera para a capital de São Paulo para fazer um teste num time de futebol. Fora roubado na rodoviária. Estava confuso. Nem dinheiro, para voltar para o lugar de origem, tinha. Estava sem comer. Dormira sob marquise com medo. Teve sorte em conservar a mochila junto ao corpo. A outra bolsa, com documentos, grana e endereço do agente, desaparecera”. O homem emparelhou com ele e disse:

___ Aí, garotão? Estás indo para o cursinho?

___ Não, estou meio perdido. Vim fazer um teste num time de futebol...

___ Ah, jogas bola? Que posição?

___ Sou atacante e dizem que dos bons!

___ Muito bem! Meu nome é Pedron Carvalho e estou indo para o litoral. Como te chamas?

___ Ivan, Ivan do Nascimento Souza e Silva... O futuro famoso INSS, disse rindo.

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