Filhos $ Amantes (TVD) Cap. 42

Capítulo 42

“Era um sonho? Só podia ser! Marcel via o pai e o primo fantasiados, admirando-se diante de um espelho. Desejou acompanhá-los para onde iam. Dentro de um fusca branco, alegres, aspiravam lenços embebidos de lança-perfume. Espiava-os do interior de um ônibus. Marcel carregava nos braços dois cães filhotes (um preto e outro branco) e maço de flores coloridas. Alguém, sentado à sua frente, de barba cerrada, encarava-o insistentemente... Subia a escadaria de um prédio público. Pessoas olhavam-no admiradas...”

No escritório do falecido pai, ele fazia sua vistoria de rotina. Aquela era a única parte da casa, ocupada, em que não havia poeira. Esmerava-se em manter tudo bem limpo. As gavetas guardavam fotos, documentos, cartas... Cada componente do escritório, quadros, livros, discos, objetos, registrava momentos passados. Mas, apenas Marcel conseguia entender, sem julgamentos, existências tão incomuns: do pai, da mãe, do primo e dele próprio. Não sabia afirmar se os fragmentos que advinham de suas lembranças eram reais ou ilusórios. Ainda pequeno, acordava durante a noite e sozinho ia para o quarto dos pais. Encontrava-os na companhia do primo. Os três, nus, na cama de casal, acolhiam-no com carinho. A mãe deixava os homens e reconduzia-o ao berço.

Desatou algumas páginas. Leu uma carta escrita pelo pai ao primo da mãe.

“19min45seg: estou pensando em ti. Gostei muito de ler o livro que me enviaste. Tem poemas interessantes. Só tu para presentear-me com algo tão maravilhoso! Desejaria falar isso pessoalmente, como não posso , escrevo estas linhas. Ansiei tanto falar contigo antes de partires! Mas não foi possível. Fui à praia no sábado, porém não te encontrei. Fiquei chateado. No domingo te procurei no hotel, mas já havias saído. Pensava em voltar mais tarde, contudo na hora de sair minha namoradinha chegou. Fiquei triste com essa onda de desencontros. Todavia, o livro que me enviaste e a dedicatória mudaram meu humor: não precisas abrir a boca para dizer o que queres... basta olhares nos meus olhos...

Um abraço de quem tanto te quer bem... será um prazer conhecer tua prima Ione...”

Marcel nunca se atreveu a inquirir a mãe sobre aquele relacionamento. Sofreu como ela a perda dos dois. Fora criado sob a égide do amor dos três. Para que desvendar segredos de personagens tão encantados, livres e felizes? A mãe transferira-se para Vitória do Espírito Santo. Quando ele resolveu deixar Niterói e viver com Max num apartamento no Rio, ela decidiu morar com uma irmã também viúva. O cordão umbilical havia se rompido em definitivo. Falavam por telefone. Dona Ione pensava em vender a propriedade, mas esbarrava na resistência do filho. Colocou no toca-disco um LP de Antonio Carlos Jobim...

“Sérgio voltara de viagem à Europa. Ofereceria uma recepção para os amigos de sempre. As atrações seriam: Miss Planet e Loreta Fering. Ele estava convidado. Fazia parte da mobília. Lamentou muito a falta de notícias de Max. Montara com tanto esmero um apartamento para ambos em Copacabana. Três anos permanecera lá, na companhia do parceiro. A saída de Max da quitinete de Marino foi constrangedora. O marinheiro não lhe estendeu a mão na despedida. Transparecia no silêncio toda mágoa que provocava a partida do inquilino.

___ Mas, vais visitar os amigos, não vais Marino? perguntou Max.

___ Devias vender isto aqui e vir com a gente, sugerira Marcel. Os três mosqueteiros... o Sérgio ia adorar!

___ Sou assim mesmo, marinheiro! Hoje aqui, amanhã ali... Não tenho moradia certa... Dois anos, já fiquei tempo demais! Os aluguéis estão todos acertados, concluiu Max.

Hoje aqui, amanhã ali... Quem tinha vinte anos, sem vínculos, como segurar? Eram diferentes. Apesar de jovem Marcel gostava de criar raízes, segurança, fortuna. Max era o desejo, o éter a entorpecer, o pássaro que voava para longe a cada estação. Dois anos com Marino, três anos junto a ele e cinco anos sem qualquer comunicação. Estaria, se vivo, com vinte e tantos anos...

As festas, que viravam orgias em conluio com os asseclas de Sérgio, eram imprevisíveis e amorais. Nada que o dinheiro e uma boa ducha não apagassem da memória. E foi sob o efeito de doses de uísque, numa dessas reuniões, que Max confessou:

___ Pena que o Marino não esteja aqui... Ele é atormentado por demais... Ama, no lugar de aproveitar os prazeres do sexo... Quer para sempre o que deve ser transitório...

___ Desconfiava que as bonecas eram íntimas, mas nem tanto assim! ironizou Marcel.

Marcel deixara Max irritado com o comentário. Sérgio, percebendo o início do pequeno entrevero, aproximou-se. E abraçando Max, levou-o para a piscina da cobertura onde morava. Dali se via parte da cidade num cenário incomparável. Tentou beijá-lo na boca, mas foi repelido.

___ Cansaste dos meus carinhos, garotão?

___ Tô a fim disso não, velho! Tô puto comigo mesmo... E o Marcel inda vem me zoar...

___ Crise, é a crise! Ela vem mais cedo do que se espera! disse Sérgio. Mas, só tens vinte anos! Estás apaixonado por alguma racha?

___ Tô apenas de pileque. Não consigo dominar meus pensamentos, sinto remorsos... Tens aquela fécula mágica, perguntou Max.

___ Calma, a função não terminou! Que tal fazermos a brincadeira dos gatinhos atores? sugeriu Sérgio.

E atendendo ao chamado do anfitrião, ‘venham, venham o espetáculo vai começar’, todos foram para o salão. Evidenciou Max e Marcel. Gostava de ver aquela representação dos dois se tocando, as expressões lascivas dos amigos. Ao seu comando, sorvendo taça de champanhe, pediu ação...

Max não estava tão receptivo às libertinagens propostas por Sérgio. Sentia-se por demais amargo, sem motivação. No estômago fermentavam: álcool, gases e angústia. Marcel despiu-se e o ajudou a fazer o mesmo. Obedecendo a voz maquiavélica de Sérgio, de cócoras, passou a lamber as nádegas de Max. Introduziu um dedo em seu ânus e depois o nariz. Apesar do mal estar, ‘o membro’ de Max reagiu ao estímulo. Marcel virou-o e ajoelhado passou a lamber-lhe os testículos, colocá-los na boca. Deslizou a língua pelo corpo do pênis, abocanhando-lhe a glande. Max estava meio zonzo. Tentava apoiar as mãos nos ombros de Marcel. Acariciava-lhe os cabelos louros. Lembrou-se da pele molhada e escura, dos olhos cerrados e da fala emocionada de Marino:

___ Cara, vamos parar com isso! Não somos veados!

___ Hoje é teu aniversário, cacete! Aceita meu presente...

Marcel ergueu-se, abraçando Max, procurando beijá-lo nos lábios. Recebeu um jato de vômito na cara, interrompendo o ato. À repulsa dos presentes, depois aos aplausos e risos, Marcel reclamou:

___ Caralho, pensam que sou pinico? Vão à merda...

___ Corta, corta, o bofe teve um desconforto! disse Sérgio. Que pena que só foi um ensaio... eu devia ter filmado... foi escatológico demais! Esses bofes são ótimos!

___ Vai te fudê, disse Max indo para o banheiro.

___ Estás parecendo a Carrie, mon petit! falou um convidado para Marcel.

___ Como isto fede! exclamou Marcel, retirando-se...”

O disco terminara. Fazia dez anos que Tom Jobim morrera num dia cinzento em Nova York (8-12-1994)... Definitivamente era contrário à venda da casa. Mudar-se-ia para ali quando nada mais fosse importante. Quando se lhe esgotasse o tesão mundano. Seria a convivência com outros prazeres...

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