PARA ALÉM DO CAPITAL

CONGRESSO BRASILEIRO DE EDUCAÇÃO DA AECAP (ASSOCIAÇÃO DE EDUCAÇÃO, CULTURA, ARTE E PESQUISA)

Palestrante: Tânia Maria da Conceição Meneses Silva

István Mészáros, filósofo húngaro, professor da Universidade de Sussex (Inglaterra), pronunciou conferência de abertura do Fórum Mundial de Educação, em 28 de julho de 2004, no Colégio do Rosário, em Porto Alegre. O tema de sua apresentação foi aquele tratado em seu livro mais conhecido e notável: Para além do capital. Outras obras do professor Mészáros são: Marx: a teoria da alienação; O século XXI: Socialismo ou barbárie?

Como se pode depreender, a natureza de sua obra é profundamente marxista. O professor, discípulo de Lucáks, se propõe a trazer para as circunstâncias atuais a ideologia de Marx.

Em seu texto de apresentação do livro de Mészáros, Jinkins trabalha as idéias das categóricas afirmações do mestre dando conta de que a educação não é um negócio/mercadoria, nem deve qualificar para ao mercado, mas para a vida. É o que Paulo Freire não se cansou de repetir: a “leitura de mundo”.

Convido meus leitores e ouvintes a se perguntarem: Como ler o mundo dentro do mundinho da escola ou das telas da televisão e da Internet?

Na opinião de Jinkins, A educação para além do capital ensina que “pensar a sociedade tendo como parâmetro o ser humano exige a superação da lógica desumanizadora do capital que tem no individualismo, no lucro, na competição os seus fundamentos”. Educar é, propriamente, sair às ruas, ir para os espaços públicos e se abrir para o mundo e sua complexidade cambiante.

A grande questão que se impõe é a de também buscar compreender/interpretar por onde começar, como lutar contra o determinismo neoliberal tendo em conta ser o capital, por natureza, uma “totalidade reguladora sistêmica, incontrolável e incorrigível”.

Mészáros propõe em sua obra Marx: a teoria da alienação, a necessidade de transcender as relações sociais de produção capitalista, com o objetivo de conceber uma estratégia educacional socialista; e entra na discussão do que chama de “educação estética” (para enfrentar a desumanização do sistema educacional na sociedade capitalista).

Os pontos evidenciados por Emir Sader são relativos à emancipação humana; aos conhecimentos atrelados aos interesses da sociedade capitalista; à geração e transmissão de um quadro de valores legitimador dos interesses dominantes; ao processo de acumulação do capital e de um estabelecimento de um consenso que possibilita a reprodução do injusto sistema de classes; e o mecanismo intransponível que permite a perpetuação e reprodução do sistema capitalista.

Seria o ser humano deterministicamente capitalista? – é um pensamento que se sobrepõe.

Quanto à educação, o que se mostra de forma absolutamente clara, é a existência de um discurso supostamente “novo”, mas, na verdade, um revival. Prega-se o trabalho para a maioria, os pobres; e o ensino e a realização profissional superior para a minoria, as chamadas classes dominantes. Além do mais, é óbvio e constatado ao longo dos anos o distanciamento da educação em relação ao mundo real. A educação pouco conhece sobre o trabalho e suas formas pós-modernas. Por exemplo, diria que alunos alcançam o término do Ensino Médio e não conhecem o sistema de transportes urbanos e seu funcionamento, não conhecem o sistema da aviação e só sabem o que é um controlador de voo por causa da Imprensa e a veiculação de notícias sobre acidentes. A escola torna-se, pois, alienada e alienante, uma espécie de redoma (na iniciativa privada) e de uma lata de lixo (na rede pública).

Emir Sader se reporta à afirmação de que “todos são iguais perante a lei” e à necessidade de um sistema ideológico que proclame e inculque cotidianamente esses valores na mente das pessoas. A escola deve ser tornar-se o local para a instalação de tal sistema. Quantas vezes já ouvimos, repetimos, sentimos a força dessa idéia? E o que fizemos? Guardamos as idéias em nossas mentes e arquivos, de forma puramente teórica? Em testes e trabalhos escolares? Continuamos a nossa rotina, atendendo aos diretores, coordenadores, lecionando de forma iluminista e fazendo os “depósitos bancários” que Paulo Freire morreu condenando?

Apresenta-se bem nítida a paisagem educacional à qual Emir Sader se refere: "shopping centers educacionais." Olhando-se para qualquer lado, para os outdoors, para a tela da TV e do computador, eis que lá se encontram. Não são apenas shopping centers, mas feiras livres onde commodities educacionais são comercializadas.

Pode-se condenar à fogueira inquisitorial os shoppings centers e feiras livres que comercializam a educação? Quando o ensino público (estadual, municipal, federal), cobriria a demanda? Quanto isto custaria? O que seria de estudantes que jamais alcançariam as ínfimas vagas nas Universidades Federais? Muitos deles até conseguiram realizar sonhos e aproveitar o potencial que se encontrava na “lixeira”, ingressando no mercado opcional da educação.

Quanto à força do marketing/da publicidade; da mídia/da tecnologia, como detê-la? Alguém tem uma idéia, mesmo que pálida?

Qual seria o método de alfabetização para o “novo analfabetismo” se ainda a Pedagogia não alcançou um consenso sobre métodos de alfabetização convencionais, apesar de trabalhos sérios como os da argentina Emília Ferreiro, da brasileira Ana Teberoski e tantos outros?

A sociedade está sendo transportada de uma época de crença no papel para a época de crença na Internet. Também não estamos condenando que assim o seja.

Mészáros propõe a “contra-interiorização” e a “contraconsciência”, outra função da educação/da escola. Marx o afirmou: “... o próprio educador precisa ser educado”.

O difícil texto de Mészáros são páginas de uma leitura considerada difícil até por aqueles que se dedicam a estudar a obra do eminente pensador húngaro. Difícil pelo conteúdo e pelo estilo.

Mészáros arranca o seu trem-bala a partir de três epígrafes, uma de Paracelso (pensador do século XVI), a segunda, de José Martí (mártir da Independência cubana em relação à Espanha) e a terceira, de Marx.

Paracelso advogou ser a vida sinônimo de aprendizagem; José Martí afirmava que a educação começa com a vida e não acaba a não ser com a morte; Marx pregou a educação como prática transformadora. E Mészáros propõe uma radical mudança estrutural para além do capital, dando continuidade ao objetivo marxista e tentando ajustá-lo ao contexto do século XXI.

Segundo Mészáros, os processos sociais mais abrangentes de reprodução e processos educacionais estão intimamente ligados; a revolução significativa da educação só pode ser concebida a partir da correspondente revolução do quadro social. Isto é mudar a própria regra geral enraizada. Diz textualmente:

“A razão para o fracasso de todos os esforços anteriores, e que se destinavam a instituir grandes mudanças na sociedade por meio de reformas educacionais mais lúcidas, reconciliadas com o ponto de vista do capital, consistia – e ainda consiste – no fato de as determinações fundamentais do sistema do capital serem irreformáveis."

Para o filósofo, o capital é totalmente incorrigível. Critica Adam Smith e Owen em seus discursos nos quais revelam reconhecer a incorrigibilidade do capital, mas parecem ingênuos e surrealistas. Segundo István, Adam reconhece a exploração do empregado pelo empregador, mas não desvela as causas do ato inescrupuloso. E Owen afirma que a maior parte da humanidade se tornará esclarecida, o que para Mészáros é vago e circular.

Tendo como premissa a incorrigibilidade do capital, poder-se-ia afirmar que a humanidade jamais se tornará socialista, comunista, lutadora ou democrática. Como quebrar uma lógica tão bem arquitetada, tão ilogicamente perversa?

A reforma pura e simplesmente formal do sistema escolar estabelecido (condenado por Martí), não funciona. O que se deve fazer é confrontar e alterar “fundamentalmente todo o sistema de internalização, com todas as suas dimensões visíveis e ocultas”, eis a crença de Mészáros.

Com base em Paracelso e em Gramsci, Mészáros pressupõe a junção Homo Faber + Homo Sapiens, formando-se assim, um homem que trabalha e que, ao mesmo tempo, é intelectual, “filósofo”, artista; um homem com sensibilidade, consciente do mundo, dispondo de uma conduta moral. Além disso, a junção homofabersapiens contribui para manter ou mudar a concepção do mundo, estimulando novas formas de pensamento.

Para Mészáros, a concepção de Gramsci é a única sustentável e democrática.

Uma coisa é certa, de alguma forma, o desejo de Lenin parece começar a ter corpo, pois este momento é aquele “em que as classes dominantes já não podem governar à maneira antiga, e as classes subalternas já não querem viver à maneira antiga” – prova da internalização dos princípios da transformação desejada.

Mészáros relembra, de Martí, que as escolas são “formidáveis prisões”. Nelas se reproduz a lógica dominante. A rua e a vida fazem a “contraconsciência”, no sentido positivo, com vistas a uma “filosofia de libertação” ativa, dinâmica e, conforme prega Renato Constantino, citado pelo filósofo, “Precisa da participação da espinha dorsal da nação”!

Qual a “espinha dorsal” da nação brasileira? A Literatura Brasileira do séc. XIX fez uma tentativa de “radiografar”, ou de “mapear” o DNA do Brasil. Marcou época, mas serviu aos interesses dominantes mascarando Peri e enaltecendo Ceci.

Estão os educadores incentivados e preparados para esta tarefa? Retornando-se a Martí, citado por Mészáros, convém ter em mente que “ser cultos es el único modo de ser libres”. E, ainda, “Educar es depositar en cada hombre toda la obra humana que le ha antecedido, es hacer a cada hombre resumen del mundo viviente hasta el dia em que vive...”

“Isso é quase impossível dentro dos estreitos limites da educação formal, tal como está constituída em nossa época, sob todo tipo de severas restrições”, admite Mészáros. (...) “A tarefa histórica que temos de enfrentar é incomensuravelmente maior que a negação do capitalismo”.

A situação denunciada pelo professor da Sussex é a desumanizante alienação e subversão fetichista do real estado de coisas. O professor procura convencer seus leitores e ouvintes a respeito da necessidade urgente de uma reestruturação radical das nossas condições de existência, de “toda a nossa maneira de ser”.

Retomando a reflexão, cabe questionar: Que lógica é esta tão perversa de destruir a Educação, de desmoralizar o professor? As idéias de Mészáros convocam a Educação para uma transformação progressiva da consciência, o que o mestre considera resolver a questão, mesmo sabendo que o processo acontece de forma muito lenta e gradual. O estudioso aponta dois conceitos principais: a universalização da educação e a universalização do trabalho como atividade humana auto-realizadora, os dois se complementando, interrelacionando-se continuadamente, na prática significativa da autogestão.

*Este texto é uma tentativa de revisão de outro que publiquei em forma de anotações, rascunho para uma palestra. Quis retirar o primeiro texto publicado, mas como tem mais de 400 leituras, preferi deixá-lo publicado. Peço desculpas por imperfeições.