Pedagogia do Oprimido

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 17ed. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra S/A, 1987.

PEDAGOGIA DO OPRIMIDO

No intento de educar, Paulo Freire em seu livro “Pedagogia do Oprimido”, escrito em seu exílio no Chile em 1970, dá ênfase à pronúncia do mundo, numa união dessa pronúncia, de modo a desmistificar este mundo, abrindo alas à libertação do oprimido e do opressor.

Uma sucessão de metáforas é posta à prova nesta obra de re-flexão do processo educativo, que mais é uma iniciativa de “inauguração do mundo” pelo ato da comunicação consciente, pois a concepção de Freire explicita que “além de terem som é imprescindível que as palavras apresentem significados”. Isto é, o conjunto de palavras pronunciadas, no âmbito educacional em suma, devem ser mecanismos para a trans-formação das concepções vigentes.

Oposto à “educação bancária”, em que os mestres sejam tidos como “condutores do saber” ao aluno, que acaba por receber conhecimentos sem o tom crítico necessário para que seja sujeito de sua história, Freire defende uma educação libertária, enfocada na des-ideologização e na dialogicidade.

Este ilustre educador, de alcance internacional por suas idéias de cunho libertador, porém rechaçadas no Brasil da década de 70, época de regime ditatorial, propaga uma “hominização”, a construção da cultura do homem enquanto ator, numa conjunção com os demais homens, sejam estes “operários ou donos dos meios de produção”, em que o diálogo é a mola propulsora da cidadania de cada um.

Dividindo seu livro em: “justificativa da pedagogia do oprimido”, “concepção bancária da educação como instrumento da opressão. Seus pressupostos, sua crítica”; “A dialogicidade – essência da educação como prática da liberdade”; “A teoria da ação antidialógica”, Freire expõe de um modo um tanto poético suas visões, ancoradas em teorias e experiências concretas (ou práxis) de encaminhamento da educação para o lado da des-mistificação e construção de valores.

Freire (1970) elucida que na lógica da “dominação” sempre está presente a relação de sadismo, de condução por parte dos opressores dos destinos dos “oprimidos” não para a vida, mas para a morte, sendo que aqueles sugam e exigem destes independente de suas possibilidades. Os opressores são comparados a algozes, necrófilos. Essa relação pode ser nitidamente vista entre as metrópoles e suas respectivas colônias.

Ademais, é apontada a situação dos revolucionários em oposição aos reacionários. No campo educacional, isso pode ser evidenciado, por exemplo, num movimento de aderir a uma “greve” por melhoras das condições gerais da educação, salários condignos, investimentos no quadro de alunos. Quem abraça essa causa com efetivo respeito às classes populares e à classe de educadores, é revolucionário; o que finge aderir, todavia, continua lecionando, ministrando péssimas aulas e desestabilizando a união do grupo, é reacionário uma vez que “mostra-se conforme aos preceitos das classes dominantes”. Como realça Freire em relação aos cursos de capacitação por ele ministrados em seus anos de exílio (1987, p.23):

Não são raras as vezes em que participantes destes cursos, numa atitude em que manifestam seus ‘medo de liberdade’, se referem ao que chamam de ‘perigo da conscientização’. ‘A consciência crítica (... dizem...) é anárquica’. Ao que outros acrescentam: ‘Não poderá a consciência crítica conduzir à desordem?’ Há, contudo, os que também dizem: ‘Por que negar? Eu temia a liberdade. Já não a temo!”

Quanto à sectarização, ou atitude reacionária, é criticada como um entrave à emancipação dos homens. Entre os possíveis leitores da obra em questão, sendo estes cristãos ou marxistas, poderão chegar ao fim do livro; ao agrega Freire (1987, p. 25):

Entre estes, haverá talvez, os que não ultrapassarão suas primeiras páginas. Uns, por considerarem a nossa posição, diante do problema da libertação dos homens, como uma posição idealista a mais, quando não um “blábláblá” reacionário. “Blablablá” de quem se perde falando em vocação ontológica, em amor, em diálogo, em esperança, em humildade, em simpatia. Outros, por não quererem ou não poderem aceitar as críticas e a denúncia que fazemos da situação opressora, situação em que os opressores se “gratificam”, através de sua falsa generosidade.

No jogo de manutenção do poder, “as elites” lançam mão de mecanismos diversos para vendar os olhos dos dominados e “oprimidos”, o que é feito principalmente através de discursos políticos, notavelmente governos populistas (que falam pelo povo, de maneira a enganar esse mesmo povo), nos meios de comunicação de “massa” que por si já dizem “conduzir ao povo como simples massa, agregado de gente” (tais meios ao invés de propriamente informarem, conduzem a ideologia vigorante e vendam os olhos críticos da população, a ditar o que comprar, em quem votar, no que apostar, como viver).

Na ânsia de sair da condição de oprimidos, muitos dos dominados acabam por “desrespeitar os direitos de antigos companheiros”, quando ocupam alguma posição mais privilegiada, o que ratifica a noção da vida enquanto parte da biologia, vencendo a lei do mais forte, em detrimento da ordem de “comunidade”. Ora, o homem que escreve sua história está circunscrito na sociedade ao homem que passa pela história conforme as regras cruéis da natureza, ou melhor, da “sociedade” que se diz civilizada. A esse respeito, aponta Freire (1987, p.33):

Raros são os camponeses que, ao serem “promovidos” a capatazes, não se tornam mais duros opressores de seus antigos companheiros do que o patrão mesmo. Poder-se-á dizer – e com razão – que isto se deve ao fato de que a situação concreta, vigente, de opressão, não foi transformada. E que, nesta hipótese, o capataz, para assegurar o seu posto, tem de encarnar, com mais dureza ainda, a dureza do patrão. Tal afirmação não nega a nossa – a de que, nestas circunstâncias, os oprimidos têm no opressor o seu testemunho de “homem”.

Ao discorrer sobre a relação educador-educando, Freire (1987, p.57), afirma acerca da “educação bancária”:

(...) Nela, o educador aparece como seu indiscutível agente, como seu real sujeito, cuja tarefa indeclinável é “encher” os educandos dos conteúdos de sua narração. Conteúdos que são retalhos da realidade desconectados da totalidade em que se engendram e em cuja visão ganhariam significação. A palavra, nestas dissertações, se esvazia da dimensão concreta que devia ter ou se transforma em palavra oca, em verbosidade alienada e alienante. Daí que seja mais som que significação e assim, melhor seria não dizê-la.

O diálogo é medida principal para a transformação das visões que se tem de mundo, a dialogicidade constitui a lógica de diálogo em que a palavra pronuncia o mundo, de modo tal que as ideologias sejam abatidas, numa ação reflexiva. Agrega Freire (1987, p.78):

A existência, porque humana, não pode ser muda, silenciosa, nem tampouco pode nutrir-se de falsas palavras, mas de palavras verdadeiras, com que os homens transformam o mundo. Existir, humanamente, é pronunciar o mundo, é modificá-lo. O mundo pronunciado, por sua vez, se volta problematizado aos sujeitos pronunciantes, a exigir deles o novo pronunciar.

No tocante à reificação (coisificação dos homens), elucida Freire: “O eu antidialógico, dominador, transforma o tu dominado, conquistado, num mero isto” (p.165). A colaboração é fator fundamental para uma educação produtiva, crítica, em que o sujeito analisa seu atuar numa história em que “as teorias de ação dos opressores são sempre voltadas contra o povo”.