Breve história de "O Observador do Mundo Finito"

Ao ler os versos de Túlio Henrique a sensação inicial é de angústia. De súbito, nosso funcionamento fisiológico muda repentinamente de modo incontrolável. A baba fica viscosa e não consegue passar normalmente pela garganta, logo se percebe que há um nó emperrando o seu caminho.

E nos questionamos: que nó será esse? Acredito que tal nó seja o presente, ou melhor, a relação que o homem estabelece com seu tempo presente. Um presente que está a nossa frente a espera de ser decifrado, e talvez por isso ele nos cause tanto estranhamento.

Muitos outros sintomas dessa angústia, desse viver para o qual se procura um sentido, podem ser observados atualmente em nosso país e no restante do mundo, como a violência urbana, o consumismo desenfreado e tido como vital para a nossa existência, a falta de respeito ao próximo, o uso de drogas sintéticas, a morte dos espaços públicos, como também a morte do homem como ser político e participativo. Túlio prefere os versos, a escrita; escrita que dá materialidade a tais sentimentos; escrita erudita e elegante que brinca com as palavras e lhes confere o sentido desejado por aquele que as escreve. Definitivamente, as palavras estão sob o julgo do autor.

É necessário enfatizar que a poesia de Túlio Henrique revela uma grandiosa sensibilidade para captar as sensações do seu tempo, em um texto carregado com uma boa dose de ironia, uma maneira, creio eu, de exercitar sua verve crítica com relação ao seu presente e sua sociedade. A ironia muitas das vezes é recurso de compensação pela falta de algo. Seria a falta de um sentido para a vida? Túlio Henrique no poema Descarte nos sugere uma resposta: “Nada me falta/ porque nada tenho/ Não tenho a mim/ nem a você/ e nem a ninguém/ Não sinto nada/ porque nunca aprendi sentir/ por nunca querer sentir/ nem tanto busca-lo/ desapareço quando penso/ quando não penso inexisto/ esses têm sido os conflitos meus/Tudo tem sido meu esconderijo/ Eu não me esconde de Deus/ eu inexisto/ pra qualquer dádiva, todo sonho/ esmaeço em partículas quando respiro/ o ar que não mereço/ Nem pra mim eu desejo nada”. (p.27)

Essa falta de sentido para os tempos atuais é a finitude do mundo, em que Túlio se coloca no papel de observador. Esses versos, ao se referirem à nossa existência cotidiana são como flashes eletrônicos, rápidos e seqüenciados. Pois nos colocam em contato com um turbilhão de sentimentos e sensações: insegurança, ansiedade, amor, excitação, desejo, solidão, êxtase, sexo, aromas, sabores, texturas, medo...; medo de um presente sem respostas, sem destino, estamos tateando no escuro.

Esse universo movediço de sentimentos, sensações e desejos, aos quais me referi anteriormente é uma representação da nossa sociedade atual. Um mundo em que o desejo é constantemente reatualizado pelas imagens e sonhos instantâneos produzidos pela mídia e que estimulam nossos sentidos. Ah, o desejo!! Hoje é ele o senhor, senhor com S maiúsculo, de modo que enfatizaremos nossa servidão a esse sentimento. Desejo que produziu máxima “o cliente tem sempre razão”, pois quando este não se sente satisfeito no seu papel de consumidor, quando seu desejo não é saciado ele reclama, esperneia ou procura novas maneiras de ter seu desejo completamente preenchido, em outras palavras, ele se volta para outro fornecedor de sonhos, também conhecidos como produtos ou mercadorias.

A poesia de Túlio Henrique remete ao fato que estarmos diante de uma pulverização dos sentidos, das emoções, por isso é cada vez mais difícil distingui-los, pois são muitos e se alternam rapidamente, disso vem a sensação de não sentirmos nada, de estarmos vazios. Nem temos tempo para sentir esse ou aquele sentimento ou emoção e logo são trocados, substituídos. Sentimentos e emoções passageiras, rápidas, tal qual a nossa atual percepção de tempo, tal qual nossa imensa incapacidade de se ligar a algo fixamente nos dias atuais.

Este trabalho pode ser lido sob duas lentes, uma na qual podemos interpretar o estilo da escrita como reflexo dos tempos atuais, de múltiplas sensações que tem o poder e a função de estimular nossos sentidos. Sob outro ponto de vista é também uma crítica a essa falta de sentido, de um grande projeto, de uma grande narrativa. De tal modo que, esses versos tratam de uma constante busca, de algo a ser atingido, a ser encontrado, mas não se sabe onde está nem para onde foi. Existe apenas um forte desejo de encontrar. Sua poesia nos transporta à monotonia do viver dia após dia, um viver repetido e compassado e que não nos leva a lugar algum. É dessa ausência de sentido que fala o trabalho de Túlio Henrique.

O homem contemporâneo caminha no escuro num mundo com uma nova dimensão de espaço e de tempo que ainda lhe causa pavor e estranhamento; este novo homem se assemelha a um bebê, engatinhando e tateando o espaço que ainda lhe é desconhecido, ao mesmo tempo modificando este espaço e a si próprio também.

E, a exemplo do que afirmou o historiador inglês Eric Hobsbawn em sua Era dos Extremos, talvez o preço a pagar nesses tempos de transformação é a escuridão. Em outras palavras, não podemos nos furtar em viver o presente.

O poema Alameda de Saudade expressa com mais exatidão os significados de tal escuridão, vejamos: “Caminho só por entre árvores/ Em uma estrada escura e quente/ Não há luz além da lua/ Não há outro toque além do vento/ Tem dias em que a dor se exalta/ A voz não fala e a boca cerra-se/ Algo melhor existe no nada/ Enquanto a estrada não se finda/ Persigo o caminho do silêncio/ Ao final das palavras nocivas/ Eu lamento tanto e só tenho lamentado/ Enquanto a chuva cai me diluindo/ Esta estrada não termina/ Só dúvidas das vidas que não sigo/ Tenho tido tempos óbvios e dias rígidos/ E peço a todos que não amolem enquanto vivo”. (p.80)

Cássio Melo

Mestre em História pela UNESP/Assis

Jaboticabal, São Paulo.

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