Sobre a primeira parte da obra “A era dos direitos” de Norberto Bobbio.

Matheus Marques Nunes

A primeira distinção que deveríamos fazer ao falarmos sobre os direitos fundamentais seria entre o direito que se tem e aquele que gostaríamos de ter. Estes são os direitos desejáveis.

Perseguimo-os indubitavelmente, porém, mesmo como objetos de ardentes desejos, eles precisam também do reconhecimento da sociedade. Os fundamentos poderiam justificar nossas escolhas?

Para respondermos a tal questão devemos lembrar da ilusão naturalista que pretendia alcançar um fundamento absoluto, ou seja, um direito acima de qualquer refutação, derivado da nossa natureza.

Ao pensarmos sobre um conceito como o de liberdade, ou ainda, quando nos deparamos com uma questão mais simples como o da sucessão de bens, concluímos que tal concepção mostra-se extremamente frágil. Por exemplo, o proprietário poderia justificar a livre disposição sobre os seus bens, poderia também transmitir sua herança para o filho ou seus bens poderiam retornar para a comunidade. Todas as possibilidades encontrariam fundamentos que as justificariam como naturais.

Norberto Bobbio refuta toda e qualquer busca por um fundamento absoluto do direito. Em primeiro lugar porque a expressão “direito do homem” é vaga e genérica. Muitas delas entram em contradição, pois seus termos são, geralmente, qualitativos e variam conforme a ideologia adotada pelo intérprete. Nesse sentido, os fundamentos podem ser compreendidos como meios para legitimar valores últimos. Evidentemente várias possibilidades de interferência na formulação devem ser consideradas ao discutirmos a respeito dos fundamentos do direito: concessões/conciliações/renúncias que fazemos no campo político, nossas preferências pessoais e nossas opções ideológicas.

O direito do homem é uma classe variável que se modifica constantemente. Por isso, torna-se essencial a interpretação das condições históricas. Tal estudo possibilita a percepção dos interesses de classe na construção do poder e da justiça. Observamos, além disso, a disposição e construção dos meios, sociais e tecnológicos, sobretudo, que garantem a realização dos projetos daqueles que efetivamente governam. Interessante, seguindo tal contextualização histórica, que algo pode ser considerado fundamental numa época e irrelevante para outras culturas e períodos. Daí a necessidade do relativismo, principalmente, nas questões que constituem o campo das ciências sociais.

O autor afirma que os direitos do homem são heterogêneos e incompatíveis, ou seja, poucos são os direitos considerados fundamentais que não entrem em conflito com outros que também o são considerados como tais. Pensemos na concorrência entre abolicionistas e donos de escravos no reinado de Pedro II. Trata-se, sem dúvida, de refletirmos sobre o embate perpétuo entre as novas e velhas opções que marcam a nossa civilização. A falsa concepção do fundamento absoluto de alguns direitos foi, em muitas situações, usada como um obstáculo na introdução de novos direitos.

Questiona-se também o dogma do racionalismo usado pelos naturalistas, ou seja, a de que a condição para a realização de um valor seria a sua demonstração racional. A potência e o primado da razão, bem como outros teoremas racionais, foram protagonistas questionados em importantes momentos históricos dos últimos dois séculos.

Não pensamos, diante da crise de valores, entre os quais o solapamento dos ideais de progresso e da razão, encontrar o valor absoluto do direito, mas buscar, considerando cada situação histórica, os “vários fundamentos possíveis”. Esta tarefa deverá se realizar conjuntamente com o estudo das condições históricas, filosóficas, sociais, econômicas, psicológicas e culturais inerentes à sua realização.

Marques Nunes
Enviado por Marques Nunes em 19/08/2009
Código do texto: T1762944
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