A era do vazio

Wilson Correia*

LIPOVETSKY, G. “A era do vazio: ensaios sobre o individualismo contemporâneo” (1983). Trad. T. M. Deutsch. Barueri: Manole, 2005, 200p. [LIPOVETSKY, G. “L’ere du vide: essais sur l’individualisme contemporain” (1983). Paris: Gallimard, 1993, 256p].

Quem é o autor?

Gilles Lipovetsky nasceu em Millau, França, em 1944. Estudou filosofia na Sorbonne. Foi militante dos movimentos que culminaram com o “Maio de 1968”. Contribuiu para a reforma do ensino de filosofia na França. É professor de filosofia em Grenoble, França. É autor de diversos livros, entre eles: “Os tempos hipermodernos”, “O luxo eterno”, “O império do efêmero”. Na obra “A era do vazio”, Lipovetsky dedica-se ao estudo da sociedade contemporânea.

A era do vazio

O livro traz uma apresentação de Juremir Machado da Silva, um prefácio e seis capítulos: “A sedução não pára”, “A indiferença pura”, “Narciso ou a estratégia do vazio”, “Modernismo e pós-modernismo”, “A sociedade humorística”, “Violências selvagens, violências modernas”. Um posfácio, de 1993, fecha a obra.

O foco do autor parece ser o indivíduo que a modernidade quis autônomo e emancipado e que se vê no tempo e no espaço circunscrito aos limites do “si mesmo”. Daí que o poder de sedução passa pelas questões do prazer, aliadas a esse indivíduo que, agora, potencializa a liberdade mediante a multiplicidade das escolhas possíveis que impactam o processo de individuação.

O vazio, então, parece associado a questões como indiferença e não envolvimento do indivíduo contemporâneo com problemas que lhe dizem respeito. Trata-se de uma era de socializações variadas, múltiplas vivências e diversas experiências a serem empreendidas, mas feitas sob a égide do “eu”. O narcisismo estadunidense, que se espalha mundo afora, parece entendido como símbolo dessa era do vazio, em que a autosuficiência individual e solipsista estaria a garantir a autogestão idiotizante do ser fechado em si mesmo.

Na esteira desse sujeito, coisas como tradição, novo, arte, destruição, criação se remetem visando a fazerem da novidade uma das formas de potencialização da liberdade e, portanto, da democracia. Por isso, a liberdade democrática sinaliza para concepções estéticas canalizadas em livres manifestações, nas quais cabe a expressividade de si, na dinamicidade dos movimentos que perpassam a existência, a qual, contínuo vir-a-ser, mantém em seu norte o estilo narcisista.

De outra forma, humor e realidade vivida parecem se distanciar, à medida que agentes humorísticos parecem descolados do cotidiano, característica, aliás, que também se faz presente no espetáculo da propaganda e da moda. É a força do humor empregada para formar identidades e subjetividades, preferentemente do consumidor hedonista de nossos dias pós-modernos.

Nessa era, o monopólio da força pelo Estado, para além de valores centrados na honra, na vingança e no sangue, produz o solipsismo do indivíduo vazio e influencia o processo civilizacional pelo isolacionismo celular de cada pessoa. Enquanto isso, os indivíduos praticam uma violência absurda, sem porquê, nem para que. É a eclosão da hiperindividualização, sob o qual a compaixão é substancialmente fragilizada.

Segundo o apresentador de “A era do vazio”, Juremir Machado da Silva, a obra, entre outras coisas, “representa a síntese desse filósofo francês independente, franco-atirador, sem preconceitos e capaz de compreender as novidades do mundo contemporâneo sem a pressa dos julgamentos ‘prêt-à-porter’” (p. X).

Um olhar francês que se pretende estendido ao planeta. Para mim, foi uma leitura inevitável.

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*Wilson Correia é filósofo, psicopedagogo e doutor em Educação pela Unicamp e Adjunto em Filosofia da Educação na Universidade Federal do Tocantins. É autor de ‘TCC não é um bicho-de-sete-cabeças’. Rio de Janeiro: Ciência Moderna: 2009. Endereço eletrônico: wilfc2002@yahoo.com.br.