O SENHOR EMBAIXADOR

“E A LESMA CONTINUA LERDA”

Impressionante como o texto do livro “ O Senhor Embaixador” de Érico Veríssimo publicado em 1965 continua tão atual em relação a nós brasileiros tão simpáticos, é um desabafo de um embaixador brasileiro ( um personagem que estava bêbado, mas um tanto lúcido) em um restaurante em Washington :

“ Feijão podre” Um símbolo de nosso regime, da podridão de nossos governantes e políticos. O Brasil, Clare, é um pais saqueado. De fora para dentro. De dentro para fora. De cima para baixo... Ninguém é responsabilizado por coisa alguma. Ninguém vai para a cadeia. Oh, não! Somos encantadores, temos corações de ouro maciço! Inventamos anedotas mais engraçadas do mundo. Achamos que todos devem nos adorar, pois não somos hospitaleiros e bons causers? Fazemos troças de todos, inclusive de nós mesmos. Temos remédios infalíveis para todos os males de todos os países, menos para o nosso. A simpatia no Brasil é a grande pancéia. E é nessa simpatia, Claire, nesse nosso bom- mocismo (que torna o convívio com o brasileiro individualmente tão agradável) que reside nossa desgraça como nação! No Brasil tudo está bem se o sujeito é simpático. Por simpáticos (e também levianos) esperamos que as coisas nos caiam do céu. Por simpatia votamos em homens incompetentes e/ ou desonestos para os cargos públicos. Se somos governantes ou políticos, por simpatia dizemos sim a tudo o que nos pedem, embora depois não cumpramos o prometido. Por simpáticos damos empregos ou concessões rendosas (nem sempre lícitas) a parentes, amigos, compadres afilhados, protegidos...e, que diabo!, por simpáticos fazemos as maiores concessões a nós mesmos e satisfazemos a todos os nossos apetites. E essa nossa simpatia, sinal, repito dum coração de açúcar , nos impede de fazer cumprir a lei, de sorte que bandidos e ladrões andam às soltas e podem ser senadores, deputados, governadores e até presidentes da república. Por simpáticos achamos que todos nos devem ajudar sem nunca nos pedir contas de nada, Por simpáticos (ah, e, por inteligentes, espertos e mestres na arte da improvisação), não planejamos nada, produzimos pouco, gastamos o que não podemos, e confiamos sempre nas soluções mágicas. Porque no Brasil se acredita que até o deus ex machina é brasileiro. Ah Clare! Como somos simpáticos! Você já tinha notado isso, não? Pois é. Somos tão simpáticos que nos acostumamos à miséria em que vivem mais de dois terços da população total do país... uma miséria abjeta, que em nosso nordeste, é igual ou pior que a asiática...E como somos simpáticos e caridosos, as vezes, vamos aos domingos à missa, durante a qual sorrimos e acenamos de longe para Deus ( que deve ser um sujeito simpático), de vez em quando damos esmolas aos mendigos, vagamente convencidos que assim estamos contribuindo para resolver o problema social....

.... – Minha avó era uma dama de virtude impecável. Estou apenas usando uma figura de linguagem em torno de um figurão da política. O dr. Severino Gonzaga é senador da república por um partido que, como quase todos os outros, não passa dum conglomerado amorfo de aproveitadores e pedintes, sem programa político e social definidos. Os que estão em baixo pedem empregos e favores que pagam com seus votos e seus aplausos e vivas nos comícios. Os que estão em cima aproveitam a posição para fazerem negócios (lícitos e ilícitos, tudo vale, é uma questão de oportunidade, semântica e simpatia) e para satisfazerem suas necessidades de mando de prestígio... As exceções são tão poucas que se podem contar nos dedos das mãos. Pois o Senador Gonzaga, que Deus o abençoe, cria cavalos de raça... Até ai está tudo muito bem. Outros criam coisas piores. Mas a Unicef, ou qualquer dessas instituições internacionais que se encarregam de alimentar as crianças pobres do mundo, mandou partidas de leite em pó para o Brasil, destinada a distribuição gratuita entre a população indigente no nordeste. Pois bem, não sei em que ponto do caminho uma quadrilha de gângsteres se meteu no negócio e essas partidas foram desviadas do seu destino e vendidas, veja bem, vendidas no mercado negro. E o senador Gonzaga, que é um encanto de pessoa, comprou algumas centenas de sacos desse leite e com ele alimenta seus cavalos de raça! Ótimo! Quantas crianças morrem por dia no Brasil? Sei lá! Sou fraco em estatísticas. Mas são centenas, talvez milhares... Imagine agora um belo cavalo de raça correndo no hipódromo....

O livro “O Senhor Embaixador” publicado em 1965, talvez por razões de censura, não se referia a um embaixador brasileiro, mas de um país fictício no Caribe, este relato transcrito acima sim é de um personagem fictício, embaixador brasileiro, amigo do personagem principal, que desabafa a uma funcionária da embaixada amiga. Penso que os censores não devem ter lido o livro na integra e passou este texto despercebido.

Defranco
Enviado por Defranco em 27/12/2009
Reeditado em 27/02/2016
Código do texto: T1998067
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