Histórias do clube da esquina - Márcio Borges

Em 1963 Milton Nascimento tinha acabado de chegar em Belo Horizonte, vindo de Três Pontas, interior de Minas Gerais, onde tocava na banda W’s Boys com o pianista Wagner Tiso. Esse rapaz “magro, negro, com mãos grandes”, de vinte e seis anos, foi morar no quarto andar da pensão de dona Benvinda, no edifício Levy, um prédio "feio, pesado e quadradão" que ficava na cinzenta avenida Amazonas com a rua Curitiba, bem no centro da capital mineira.

Bituca, como era conhecido, foi trabalhar como datilógrafo no escritório das centrais Elétricas Furnas, no 22° andar de um arranha céu na famosa praça Sete. Em outro apartamento do Levy, no 17°, viviam os irmãos Borges, doze ao todo. No começo, Milton se enturmou com o mais velho deles, Marilton, com quem foi tocar no grupo Evolussamba. Logo, estaria fazendo amizade com Márcio e com o pequeno Lô, de apenas dez anos de idade. Além de Wagner Tiso, também moravam no Levy, o ator Jonas Bloch, o escritor Julio Gomide e o psicanalista Chaim Katz.

Os ensaios do Evolussamba, eram sempre no quarto dos Borges, em noites regadas com muita batida de limão. Márcio tornou-se o letrista das primeiras composições de Milton: Novena, Gira Girou e Crença, escritas em 1964. Enquanto isso, Lô estudava harmonia com o guitarrista Toninho Horta e devorava discos dos Beatles com outro menino, Beto Guedes. Juntos os dois montaram a banda The Beavers, inspirada nos Beatles. Essa nova safra de músicos mineiros não parava de crescer, Flávio Venturini, Tavinho Moura e Ronaldo Bastos logo se incorporaram ao grupo.

Certa vez, Bituca e o cineasta Sérvulo Siqueira caminhavam pelo centro de BH, e assim que pegaram um ônibus se encontraram com Fernando Brant que foi apresentado à Milton. Os dois desceram em um bar, tomaram duas cervejas e dividiram um ovo cozido para inaugurar a amizade. Sérvulo havia sido chamado por Milton para colocar a letra em um tema que acabara de compor, o futuro cineasta, com dezessete anos na época, não deu muita atenção ao pedido do amigo, então ele a ofereceu para Brant que nunca havia feito nenhuma música. O resultado da primeira parceria entre os dois foi “Travessia”. A inspiração dessa turma permaneceu e ficou conhecida em todo o mundo.

No livro "Os sonhos Não Envelhecem -Histórias do Clube da Esquina", Márcio Borges conta a história desse movimento que transformaria o panorama da MPB nos anos sessenta. Paralelamente à Tropicália, o “Clube” conseguiu unir a Bossa Nova, as novas sonoridades trazidas pelo rock britânico dos Beatles e a arte barroca de Minas Gerais.

Mas o Clube da Esquina, nada mais é do que um simples meio fio entre as ruas Divinópolis e Paraisópolis, no bairro de Santa Tereza, lugar para onde a família Borges se mudou no final dos anos sessenta. Esse nome foi idéia de Márcio que, sempre ao ouvir a mãe, Dona Maria, perguntar por onde andavam os meninos Borges, dizia: "Claro que lá na esquina, cantando e tocando violão". O “clube”, foi mitificado na música de Milton, Lô e Márcio Borges - Noite chegou outra vez/ de novo na esquina os homens estão/ todos se acham mortais/ dividem a noite, a lua, até solidão... , tornada hino de toda uma geração. Essa obra reúne 20 anos da história do Brasil, desde o golpe militar até 1984, com a queda do militarismo e a eleição de Tancredo Neves.

“Os Sonhos Não Envelhecem”, procura mostrar a formação desse movimento sem nenhum manifesto, mineiramente sorrateiro, sem começo e sem fim, que se unia em torno da música, política, amizade, uma “cachacinha das boas” e da figura de Milton Nascimento. Nas letras estavam presentes a fé na vida e a utopia, assim como a presença do povo nas ruas, que ganham conotação representativa e surgem com um meio de sociabilidade, onde os movimentos estudantis e sociais ganhavam espaço.

Em 1972, foi lançado o álbum duplo "Clube da Esquina", reunindo toda a turma: Milton, Lô, Beto, Wagner Tiso, Toninho Horta, Tavinho Moura e Ronaldo Bastos. O Clube expandiu suas fronteiras, alcançou sucesso nacional e internacional. Bituca, já não era mais um músico da noite e datilógrafo da Furnas, começava a ser o mito Milton Nascimento.

Quando o guitarrista americano Pat Metheny quis conhecer a sede do famoso "Clube". Mesmo com a explicação de que o clube, enquanto espaço físico de fato não existia, o guitarrista não acreditou e só sossegou quando foi levado até a famosa esquina. O mesmo fato se deu com o tecladista Lyle Mays, que ficou um tanto decepcionado ao avistar a "sede" do clube.

Márcio Borges também relata a história dos principais personagens ligados ao movimento, como a gaúcha Elis Regina, o carioca Gonzaguinha, o norte-americano Wayne Shorter, e o percusionista Naná Vasconcellos, que chegava em BH e ia direto para o bairro, atrás da esquina que inspirava tantas criações.

Em uma entrevista para uma tese de mestrado de Luiz Otávio Corrêa em Ciências Sociais, na PUC-Minas, Fernando Brant, declarou que ele e seus parceiros não pensam no “Clube” como um movimento, mesmo porque nada foi formalizado. “Se o Clube é um movimento, ele está em processo”, destacou ele. Para Brant, a denominação de movimento é criação da mídia, que prefere rotular as coisas porque fica mais fácil.

Danilo Nuha
Enviado por Danilo Nuha em 05/08/2006
Reeditado em 07/08/2006
Código do texto: T209545