Pra cima com a viga moçada Seymour, uma introdução (2)

 
Há uma nota do tradutor: Seymour, (...) pronuncia-se em inglês, como “see more” que significa literalmente “ver mais”. Está lançada a ponte que nos leva a ver inscrita no seu nome a palavra vidente. Bem, eu não concordo com a palavra vidente – Seymour não é um vidente: é um visionário. Um poeta visionário.

Buddy Glass se assenta sobre os poemas de seu irmão faz dez anos. Está na hora de se levantar e colocá-los nas mãos de um Editor para que se transformem em livro. E então ele também escreve esta introdução – para apresentar ao leitor, eu e você, o seu irmão. Buddy Glass, no momento em que escreve este texto é um professor quarentão que nunca se recuperou da morte de seu irmão dois anos mais velho. Um suicídio, aos 31 anos, quando estava de férias com sua mulher, na Flórida. J.D.Salinger também nunca se recuperou da morte de seu irmão mais velho. Outra ponte, essa ligando o autor real ao ficcional.

Quem foi Seymour? Ah, não espere que eu vá contar. Não espere porque eu não saberia. Antes os convido (presumindo que eu tenha mais de um leitor) a lerem o livro. E depois lerem outra vez, e outra vez e outra vez. Eu vou fazer isso. Talvez decifre o enigma do personagem, do autor-personagem e do autor.

São 184 poemas. Buddy pretende selecionar pelo menos uns 150. São hai-kais duplos. Se é que isso existe, diz ele. Poemas de duas estrofes, cada estrofe três versos, 17 sílabas. 5/7/5. Assim diz: Os poemas de Seymour estão para os hai-kais como o Martini duplo para o simples. Mas nenhum poema é transcrito no registro que está fazendo – a cunhada, que tem a guarda sob sua responsabilidade, proibiu. Só podemos então imaginar. Buddy ajuda um pouco – eles lhe davam a sensação de que uma porta se abria e alguém entrava soprando três ou quatro ou cinco infinitamente doces melodiosas notas em um cornetim e aí desaparecia.

Um episódio narrado por Buddy. Um episódio inesquecível para ele e certamente para você também, meu leitor escritor. Vou contar. Sem aspas, falarei com as minhas palavras, mas o fato não inventei. Quem inventou foi J.D.Salinger. Os dois irmãos se alistaram para o serviço militar. (Na Europa a Segunda Guerra corria solta – os parênteses são meus). Quando Buddy preenchia a ficha, Seymour leu alguma coisa por ele escrita e sorriu. Não quis contar o que tinha lido nem porque sorrira. Anos mais tarde ao comentar um texto de Buddy (não me lembro que tipo de texto, provavelmente um conto. Buddy era um ótimo contista) Seymour escreveu. Sabe por que sorri? Você preencheu a ficha dizendo que era escritor por profissão. Quando é que escrever foi sua profissão? Nunca foi outra coisa além de sua Religião. Se outro valor o livro não tivesse teria esse. Maria Olímpia Alves de Melo. Tem religião? Sim. Qual é? Escrever.

Outro episódio, nesse mesmo comentário. Agora vou copiar, abrindo e fechando aspas “Se apenas se lembrasse sempre antes de se sentar para escrever que você era leitor antes de ser escritor. (...) fixe isso na cabeça (...) e pergunte a si mesmo, como leitor, que texto entre todos os que existem no mundo Buddy Glass mais gostaria de ler se ouvisse o palpite do seu coração. O próximo passo é terrível, mas tão simples que mal posso acreditar enquanto escrevo. Você simplesmente se senta e escreve-o você mesmo. Uau. Preciso parar. Fiquei sem palavras. Meu coração está completamente descontrolado. O que mais dizer? Vou fazer o que Salinger fez e escrever meu último parágrafo. Vou obedecer à ordem dada.

Agora vá para a cama. Depressa. Depressa e Devagar.”