Lições de um ignorante- 1963- Millôr Fernandes

Se Gilberto Gil tivesse um projeto cultural para o Brasil, ele pediria demissão do de seu cargo de ministro e indicaria Millôr Fernandes para o seu lugar. Tirando o escritor Antonio Candido, Millôr seja, talvez, o único pensador contemporâneo brasileiro com bagagem suficiente para tentar acabar de vez com a preguiça, a morbidez e a passividade da produção artística brasileira. Bastou a leitura de "Lições de um Ignorante", para lançarmos a campanha: Millôr no ministério e Gilberto Gil no trio elétrico.

Uma de suas primeiras medidas seria organizar uma reavaliação dos métodos de ensino utilizados por todos os professores do país, inclusive os de ensino superior. Tarefa que deveria ser exercida em conjunto com o Ministério da Educação. "Professores sem lirismo, em cursos sem função, secam as fontes de criação dos alunos, amarguram-nos com noções inúteis, criam-lhe tabus para sempre destrutíveis, inoculam-lhes o horror da cultura e, sobretudo, matalham-lhe esse que é o maior dom do ser humano, o seu senso lúdico. Agora - e de alguns anos sinto essa ameaça comercial-didática", constata o chargista.

Millôr é a pessoa ideal para liderar uma verdadeira revolução cultural. A frase hoje esquecida por Caetano Veloso "É proibido proibir?", seria o título perfeito para o seu plano de gestão. "Proíbem-me de pisar na grama, de andar vestido como melhor me sabe, de trabalhar na hora em que quiser, de amar a quem prefiro, e de sair do país quando me der na telha. O autor ressalta ainda, que caso "eu resolva eu fazer qualquer dessas coisas na hora em que elas me ocorram e do modo que melhor condiga com minha personalidade e gosto, e serei suspeitado, impedido, parado, examinado, revistado, admoestado, desrespeitado, multado, detido, preso, julgado, condenado, morto".

As artes cênicas também não escapam de sua crítica sarcástica. "A proporção que aumenta o número de escolas e cursos dramáticos, diminui, paradoxalmente, a representação de nossos bons autores e o prestígio de nosso teatro". Para os cinéfilos ele deixa alguns questionamentos: "Por que teimam os autores em fazer diálogos naturais se na vida é raríssimo uma pessoa falar com naturalidade? Que língua falam os autores do cinema brasileiro??"

Não pense que a palavra de Millor é única e incontestável, pois ele próprio se contesta. "Minhas qualidades, oh, são menos qualidades do que uma presunção. Minha educação, meu processo de luta, meu ato de viver é tudo uma comédia de erros, embora uma felicidade: é preferível pois uma comédia de erros a uma tragédia de acertos". Uma coisa porém é certa, poucos são tão modestos quanto ele. "Li Joyce e se é bem verdade que não entendi nada do que disse, posso afirmar, ao menos, que li Joyce e não entendi nada do que disse.Outros poderão dizer tanto e tão honestamente?"

Mesmo aos 91, Millôr não é homem de fugir à luta, ao contrário de outros companheiros de sua geração, como Ziraldo, que vendeu o Pasquim aos interesses dos governos petistas. "Continuo aqui, pequeno e fraco, mas sempre oferecendo meus serviços à grande causa da paz: da paz doméstica, da santidade, do amor filiar, fraternal, conjugal para não falar dos outros".

Millôr ainda faz um pedido. "Ah, meu pai do céu, deixa eu viver, mesmo radiotivo! Mesmo radiopassivo! Mesmo televisivo. Prometo contaminar um milhão de pessoas. Mesmo que morra não cessarei minha luta. Combaterei a sombra". E nós, esperamos que ele viva por muito mais. Lembrando que: "Quando não se pode recuar, o remédio é ser bravo".

Danilo Nuha
Enviado por Danilo Nuha em 10/08/2006
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