O que é arte?

Livro: "O que é arte" de Jorge Coli. São Paulo: Brasiliense, 2008.

O autor tem a difícil tarefa de cumprir o que o título do livro propõe: definir o que é arte. Mas já nas primeiras páginas fica claro que uma definição universal que traduza exatamente a essência da arte, na verdade, não existe. Existem sim tentativas mais ou menos interessantes. No mundo das artes o discurso é sempre parcial, focado, nunca capaz de grandes generalizações.

Quem escolhe o que é arte são os instrumentos da cultura

Os críticos e historiadores da arte, organizadores de museus, apresentações, peças e mostras: estes são os instrumentos da cultura que escolhem por nós, leigos, o que pode ser chamado de arte. Então se vamos a um museu ou a um circuito de filmes de arte podemos respirar aliviados, o que lá é exposto pode sem qualquer vacilo ser chamado de arte. A sociedade confere autoridade a estes agentes da cultura.

A hierarquia e o estilo

Primeiramente o que estes agentes da cultura tentam fazer é classificar a obra em uma hierarquia, da obra mais pobre e infértil à obra-prima. Obra-prima era o termo utilizado para designar a obra apresentada aos mestres para a coroação do aprendiz, como mestre. O objeto de arte vai encontrando a sua posição hierárquica através dos discursos dos agentes de cultura. Van Gogh é obra-prima, mas e as obras contemporâneas?

A busca pelo estilo expressa uma tentativa pseudo-científica de classificar as obras segundo critérios técnicos, como por exemplo na pintura, o tipo de material usado, o traçado, as pinceladas, a perspectiva, o jogo de luz e sombra, o foco, planos geométricos etc. Normalmente o estilo associa-se com determinada época: classicismo, barroco, romantismo, gótico. O estilo assim como a hierarquia raramente são consensuais, sempre gerando controvérsias. O historiador de arte esboça pobremente o que o botânico faz com maestria com as plantas: classificação dos tipos. A arte vive com uma certa nostalgia da ciência.

Arte para nós

Objetos de arte nem sempre foram arte. Uma máscara de argila de uma tribo indígena do século XVII hoje é exposto em museu como arte mas, em outrora, foi objeto de função religiosa. A nossa cultura classifica alguns objetos do passado como arte. A arte está nos olhos de quem a vê. O objeto deixa então a sua função primitiva para assumir uma roupagem de inutilidade gratuita, perdendo a sua função social e econômica.

Todo objeto de arte é efêmero em maior ou menor grau. As pirâmides e as obras arquitetônicas do passado estão lentamente sofrendo a ação do tempo. As pinturas e os rolos de filme perdem as suas cores originais. O que dizer então das apresentações de dança e música? Cada apresentação é única, não havendo qualquer outra repetição idêntica na história. Mesmo com as tecnologias de registro hoje existentes não podemos comparar a experiência de estar em uma apresentação ao vivo com uma apresentação gravada (mesmo as apresentações gravadas vão perdendo a qualidade de som e imagem com o tempo).

O interesse pelos objetos de arte e sua explícita demonstração indicam ainda a posição social do indivíduo, rotulando-o superficialmente na hierarquia social. Ainda que pedante, o indivíduo apreciador das artes aparece como "culto" ou "superior".

A razão e a não-razão

"A razão está assim intrinsecamente presente no objeto artístico, mas a obra enfeixa elementos que escapam ao domínio do racional e sua comunicação conosco se faz por outros canais: da emoção, do espanto, da intuição, das associações, das evocações, das seduções." (pág. 105)

"Algo que não podia formular e que no entanto sentia compreender." Eliot (pág. 108)

"A arte tem assim uma função que poderíamos chamar de conhecimento, 'aprendizagem'. Seu domínio é o do não-racional, do indizível, da sensibilidade: domínio sem fronteiras nítidas, muito diferente do domínio da ciência, da lógica, da teoria. Domínio fecundo, pois nosso contato com a arte nos transforma. Por que o objeto artístico traz em si, habilmente organizados, os meios de despertar em nós, em nossas emoções e razão, reações culturalmente ricas, que aguçam os instrumentos dos quais nos servimos para apreender o mundo que nos rodeia." (pág. 109)

"A arte propõe uma viagem de rumo imprevisto - da qual não sabemos as conseqüências. Porém, empreendendo-a, o que conta não é a chegada, é a evasão. Buscamos a arte pelo prazer que ela nos causa." (pag. 111)

A freqüentação

A apreciação do objeto artístico não pressupõe capacidade inata e nem se dá de forma necessariamente imediata, rápida e fácil. Quanto maior o estudo e o conhecimento prévio sobre o artista, seu estilo, vida, época e contexto cultural concernente ao tema da obra, maior será a apreciação e a extração de prazer e sentido. A freqüentação assídua e a atenção aos detalhes enriquecem o olhar.

Fevereiro de 2009