Uma Resenha sobre a Ferramente Imperfeita, de Paul Henry

Em a Ferramenta Imperfeita, que apresenta como subtítulo as palavras Língua, Sujeito e Discurso sendo estas reveladoras dos conceitos bem construídos em todo o livro, Paul Henry desenvolve uma crítica voraz aos estudos da Pressuposição, principalmente a teoria desenvolvida por Ducrot.

Assim, a fim de iniciar um breve estudo a respeito do panorama epistêmico em torno da configuração da linguística e da própria pressuposição desenvolvido pelo autor é necessário que voltemos ao princípio com os estudos de Frege, em especial um artigo , pois é com ele que a noção de pressuposição ganha um status nos estudos sobre referência e sentido. Segundo Henry a noção de pressuposição não é a abordagem central do texto do autor e que os lingüistas interessados nesta noção costumam se apoiar no artigo de Frege de forma pouco convincente, uma vez que o conceito é desenvolvido lateralmente (Henry 1992).

Ainda em Frege, o que aconteceria na linguagem ordinária é o fato de muitas sentenças intencionam designar um objeto de mundo, mas o que acontece é a ausência de referência nessas expressões, isto porque grande parte das proposições não é inferida da frase global, estando, assim, pressupostas. Nas palavras de Henry Frege formula uma nova questão ao mostrar que a gramática, e não apenas o léxico através das questões da referência, é tal que a língua permite criar um mundo de ficções, dar aparência que os objetos existem quando eles não existem (Henry, 1992).

No tocante a esta discussão a respeito desses objetos criados, inventados e esse mundo de ilusões permitido pela língua, Paul Henry volve nossos olhares para a própria situação da Linguística como ciência e a problemática que envolve a definição de seu objeto de estudo, e como algumas teorias, mesmo não mais aceitáveis como a de Frege permanecem, cai-se então numa gama de problemáticas epistemológicas, que se pode dizer ter seu início em Saussure, para sermos mais específicos no Curso de Linguística Geral (CLG) no qual os editores, apoiados no nome do mestre genebrino, encontram na língua o objeto desejado “a língua é um todo e um princípio de classificação” (Henry, 1992).

Entretanto, tem-se instaurada a partir da página dezesseis a questão entre objeto de mundo ou objeto real e objeto de conhecimento. Nas palavras de Paul, vê-se que não se trata de uma divisão platônica entre mundo das idéias e mundo das coisas, apesar de existir distinção entre o objeto real e de conhecimento, mesmo sendo ambos materiais. Henry realiza uma discussão e caracterização sobre esses dois objetos, principalmente sobre o objeto de conhecimento e, por fim, alcançar a teoria de Ducrot. O que se compreende é que para Henry ele não apresenta clara distinção entre objeto de conhecimento e de mundo, em verdade o que se percebe é uma confusão entre eles na teoria da pressuposição deste autor.

No entanto, se a teoria de Ducrot esta fortemente prejudicada pela confusão entre os dois objetos de que falamos acima, o autor de A Ferramenta Imperfeita nos leva a crer em uma dificuldade maior que apenas a teoria imperfeita da pressuposição: a de que nos falta uma teoria do sentido e uma teoria do sujeito (Henry, 1992:28), embora busque em Althusser as evidências de que a constituição do sujeito é um efeito ideológico elementar ele formula o que chame de questão central e que tenta buscar uma resposta nos capítulos seguintes, com pouco êxito.

A questão central aparece quando se diz que o objeto de conhecimento é um objeto material, materialmente distinto do objeto real correspondente. Qual é o regime de materialidade desse objeto? Mesma pergunta para o objeto ideológico. Sabe-se que essa não é a palavra e nem tão pouco o que Foucault chama de acontecimento discursivo. Seria efetivamente instaurar um primado da linguagem ou do discurso que tem como conseqüência a exclusão das questões sobre a produção, reprodução e a apropriação material desses objetos cuja pertinência, entretanto, não se pode negar. (HENRY, pág. 29)

Porquanto, ao entrarmos nas partes do texto de Henry mais voltadas a crítica a teoria de Ducrot, observa-se que essa crítica ora demonstra a força que a teoria da pressuposição apresenta nos campos da interpretação ora, de maneira incisiva, demonstra a situação de imperfeição da teoria. Ele afirma que Oswald Ducrot leva a pressuposição a uma noção muita mais interpretável, o que seria uma vantagem e, posteriormente, coloca essa mesma teoria como uma armadilha, pois ela enleva a ilusão do concreto, do real o que muitas vezes não é.

Viria, então, dentre os problema da teoria de Ducrot para a pressuposição, a questão da negação, a interrogação e articulação não serem suficientes para delimitar esse objeto, pois ao se considerar a interrogação e a negação num sentido literal, fora de um contexto, haveria vários pressupostos.

Ainda na perspectiva de Henry, Ducrot vira pelo avesso o problema de Frege, pois este procurar libertar a língua da ilusão e aquele sustenta a necessidade social e psicológica de ilusão e demagogia. E daí surgiria a teoria da Persuasão de que tudo que é dito pode ser contradito e que há uma necessidade inconsciente de expressar certos conteúdos, e seria preciso, portanto, poder fazê-lo sem a necessidade de reconhecê-los voluntariamente.

Entretanto, nas palavras de Henry ao resumir essa especificidade da teoria, ele coloca a noção de pressuposição em Ducrot como um projeto teórico que visa por em evidência a existência de uma lógica da língua enquanto, geralmente, as ligações da lógica e da linguagem são concebidas como sendo de natureza exclusivamente discursiva (Henry 1992), assim para o autor a teoria de Ducrot não se propõe ao discurso e se inscreve como teoria linguística.

Como resposta ás palavras de Henry e partindo de um locutor que é o próprio sujeito e de uma enunciação que ainda não é um ato e, ainda, que as relações entre frases são induzidas pelo fenômeno da pressuposição e não o constituem, Ducrot faz as seguintes afirmativas:

Essa é a razão pela qual recuso-me a considerar a pressuposição como uma noção lógica (ainda na medida em que ela funda certas relações entre frases, ela possa dar lugar a uma lógica). Quando me acontece de apresentá-la como elemento de uma “lógica do discurso” – o que Paul Henry me reprova – trata-se de uma acepção muito mais particular desse termo, acepção que tentei explicar acima com o conceito do “estruturalismo do discurso ideal”. (Henry, pág. 223)

A partir dessa resposta observa-se uma tentativa de Ducrot em escapar das críticas de Henry, no geral revelando pouco êxito, e com isso algumas mudanças em sua própria teoria, como por exemplo, a negação da intencionalidade, ainda na página em questão acima.

Mas ainda há, todavia, o que dizer sobre esse ato ilocutório fruto da discussão sobre essa teoria a Persuasão nos parágrafos supracitados,no qual se vê a necessidade de não responsabilizar diretamente o locutor pela expressão de certos conteúdos, colocada por Ducrot. Mas, segundo Henry o que falta é maior esclarecimento da teoria de Searle por parte de Ducrot, pois este ao negar a intencionalidade do locutor se afasta do que ponto essencial da teoria de Searle.

E, por fim, retomando Ducrot no que ele chama de atribuição, juridicamente, de significação literal ás palavras dada pela sociedade, sendo que nesse sentido discutir sobre os pressupostos seria o mesmo que polemizar os pressupostos, Oswald seria mais categórico que o CLG na identificação da língua como uma instituição social. Entretanto, esse discurso literal que possibilitaria o discursivo é fortemente atacado por Henry, pois ao tomar a discursividade, seriam as práticas discursivas que produziriam as significações, assim sendo não caberia a língua o título de superestrutura e pontua a função do Estado em instituir essas formações fictícias de manipulação.

Portanto, em resposta as atrozes e ao mesmo tempo reconhecedoras críticas sobre a teoria da pressuposição, Ducrot parece nos deixar uma interrogação, que se há possibilidade da língua existir fora do marxismo – talvez essa fosse a tradução do pensamento do autor nas palavras seguintes.

Nas pesquisas semânticas, ou somos marxistas ou devemos nos resignar ao irenismo. É fácil imaginar que tal alternativa não me agrada nada. E ainda menos pelo fato de que, para Paul Henry, como para Michel Pêcheux, ser marxista nas questões de semântica conduz a recusa de abordá-las em linguística. (HENRY, pág. 212)