Te-sendo fios de conhecimento: o paradigma, a construção do ser e do saber.

Resenha

Te-sendo fios de conhecimento: o paradigma, a construção do ser e do saber.

Professor Ms. João Beauclair.

“Te-sendo fios de conhecimento: o paradigma, a construção do ser e do saber”, organizado por Aglael Luz Borges é um livro fundamental a quem atua em Educação e Psicopedagogia. Publicado no segundo semestre de 2005 pela Editora Uapê, é composto por artigos de diferentes autores com distintas formações e atuações. Trata-se de uma obra que amplia visões sobre o Paradigma Educacional apresentado em 1994 por Aglael Luz Borges ”A construção do ser e do Saber”, formulado a partir da longa experiência de prática didática, de pesquisa, de supervisão e de clínica da autora, que possui rica formação humanística e com uma forte interação intelectual e filosófica com o agir e o pensar a práxis psicopedagógica brasileira. Ao todo, são quatorze textos que mostram a aplicabilidade deste paradigma nas ciências humanas contemporâneas, com ênfase nas atividades do ensinar e do aprender, da clínica psicopedagógica e da empresa.

No primeiro texto, “Conversando com o leitor numa grande viagem”, é a própria Aglael que nos brinda com clareza e concisão, explicitando as bases humanísticas deste seu paradigma, demonstrando ser desafiadora a busca pelos fios que compõem a teia do processo humano de ensinar e aprender para formar o Ser – Sujeito - Cidadão. É como ler a trajetória de uma pesquisadora que prima pelo pensar filosófico, que se nutre da transdisciplinaridade para incluir contribuições oriundas de diferentes áreas do conhecimento humano ao nosso pensar sobre a construção da subjetividade humana.

O segundo texto, “Notas sobre o Paradigma Luz Borges: a construção do ser e do saber”, de Maria Auxiliadora Lopes, esclarece eixos, princípios e movimentos propostos por este paradigma, vinculando-os ao próprio movimento psicopedagógico em nosso país. A autora, com maestria, discorre sobre dialética e transcendência, conceitos que se fundem na proposta do paradigma e que são trabalhados por Aglael subsidiados pela Filosofia e pela Psicanálise. Com importantes citações, esta autora ressalta a importância da subjetividade e da intersubjetividade na construção da pessoa, lembrando-nos que uma nova ética pode ser construída por nossas ações objetivadas à construção de um mundo melhor para todos.

Hebe Goldfeld, autora do terceiro texto “O espaço da cultura na construção do conhecimento e na construção do sujeito do conhecimento: um panorama sociocultural” elabora uma síntese magnífica de alguns dos principais teóricos da cena mundial atual, vinculando fios produzidos por tais teóricos aos elaborados por Luz Borges em seu paradigma. Edgar Morin, Maffesoli, Serge Moscovici, Gilbert Durand, Castoriadis e René Barbier se constituem com referenciais significativos para a compreensão de diferentes arcabouços teóricos e metodológicos psico-sociológicos presentes na construção do conhecimento na pós-modernidade. Este panorama construído por Goldfeld enriquece sobremaneira nossa compreensão do próprio Paradigma Luz Borges. Essencial é a postura da autora ao nos mostrar que construir “um novo conteúdo é muito mais que absorver um novo saber. É construir um estilo de vida ao qual se ligam um infinito de questões poetizando, num mais além enriquecedor do devir, a Travessia do Conhecimento”, o que equivale afirmar a necessidade de desenvolvermos, cada vez mais, processos de autoria de pensamento em nosso cotidiano como viventes num mundo repleto de informações e conhecimentos, mas ávido de sabedorias.

Antonio Mamede-Neves é autor do quarto texto “Reflexões sobre aprendizagem, pensamento e educação”, onde constrói pontes ao nosso “pensar bem”, compreendendo que o pensamento é uma atividade psíquica única de cada sujeito e que se estrutura em função das diversificadas informações que acessamos em nosso cotidiano. Discuti, a partir de suas releituras de Freud, como enquanto seres humanos todos nós somos capazes de utilizar formas elevadas de comunicação, a partir de processos permanentes de aprendizagem. Apresentando as três modalidades da atividade de pensamento (perspectiva, reprodutiva e produtiva) Mamede-Neves nos brinda com uma análise aprofundada da função do pensamento, com quadros explicativos sobre a função do pensamento e a atividade do pensar, elaborados com competência de que entende do assunto. Em sua conclusão, nos desafia a pensar como a escola deve aliar pensamento critico e criatividade, no intuito de promover o “pensar bem”, meta a ser perseguida por todos que desejam a construção plena do ser e do saber em nosso tempo.

O texto de Regina Amaral é o quinto texto presente nesta obra. Intitulado “Dimensões no Paradigma Luz Borges”, é um eco do próprio paradigma nas dimensões da clínica voltada aos projetos terapêuticos que vise auxiliar e cuidar dos sujeitos com dificuldades de aprendizagem. A autora estabelece diferentes conexões e faz um belo passeio pela história do pensamento humano, desde Homero até as contribuições do pensamento pós-moderno. Uma excelente conexão foi nos relembrar Almada Negreiros, com seu texto-poema “Nome de Guerra”, trazendo sinapses interessantes sobre o que é a vida e o aprender.

Martha Taboada é a autora de “Cotidiano escolar e prática de pesquisa: uma parceria necessária”, sexto texto desta coletânea. Ao fazer um recorte de sua dissertação de mestrado em educação, Taboada vincula os pressupostos do Paradigma Luz Borges ao ensinar e ao aprender psicopedagogia, centralizando-se suas observações na tríade sujeito que ensina, sujeito que aprende e conteúdos, ressaltando que é necessário o comprometimento profissional de todos os que se envolvem com o “desenvolvimento e o aprendizado do sujeito em processo de construção do conhecimento.” Suas idéias, tecidas a partir de sua docência e pesquisa, demonstram que o paradigma Luz Borges pode ser uma metodologia significativa para nosso tempo presente, repleto de mudanças e indagações.

“A postura estética na travessia do conhecedor” é o sétimo trabalho apresentado nesta obra. Tecido por Magaly Cavalcanti, este texto, na verdade, é constituído a partir da narrativa de um belo processo de descoberta da própria autora enquanto ser que se constrói a partir do contato humano de formação em psicopedagogia. A constituição do sujeito é o tema desenvolvido, com aportes da teoria psicanalítica, emergindo uma interessante análise do lugar do desejo e da função do jogo na construção do conhecimento e do saber. O lugar do aprendente e o lugar do ensinante, o lugar do sujeito humano “aprendentensinante”, para este autora, pode ser instituído na dimensão do lúdico, do “homo ludens”, como nos ensinou Huizinga, no seu belo livro Homo Ludens: o jogo como elemento da cultura. Cavalcanti afirma que a expressão da subjetividade humana nos processos de criatividade e de originalidade pode ser resgatada com a aproximação deste sujeito com sua dimensão lúdica. Mais uma vez, o ser e o saber presentes no paradigma Luz Borges fundamenta um corpo de idéias que colabora para o nosso pensar a respeito de um outro tempo e espaço educativo, onde nossas travessias no desenvolvimento e na aprendizagem sejam, de fato significativas.

“Tecendo conhecimentos nas redes da internet: construindo o ser e o saber em tempos e espaços virtuais” é a tessitura feita pelas habilidosas mãos de Maria da Graça Von Kruger. A autora, ao relatar uma interessante experiência de aprendizagem em ambiente virtual, agrega a dimensão da virtualidade na construção do ser e do saber, ressaltando a importância dos princípios de liberdade, de autoridade, de criatividade e de atividade propostos por Aglael Luz Borges. Von Kruger demonstra, em seu texto, a necessidade de revermos nossos modos de perceber o mundo, invadido por doses cada vez maiores de informações e, ao citar Pierre Lévy, nos seduz a compreender que os novos cenários que se configuram em nosso tempo exigem que tenhamos a “capacidade e a necessidade” de reconhecer nossa interdependência, e sermos seres de doação e de interação com os outros, mediatizados pelo diálogo e pela compreensão das diferenças.

O nono texto, “TOCADA: trabalho operativo centrado no aprendizado e no desenvolvimento da ação”, escrito por Sandra Elizabeth M. Rocha retrata o principio de autoria de pensamento proposto por Aglael com seu paradigma. A autora relata uma interessante experiência de suas intervenções psicopedagógicas, em instituições escolares e empresas com um material por ela denominado de “Saco Psicopedagógico”, onde objetos diferenciados são utilizados para gerar movimentos que podem emergir a “oportunidade para que o sujeito possa trazer seus vínculos positivos, negativos, o que pode estar escondido, preferido ou negado naquele momento em relação ao saber assistemático e sistemático”. Mais uma vez, podemos observar o quanto o paradigma Luz Borges favorece a busca por novas ferramentas de intervenção para o trabalho com a psicopedagogia.

Márcia Regina Fernandes Ribeira é a próxima autora, que nos brinda com “Tecendo com significado”, um texto ágil e sucinto sobre sua práxis profissional vinculada ao Paradigma Luz Borges. Seu relato é desencadeado a partir de sua rica vivência como mediadora em um projeto de trabalho onde alunos foram convidados e estimulados à construção de conhecimentos e à produção de saberes sobre a Sexualidade Humana, cujo resultado foi apresentado como oficina numa semana pedagógica realizada em instituição de ensino superior no Rio de Janeiro. A leitura dos comentários escritos pelos protagonistas nesta mediação revela o quanto é possível – e gratificante - criar novos modos de ser e estar atuando em Educação.

O décimo primeiro trabalho deste livro é o de Denize Santos Peterson, intitulado “Com paixão de ensinar”. Relato apaixonado de uma educadora psicopedagoga, se propõe a socializar os movimentos afetivos e cognitivos de quem pretende fazer de sua prática lugar de questionamentos e buscas, onde coerência, palavra e ação estejam irmanadas no processo de construção significativa de conhecimentos. A autora prioriza o fazer cooperativo e ao fazer o seu relato nos mostra a importância do papel do educador enquanto mediador nesta travessia pelo saber. Contextualizando seu pensar, Peterson aciona um questionamento relevante no que concerne ao debate sobre o fracasso escolar quando afirma que no cotidiano da escola não se pode “esperar por receitas, respostas uniformizadoras ou milagres”, mas sim de ações concretas que superem tal fracassa e que se constitua com qualidade de um fazer educativo efetivo onde a escola seja vista como um organismo vivo, que precisa de zelo e cuidado.

Claudia Pinna é a próxima autora deste livro fascinante. Em seu texto “Do apaixonamento à desilusão ou reconstrução: uma travessia da díade conjugal” nos fala dos laços que precisamos atar sem nós que não possam ser desfeitos. Ao fazer uma séria discussão sobre o papel da família na constituição do sujeito humano, Pinna vai do enamoramento a desilusão do apaixonamento, estruturando um pensar que demonstra como as funções materna e paterna são importantes. A partir dos movimentos de indiferenciação, de diferenciação, de separação e de integração proposto no paradigma Luz Borges, a autora constrói um relato oportuno sobre a dinâmica de casais na sua prática como terapeuta familiar e desperta nossa reflexão quando afirma que não “há um só caminho e nem uma única verdade” que possa dar conta da complexidade humana, pois somos seres em condições de diversidade e de globalidade, seres de comunicabilidade e multidimensionalizados.

“Ressignificação na organização e gestão da educação para a infância”, de Marcos Antonio da Silva é o penúltimo texto deste livro. Enfoca, basicamente, a necessária ressignificação de pressupostos teóricos e metodológicos para que sejam promovidas políticas públicas interessadas na melhoria das práticas educativas inseridas no contexto atual de nossa época. O autor parte da crença preconizada por Paulo Freire de que a educação é um ato humano que nos leva a esperança e a libertação, sendo, portanto, um ato político e de importância social integradora. Ao estabelecer linhas de raciocínios sociocríticos, enfatiza que para a construção de uma realização humana digna é fundamental a interação entre instituições e pessoas, objetivadas a construção do ser e do saber. Ressalta, ainda, que a gestão da educação é uma questão importante da práxis humana, geradora de habilidades e competências que remete o sujeito humano aos processos de conscientização sobre a realidade onde está inserido, objetivo maior do paradigma Luz Borges.

“Aplicabilidade do paradigma Luz Borges na agência institucional : empresa” é o último texto apresentado nesta coletânea organizada por Aglael Luz Borges. Elaborado com a competência da escritora Dulce Consuelo, demonstra como é essencial a função da educação permanente na formação de sujeitos críticos, desejantes, históricos e atuantes no nosso tempo. Ao relator interessante experiência de mediação psicopedagógica por ela vivenciada no espaço tempo empresa, Dulce Consuelo efetiva o movimento cognitivo-afetivo-social na construção do ser e do saber, num programa de crescimento pessoal de um grupo de colaboradores da It Quality Systems, empresa onde atua como diretora de educação. Fazendo uso da vertente empresarial do paradigma em tela, propõe a construção de espaços dialógicos condutores de vínculos afetivos e cognitivos que levem a percepção de que somos, todos, sujeitos desejantes de mudanças que nos leve ao exercício de uma cidadania ativa e participativa,modo significativo de ir além dos modelos tecnocráticos dominantes nesta agência humana importante, que reside no mundo do trabalho e da empresa. Com um construto peculiar, Consuelo nos mostra que é possível aplicar com sucesso o paradigma Luz Borges em espaços institucionais distintos, buscando a integração do sujeito humano no fazer e no produzir, meta maior por todos almejada. Aliando seus estudos sobre os vínculos como passaporte para a aprendizagem, aqui ampliamos nossas percepções sobre a comunicação, a escuta, o olhar e o corpo como elemento deflagradores de movimentos de auto-conhecimento, tão necessário no nosso tempo.

Por fim, resta desejar que esta resenha estimule a leitura atenta e o estudo parcimonioso desta obra, a meu ver fundamental para os que se interessam em revisitar suas próprias trajetórias enquanto aprendentes e ensinantes. Ponto de partida para muitas reflexões, todo o trabalho desenvolvido por Aglael Luz Borges merece nosso aplauso e, mais que isso, merece nossa validação, pois acostumados a dar importância somente a teóricos estrangeiros, necessitamos reconhecer que podemos produzir teorias e estudos relevantes a partir de nossa realidade brasileira, tão complexa e desafiadora. Parabenizo os autores dos artigos aqui comentados, pela inserção consciente e critica nos espaços e tempos onde possuem inserção, pois afinal nos demonstram que “tudo vale a pena quando a alma não é pequena”, como nos ensinou Fernando Pessoa.,