Ao longo da leitura de " PAULO CÉSAR PINHEIRO - Histórias das minhas canções"

Estou terminando de ler um livro maravilhoso no qual o grande letrista-poeta da Música Popular Brasileira, Paulo César Pinheiro, conta as histórias e as circunstâncias que envolveram a criação de várias de suas mais belas composições.

Ao longo das páginas vão sendo desfiladas cenas da história política recente – os últimos 40 anos – assim como episódios de relações pessoais do Autor com outros compositores e cantores consagrados – Elis, Clara Nunes (sua mulher), Baden Powell, Tom Jobim, MPB-4, Maurício Tapajós, só para citar alguns poucos.

Enquanto lia e leio, me dei e me dou conta de duas sensações, simultâneas e contraditórias: uma de deleite e de emoção genuínas; outra, a de mera espectadora da minha própria vida.

De deleite e de emoção genuínas: ver desfilar, diante dos olhos, cenas e circunstâncias as quais, sendo da vida do Autor, muitas estão também na memória coletiva, logo, sendo nosso pertence individual, assim, pertence também da minha própria vida pessoal, com seus personagens bem-amados através das tantas músicas que nos habitaram e nos habitam, que me habitaram e que me habitam; cenas do País, cenas que nos marcaram a todos e que determinaram caminhos e fundíssimos descaminhos da nossa história coletiva e das trajetórias individuais.

Músicas como “Tô Voltando”, que virou uma espécie de hino de retorno para os exilados políticos: “Pode ir armando o coreto/ E preparando aquele feijão preto/ Eu tô voltando”; a primeira canção, feita aos 14 anos”: Ô, tristeza me desculpe/ Estou de malas prontas/hoje a poesia/ Veio ao meu encontro/Já raiou o dia/ Vamos viajar “/; outra: “E como eu falei, não ia durar/ Eu bem que avisei, vai desmoronar/ hoje ou amanhã, um vai se curvar/ E graças a Deus não vai ser eu quem vai mudar” / ainda:” Ninguém ouviu/ Um soluçar de dor/ No canto do Brasil./ Um lamento triste sempre ecoou/ Desde que o índio guerreiro/ Foi pro cativeiro e de lá cantou “/ e outras tantas mais.

A outra sensação, derivada da primeira e, certamente, bem menos agradável, é a de ver desfilar diante dos olhos essa história coletiva e individual tal se visse, como já afirmei, o desfile da minha própria vida, mas, da minha própria vida como inexistência, como tudo aquilo que, embora tendo sido efetivamente real constituísse, ao mesmo tempo, o conjunto de uma fantasmagoria, de uma fantasmagoria de mim mesma, como os fragmentos de um sonho que se tenta colher da memória no momento em que se acorda.

O que é mais forte? A sensação do deleite das lembranças ou a da constatação de ter me visto e estar a me ver passar em branco ou como que em sonho, ao largo de mim mesma, ao longo das décadas? As duas, simultânea e contraditoriamente, o que me trás à tona e forte, o título da peça A VIDA É SONHO, de CALDERÓN DE LA BARCA, tanto quanto o termo “Maya” dos hindus, que significa ilusão, ilusão dos sentidos, palavra que eles, hindus, usam para designar a existência do homem sobre a Terra: Nada mais. Nada menos.

Na manhã de 10 de janeiro de 2011.