ENTRE POESIA E PROSA - Umberto Eco

Acabo de ler e reler um ensaio de Umberto Eco intitulado “O signo da poesia, e o signo da prosa”, inserido no livro “Sobre os Espelhos e Outros Ensaios”.

Para diferenciar as duas categorias, o autor, num rompante de bom humor, retoma uma elaboração do senso comum, segundo a qual a diferença encontra-se no fato de a poesia mudar de linha a cada suspiro, e a prosa continuar em linha reta até o final da página. Assim, a prosa seria ecologicamente mais correta que a poesia, uma vez que é econômica com o papel.

Alega que esta diferenciação jocosa, “a poesia muda de linha antes da prosa”, é coerente com a etimologia das palavras prosa e verso: a primeira remete a “prorsus- aquilo que vai em linha reta e direta”, e a segunda, a versus- “aquilo que anda um pouco e depois para, e, ou volta atrás anagramaticamente ou recomeça de onde tinha partido, mas uma linha abaixo”. pág. 233

Admite que, para além, não há muito a distinguir entre prosa e poesia. Mas muito haveria para comentar sobre o que faz com que determinada poesia ou prosa esteja inserida no campo da arte e outra não. Sim, porque assim como nem toda prosa é arte, também não o é qualquer poesia. E, embora argumente que o ensaio em questão não tenha como objeto a produção artística, é por este viés que parece elucidar as possíveis diferenças, em contraposição a tantas semelhanças.

E aqui entra a utilização dos signos nas duas modalidades de escrita. Define signos como “um artifício humano usado para pôr alguma coisa no lugar de alguma outra”.(pág. 233) A linguagem é um destes artifícios.

No caso da poesia a utilização dos signos (material gráfico e fonético) implica em uma ordenação regular e rítmica, num modo especial de associar expressão e conteúdo, como já dizia Jakobson... Mas, o discriminante não seria a supremacia do conteúdo ou a da expressão, como supõe “o instinto vulgar”, mas sim uma modalidade específica de correlação entre ambos.

É a provocação em relação à linguagem que faz de uma mensagem verbal uma obra de arte, tanto em prosa como em poesia. Assim, em alguns casos, pode não importar tanto o conteúdo de um texto se a forma como fora contado revele tal provocação.

Umberto Eco, mais do que diferenciar busca aproximar as duas categorias de escrita. Analisa e descarta alguns argumentos, entre eles a identificação da poesia com a metáfora, e da prosa com a metonímia.

Para ilustrar suas argumentações, cita uma série de exemplos da literatura de grandes escritores, Mallarmé e Joyce, entre muitos outros, como convém a um bom ensaio. Estas inúmeras citações tornam a leitura tanto mais densa quanto mais enriquecedora, e, óbvio, não é caso de reproduzi-las aqui.

Ao final podemos concluir que se a prosa é econômica com o papel, não o é, necessariamente, com as metáforas, e pode ser tão provocativa quanto a poesia. Entretanto esta última insere os espaços brancos do papel, fazendo deles também um signo, talvez o silêncio pós-suspiro.

Resenha do ensaio “ O signo da poesia e o signo da prosa” – in “Sobre os Espelhos e Outros Ensaios”, Umberto Eco, Ed. Nova Fronteira – 1989.