Sobre “Os Cães do Diabo”

Não sou um escritor regionalista.

Minha formação literária se deu na casa de meu pai, onde me aguardava sua disposição de me ensinar certas coisas e sua biblioteca, formada por quatro estantes de livros que iam do chão ao teto e tomava o espaço das paredes de seu escritório, sem contar com os amontoados e espalhados por todos os cantos da sala.

Eu, pequeno ainda, do pé das estantes olhava pra cima e via aquela muralha “sem fim” feita de livros – visão que mais tarde me renderia imaginar o personagem sábio bibliotecário de meu livro Gutvyll – para além do por do sol, ainda não publicado. E aí, antes de conhecer certas outras imensas bibliotecas públicas, eu pensava que meu pai tivesse a maior coleção de títulos do mundo – entre eles, aqueles que eu escolhi para ler a partir dos dezesseis anos.

O livro “Sidarta”, do alemão Hermann Hesse, foi o primeiro.

A partir dele, me interessaram os livros de escritores alemães, ingleses, franceses, italianos e norte-americanos, principalmente os que transitavam pela ficção-científica, entre outros ramos da literatura fantástica, ficando minhas referências primeiras da literatura brasileira livros clássicas regionalistas que, ainda hoje – de Moleque Ricardo a Memórias póstumas de Braz Cubas – é leitura obrigatória entre alunos do Ensino Médio, sem que já em meu tempo de jovem estudante tivéssemos com eles alguma identificação; tempo onde ainda estavam ausentes os computadores caseiros e a saga do bruxo Herry Potter a estimular jovens leitores de todo mundo, entre muitos outros novos ídolos da juventude engendrados pelas mídias atuais.

Mas, cobrado por amigos críticos a que deveria escrever algo que referendasse diretamente a cultura brasileira – querendo mesmo o poeta e jornalista paraibano Walter Galvão que ambientasse meu livro Minha querida Joana em João Pessoa – livro ambientado na França, já que trata das relações de amizade entre uma vampira de 300 anos e a santa Joana d’Arc, próximo lançamento em 2012 – ando ainda a desenvolver o romance Os fantasmas do Parahyba Palace, esperando, entretanto, ter atendido parte do desejo de meus leitores com Os Cães do Diabo – a história que Pero Vaz de Caminha não contou.

Inspirado na carta oficial do escrivão de Pedro Álvares Cabral, Pero Vaz de Caminha – que, a meu ver, contou-nos pouquíssimo do muito que pode ter acontecido durante os longos três meses da viagem do descobrimento do Brasil – e para realizar meu desejo de escrever uma história sobre lobisomens, já que, desde sempre, me influenciaram aqueles que, como também o argentino Jorge Luis Borges e o colombiano Gabriel Garcia Marquez, valorizaram a dimensão do fantástico na Literatura – procurei realizá-la a partir da ampliação da narrativa de Caminha a contar minha história sobre os ocorridos durante as viagens e os dias em que Cabral e seus comandados ficaram na Terra de Santa Cruz.

Não quero com ela ser reconhecido talvez melhor narrador do que foi Pero Vaz de Caminha, sendo seu texto hoje provavelmente considerado um clássico da literatura portuguesa – e mesmo que, em sua carta, ele não tenha se reconhecido um bom escritor – mas quis, ora preservando trechos da carta original, ora ampliando-os, exercitar minha criatividade e estimular a leitura e a imaginação do jovem leitor, afeito ao fantástico, além de procurar “diverti-lo” com este universo de letras capaz de propiciar a criação de outros mundos imaginários que, ao mesmo tempo dependentes da realidade para que existam, influenciam-na e a transformam – principalmente àqueles “recém-nascidos” que, em processos de formação, ainda não sabem direito o que é valioso na Vida e o que devem fazer progredir ao pleno desenvolvimento de sua humanidade.