Teoria da viagem

Wilson Correia

Aeroporto é lugar mágico. De respiro para alguém que não tem compromisso senão com a própria viagem. E foi nesse enlevo que, no aeroporto de Brasília, fui à procura de um livro-rede, desses no qual o espírito pode esticar o esqueleto.

Na primeira gôndola nada me chamou a atenção. A segunda me fez inclinar o corpo quase ao piso. No entanto, ao levantar os olhos, encontrei o livro “Teoria da viagem: a poética da geografia”, de Michel Onfray, divulgador filosófico francês, traduzido por Paulo Neves e publicado no Brasil, em 2009, pela L&PM, de Porto Alegre.

São 111 páginas de uma viagem sobre a visão que podemos ter do ato de viajar. Cada capítulo corresponde à etapa de uma viagem: querer, escolher, desejar, habitar, realizar a amizade, organizar a memória, inventar uma inocência, deparar com a subjetividade, reencontrar um lugar, cristalizar uma versão, dizer o mundo, continuar.

O que é viajar em um mundo globalizado, economicamente mundializado, mas repleto de sedentarismos antropológicos, econômicos, culturais, políticos e ideológicos?, indago eu no durante da minha viagem, inspirado nas “viagens” de Onfray.

Nômades ou sedentários? Dois modos possíveis de ser-e-estar no mundo. Amantes de fluxos, transportes e deslocamentos ou apaixonados pelo estatismo, imobilisto e pelas raízes?

Viajante ou turista? A trilha da viagem ou o trilho do turismo? Um destino e um modo nunca serão apenas isso, mas uma investida para o mundo de dentro. Ainda que sedentário-turista, viajar é se movimentar sem sair de si, mas mover-se em e para o universo interno: aproximar-se de si próprio com a lupa do intelecto, do sentimento, do pensamento, da memória e da emoção.

Questões metodológicas (de caminho mesmo) podem oferecer intercorrências várias a um viajante que aceita a viagem de si ao correr pelo mundo: incertezas da escolha, limitações de recursos, burocracia, questões relativas à saúde do corpo em viagem, amarras com os compromissos de trabalhos e problemas na família. De todo modo, aí há a possibilidade de se enraizar qual uma árvore centenária ou se deixar levar pela correnteza do rio, essa viagem que conjuga lugares fora e lugares dentro para nos fazer diferentes no périplo por aí.

Lendo esse livro, podemos aceitar a proposta de Onfray: uma viagem é autoconhecimento ao tempo em que é conhecimento do mundo, cura, ontologia, arte de ser, poética de si. É aí que sedentarismo não é só fixidez e nomadismo não é apenas movimento. A Ítaca mítica de cada um nos garante que viajar, ir, é sempre e sempre um respirar, esticar o esqueleto, um regressar, um ir aonde o si mesmo possa estar.

Sempre que vamos é porque queremos retornar.

Bom... para quem deseja, melhor é ler o livro, vendo-o como uma trilha, diferente do trilho. Um trilho é rigidez. A trilha sempre comportará as escolhas de quem vê a vida como a viagem primordial. Enquanto podemos respirar.