Não verás país nenhum

Um futuro sem memória

Não verás país nenhum, de Ignácio de Loyola Brandão. Editora Global, 23ª Edição , 384 páginas.

Um futuro sem portas e janelas trancadas com concreto maciço, submerso na ganância de ter o poder. Os poucos dominam os muitos de um país destruído sob os argumentos de Ordem e Progresso! Políticas sem escrúpulos manipulam o pensamento e as ações das pessoas, “o Esquema encontrou um esquema infalível. – Injetam a tranquilidade direta no sangue”. É esse o cenário criado pelo jornalista e escritor brasileiro Ignácio de Loyola de Brandão, em Não verão país nenhum, romance de ficção cientifica, antecipa, desastres ambientais e a ruína dos valores humanos; a degradação da atmosfera, a escassez de água, o desmatamento das florestas.

O personagem principal, Souza, é um ex-professor de história que recebeu do Esquema, sistema de governo em vigor, aposentadoria compulsória. Aliás, ensinar e preservar á memória é motivo de prisão e a sentença é o isolamento da sociedade. Casado há trinta e dois anos com a dona de casa Adelaide, dividem uma rotina de cortinas desbotadas e dissabor, sob as sombras de um espaço cheio cacos de memória.

Adelaide, mulher quieta, ex-escrituraria da estrada de ferro, pouco falava, ocupava o tempo entre cuidar do marido, da casa e freqüentar á igreja, única fonte de suas esperanças. Souza e sua esposa moram na cidade de São Paulo em um conjunto predial. Com o aumento da população os prédios ocupam o lugar das casas. As casas são cada vez mais raras entre as inúmeras raridades apresentadas no livro, por exemplo: a floresta – não há mais florestas, a Floresta Amazônia virou um deserto, a água, não há mais água, mas um líquido artificial produzido a partir de urina reciclada, não há frutas, apenas frutas fictícias, não há mais amor, o amor é uma página apagada um objeto de troca pela sobrevivência. A liberdade de ir e vir também não existe mais. Há as castas sociais, uma espécie de feudo com seus muros altos separando os ricos dos pobres, os sadios dos doentes. Pensar e imaginas essas cenas é fácil e freqüente, embora, não com as mesmas as regras.

Paulistas desaprovam a presença de nordestinos em São Paulo, ricos desaprovam a circulação dos pobres em seus bairros, temendo assaltos e assassinatos.

Loyola narra perfeitamente esse caos social, cada cidadão só pode circular por determinadas áreas, não há lugar para todos, o acesso ás áreas é controlado por fichas de difícil obtenção e sob a supervisão ininterrupta dos Cilviltares “eles andam girando a cabeça para todos os lados e se assemelham a robôs”. Enxergam tudo! Os Cilvitares, uma espécie de protetores da ordem, julgam e sentenciam os infratores no momento do ato, estão por toda parte, criando uma sensação ambígua, ora transmitem a idéia de manter a ordem, mas ao mesmo tempo, de romper a liberdade e corromper a justiça, não raro aceitam propinas para ignorar infrações.

Cenas de ficção ? Não ! basta percorrer alguns minutos pela cidade e logo irá encontrá-los; guardas de trânsito, seguranças, policiais, guardas metropolitanos “vigiam” á cidade. Fiscais da Receita supervisionam os gastos e políticos corruptos pulverizam a lei sob o pagamento de suborno.

E, os meios de comunicação não estão isentos de culpa, investem numa ostensiva propaganda, que torna os problemas sociais e ambientais fatos sem importância, ocultando informações essenciais á sociedade. Como fazem isso? Envolvem a sociedade com jogos e fantasias televisivas sem conteúdo, desviando a atenção da sociedade das causas realmente importantes. Discutem o placar do próximo jogo e o impedimento que não houve, enquanto leis são voltadas na assembléia legislativa sobre o aumento salarial dos senadores e deputados ou o novo código florestal, enquanto a população nem tem conhecimento do que é um código.

O grande clímax do enredo ocorre com o surgimento de um furo na mão de Souza. A partir do furo há a redescoberta da reflexão, da dúvida, do espanto. O furo pode ser comparado ao sol do mito da caverna, do filósofo grego Platão. Só por meio do pensamento, da reflexão é possível enxerga a essência da vida, o real e irreal, o amor e a lágrima.

Ás cenas apresentadas no livro são tão atuais que parecem terem sido escritas amanhã. Passado três décadas, a história é contemporânea e mesmo sendo uma história de ficção, às cenas são fortes e desperta uma reflexão atemporal sobre o que fazemos com o planeta, como usamos seus recursos e como tramamos nossos semelhantes. São cenas reais de um futuro apagado sob as fórmulas do egoísmo humano, talvez por isso – NÃO “VEREMOS” PAÍS NENHUM.

Não é preciso ser um ambientalista para ler Não Verás País, todo leitor é bem vindo. No final da leitura terá uma certeza, o planeta precisa urgentemente ser respeitado, o oposto disso é um futuro sem memória, ou seja, a extinção da vida.