O que faz o brasil, Brasil? Resenha do livro de Roberto DAMATTA: Por Águida Hettwer

RESENHA

O que faz o brasil, Brasil?

             O livro “ O que faz o brasil, Brasil?” de um dos mais eminentes antropólogos brasileiros, chamado, Roberto Augusto Da Matta, traz o que é mais peculiar no cotidiano brasileiro. Fazendo a distinção entre o Brasil com inicial maiúscula, e o Brasil com inicial minúscula. Segundo o autor o “Brasil” com letra minúscula é um objeto sem vida, um pedaço de madeira que apodrece e morre. Incapaz de se reproduzir como sistema, vive a sombra de um conjunto condensado de raças. E o Brasil com inicial com letra maiúscula, representa a diversidade e complexidade, com fronteiras e territórios reconhecidos internacionalmente, tem memória, simbolismo e significância. O livro por excelência traz átona questionamentos, o que faz deste país Brasil? E o que faz de nós brasileiros? Como um povo se transforma em Brasil? Qual a nossa identidade, particularidades e características ímpares. A construção de uma identidade social, assim como, a construção de uma sociedade, é feita de afirmativas e de negativas diante de certas questões.

       O autor traz a luz da reflexão que uma identidade social brasileira se constrói com tudo o que você considera de importante, a família, casamento e sexualidade, religião e moralidade, as leis e obrigações, as artes e prazeres em geral, ou seja, a ideologia de cada um. E não apenas dados precisos de estatísticas demográficas e econômicas, dados relativos ao sistema político e educacional do país. Ou seja, a identidade se constrói duplamente. De um lado ela é moderna e eletrônica e de outro lado é uma chave antiga trabalhada pelos anos.

           Logo no segundo capítulo, o autor abre espaço para discutir a casa a rua e o trabalho. No eixo da casa, estão ás relações mais íntimas familiares, tradições e símbolos coletivos, valores e honra e até vergonha que distinguem uma residência, um espaço totalizado numa forte moral. Na rua se vê o povo à grande massa, há luta, batalha e perigos a dura realidade da vida, sem amor e sem respeito, moeda de dois lados, o que é negado em casa, como sexo e trabalho, tem-se na rua, e no trabalho concorrência, subordinação, reclamações, chefias e batente.

         DaMatta, no capítulo seguinte, faz uma análise na miscigenação das raças que incomoda alguns autores como Agassiz, Buckle e Couty para construção nacional de uma identidade brasileira. Expressavam medo na mistura desenfreada de raças, como se apagasse as melhores qualidades do branco, do negro e do índio, e transformasse em uma raça(mulata, mestiça) indefinida. Em seguida, compara a relação racial entre Brasil e Estados Unidos. Nos EUA, houve divisões, escolas, bancos, ônibus e bairros só para negros e só para branco, diferente do que acontece no Brasil, ou seja, o nosso preconceito seria muito mais contextualizado e sofisticado do que o norte-americano, que é direto e formal.

          Sobre comida e mulheres, a sociedade se manifesta por vários espelhos e idiomas, metaforicamente alem de representar transformações sociais a comida ajuda a classificar pessoas e coisas, “cru e cozido” constitui significâncias, o cozido refere-se a tudo aquilo que é socialmente elaborado, definido pela sociedade como cultura e ideologia. Ou seja, as nossas relações familiares, parentes, amigos que confraternizam conosco em nossas mesas. O cru é tudo que remete a idéia de selvageria, que está fora do controle dos nossos lares. O ato de comer para o brasileiro, não é somente saciar a fome de alimento remete a idéia de gozo, prazer. A comida denota mais que alimentar-se, por exemplo: comer do bom e do melhor, remete a idéia de visão política rica, vida boa, nobre e também define marcas regionais, estilos, formas carinhosas de como cada membro de uma família gosta do tal alimento, bem temperado, mal passado, pouco sal e etc. O brasileiro também se refere a um tipo de “comida”. Mulher oferecida não é comida. E alimento. A “moça de família”, virgem, a esposa, mãe é considerada alimento, apreciado antes de ser “comido”.


        No caso do Brasil, a maior e mais importante, mais livre, mais criativa, mais irreverente e mais popular de todas, sem duvida, o carnaval...” (p.71). No capítulo cinco o autor vai á procura de respostas, o carnaval, ou o mundo como teatro e prazer. Segundo o autor o carnaval cria situações que várias coisas são permitidas e outras não. Como se pudéssemos viver utopicamente esses dias que transcorrem o carnaval, como se não existisse pobreza, miséria, obrigações, deveres a serem cumpridos. Caem-se as máscaras e os prazeres sexuais são permissivos e se vive o frevo da fantasia.

            No capitulo “As festas da ordem”, DaMatta compara, o carnaval liga casa, rua e outro mundo querendo propondo a abertura de todas as portas, muralhas e paredes. Os ritos cívicos e religiosos fazem o mesmo, mas com propostas diferentes. Nos carnavais e orgias, o propósito básico parece ser o de igualar e juntar. Mas no caso das festas da ordem, ou seja, das formalidade sociais em que se celebram as relações sociais tal como elas operam no mundo diário, as diferenças são mantidas. O que se pretende é celebrar o mundo tal como ele é na sua especificidade quotidiana.

       O modo de navegação social a malandragem e o jeitinho brasileiro pra tudo. A conduta peculiar de tirar vantagem de uma desvantagem, burlar leis, placas de advertências, esticando prazos, e não podendo deixar passar aquela velha frase: Você sabe com quem está falando? – Um brasileiro arrumando um jeito pra se safar. O autor faz uma comparação nos EUA, França e Inglaterra as regras são obedecidas ou elas não existem.

       No ultimo capítulo o autor discursa, se na rua usamos o dialeto do dinheiro, no universo da religião estamos muito mais interessados em conversar com Deus e toda legião de entidades que ali habitam, ou seja, os caminhos para chegar até a Deus, o foco é a religião. Como se a religião marcasse significativamente a vida de cada um, e proporcionasse um sentimento de comunhão com o universo todo. E o autor vai mais longe e questiona como se chega a Deus no Brasil? A variedade de experiências religiosas brasileiras é ao mesmo tempo ampla e limitada, no entanto, a linguagem religiosa do nosso país é uma linguagem da relação e da ligação. Um idioma que encontra a possibilidade de salvar todo o mundo e de encontrar alguma coisa boa e digna, regada de esperança nas mais variadas formas de expressão popular de religiosidade.







ANÁLISE CRÍTICA


          Com livro “O que faz o brasil, Brasil?” do ilustre antropólogo brasileiro Roberto da Matta, podemos fazer uma viagem no quotidiano brasileiro, contemplando de cima, a multiplicidade de fatos históricos. O Brasil do feijão com arroz, as misturas de realidade e fantasia, não só nas festas carnavalescas, o jeitinho brasileiro pra tudo, um Brasil cheio de estilos, um povo com a síntese perfeita do que há de melhor do negro, branco e índio. A malandragem, o carnaval da fantasia de igualdade, no entanto, nas festas da ordem de um lado fica o “povo”, e do outro as autoridades. No meu modesto entendimento que o faz o Brasil, Brasil com “B” maiúsculo é a mistura de fé e de senso de realidade de um povo. Os seus valores, símbolos, o orgulho de ser um brasileiro de sangue rubro, de fazer malabarismo para driblar a crise, de ser poeta e arrancar beleza de uma tristeza, de juntar “lixo” e selecionar para vender. De querer ver o destaque do país do futebol, das mulheres bonitas, do carnaval, mas, sobretudo, a cultura de um povo sendo reconhecida aos quatro cantos da terra, abolindo a idéia de que somos apenas um “povinho” sem estudo, sem cultura, dado a vulgaridade, preguiça e malandragem. E assim como qualquer país, ter suas dificuldades, mas o reconhecimento de que somos uma nação privilegiada por Deus, uma terra farta, na grande maioria da extensão, onde tudo que se planta dá. Que temos no sangue orgulho vivo de sermos brasileiros em miscigenação de raça, e não ser menos brasileiro por isso, batalhadores, tem cultura, somos um povo questionador e de fé inabalável, na crença de mundo mais justo para todos. Tenho por mim um Brasil, Brasil! Rico na sua particularidade.


Águida Hettwer-Graduanda de Psicologia/Feevale/RS

                                                   03/05/2012


REFERÊNCIA


DaMatta; ROBERTO, O que faz o brasil, Brasil?. EditoraRocco, Rio de Janeiro, 1986.