“O Paroara” de Rodolfo Teófilo

Rodolfo Teófilo (1853-1932) foi um romancista baiano, radicado em tenra idade no Ceará, que adotou como torrão natal. Além de escritor, o autor de “O Paroara” (Teófilo, 1974) também deixou obra publicada na área de História e Ciências Naturais.

O romance “O Paroara” foi publicado em 1899, sendo um daqueles títulos que fizeram do final do século 19 um dos momentos mais produtivos da literatura brasileira. O tema trata do migrante cearense, que deixa sua terra natal e tenta enriquecer na Amazônia, retornando posteriormente. O termo Paroara, em si, ensina o autor, era a designação que davam justamente àquele que retornava depois da emigração.

A personagem central da narrativa é João das Neves que tem uma história trágica, que Rodolfo Teófilo parece querer simbolizar o cearense migrante da época. Quando criança, João vê-se apartado dos seus pais quando eles migravam para Amazônia. Abandonado na capital o menino retorna a sua origem no interior, nas cercanias de Quixeramobim. Quando adulto ele retoma a casa do pai, toma Chiquinha em casamento e rapidamente faz uma família de três filhos. Seu progresso é limitado por duas derrotas consecutivas ao tentar fazer uma roça. Desanimado com suas derrocadas profissionais, ele encontra um conterrâneo, José Simão, que tinha ido para Amazônia e retornado com uma quantidade de dinheiro fantástica para a realidade local. Seduzido por este paroara, João das Neves abandona a família na mais absoluta miséria e parte para a Amazônia, onde, em vez de enriquecer, acaba contraindo malária e retorna, dizimado pela doença, para casa, chegando apenas alguns instantes antes do falecimento da mulher, cujas últimas palavras (“morreram... todos ... de ... fome”) foram a resposta às indagações do marido a respeito dos filhos.

Esta estória terrivelmente trágica é povoada de personagens interessantes. Um deles é o padre Mourão, que nasceu e foi criado numa família de famigerados matadores, mas que recusou-se ao destino também de matador e acabou sendo Padre por vocação. Chiquinha era sua pupila e João era seu afilhado e o padre também estava no comovente passamento de Chiquinha.

Chiquinha é a personagem trágica do romance, aquela que, inocente de tudo, foi vítima do abandono do marido, mesmo assim, resistiu fiel ao seu homem, mesmo com as investidas Chico Santinho o sacristão pretendente. Chiquinha lembra Penélope da Odisséia transmutada para o sertão do Ceará, quando suporta a ausência do marido de forma estóica, também lembra Ofélia de Hamlet que morre apesar de ter feito tudo certo, mas abandonada pelo homem, que era seu esteio, é levada pela torrente do destino para morte. Era uma moça forte e saudável, disposta para o trabalho, casou-se feliz como uma forma de livrar-se dos maus-tratos que se via submetida na casa do Padre Mourão. Dedica-se completamente ao marido, produz três filhos promissores, sendo que o mais velho já ajudava nas roças mal-fadadas. Quando a empreitada agrícola do marido malogra, é Chiquinha que se levanta e parte para pesca com o fito de alimentar os filhos e é esta disposição que faz João levantar-se também do desânimo e partir para a caça, com o intuito de alimentar a família. É esta mulher, fiel, trabalhadeira e parideira que João abandona à própria sorte ao partir para a aventura na Amazônia.

Outro personagem interessante é Pedro das Marrecas, que acompanha João para a Amazônia. Pedro pode simbolizar o migrante que se adapta ao ambiente amazônico, tipo que será o grande responsável pelo povoamento daquela inóspita região brasileira. O grande diferencial de Pedro para os outros migrantes é que se mostrou resistente às doenças e ao clima. Além disso, apesar de não ser um seringueiro hábil, ele explora com eficiência a riqueza de caça e pesca da Amazônia. Adapta-se tanto lá, que quando João retorna ao Ceará, Pedro fica, dizendo que vai passar mais uma temporada.

Nem todas as personagens são bem trabalhadas, como é o caso do Advogado Vasconcelos. Trata-se de um letrado pobre que vê na migração para a Amazônia uma oportunidade de enriquecimento ao ligar-se à sociedade dirigente de Manaus. A terrível viagem dos migrantes para a Amazônia é toda centrada no Vasconcelos, uma pessoa movida pela ambição, que não titubeia em mudar de convicção ao ver-se em posição desvantajosa. Quando os migrantes chegam ao destino, Vasconcelos desaparece e não retorna mais ao romance, ficando uma personagem destacada do enredo geral.

A própria história de Chiquinha, a seqüência de desastres a que foi submetida até o retorno do marido, é inexplicavelmente omitida pelo autor. Quando João parte para a Amazônia, toda a história passa a ser narrada naquela região e o Ceará fica completamente esquecido, sendo que a tragédia de Chiquinha só é conhecida no fim do livro, ficaria muito interessante se aos capítulos amazônicos fosse alternado com capítulos contando a história de Chiquinha, o aumento dos tormentos da miséria, a morte dos filhos, o assédio de Chico Santinho, configuraria um romance mais completo.

É interessante notar que, apesar de o autor ter notável conhecimento de história natural, a sua ignorância sobre a doença que atinge João é tão grande quanto a da própria personagem. João não sabe o que acontece consigo, com sua progressiva decadência física, mas Rodolfo Teófilo também não sabe. Atribui sua doença ao misteriosos miasmas do pântano, onde João se banhava e onde o autor considera como local de contágio da doença, não sabendo ele que a malária que atinge João é causada pelo plasmódio, que por sua vez é transmitido pelo mosquito anofelino.

O mesmo acontece com o “vício” de comer terra, que Chiquinha tinha quando era criança e que seus filhos também terão, depois de abandonados pelo pai. Inclusive o autor sugere que tenha um componente hereditário neste “vício”, posto que o atavismo é uma explicação que o autor lança mão com freqüência. Além disso, Rodolfo Teófilo atribui a cura deste problema à alimentação correta. Sabemos que o hábito de comer terra está associado a uma verminose, a ancilostomíase, que causa o conhecido Amarelão.

Os capítulos que o autor dedica à descrição da caça e da pesca na Amazônia são primorosos, menos ao mostrar a atitude bestificada de Pedro das Marrecas diante da biodiversidade Amazônia e mais por mostrar a postura depredatória dos exploradores da Hiléia. Hábito que assumiu proporções de catástrofe ambiental nos nossos dias, muito em função do aumento populacional daquela região, justamente através das levas de Cearenses que ali fizeram suas vidas.

Não é difícil situar o romance de Rodolfo Teófilo com os romances desta primeira fase do nosso Regionalismo, que vai, em mais algumas décadas produzir algumas das obras primas da literatura brasileira. Particularmente, é interessante as similaridades de descrição das personagens e do ambiente com o romance “Luzia-Homem” de Domingos Olímpio (Olímpio, 1973), particularmente a personagem de Chiquinha, que deve ter contribuído para a construção de Luzia no romance de Olímpio.

Referências

OLIMPIO, Domingos. Luzia homem. Rio de Janeiro: Texto integral, 1973. 250p.

TEOFILO, Rodolfo. O paroara. Ceara: Secretaria de Cultura, Desportos e Promotpo Social, 1974. 236 p

Lido em Out/2009