“Aves de Arribação” de Antônio Sales

O único romance de Antônio Sales, publicado em 1913 na forma de livro, mas já conhecido do público publicado na forma de folhetim no jornal Correio da Manhã do Rio de Janeiro, pertence à temática sobre as agonias que atingiram os cearenses nos períodos de seca (Sales, 1965).

O romance não trata das terríveis conseqüências da seca, como a descrição da perda da lavoura e as horrendas sinas das personagens do romance de Rodolfo Teófilo “O Paroara”, publicado em 1899 (Teófilo, 1974), pelo contrário, a maior parte do romance de Antônio Sales trata da vida dos moradores de uma cidade do interior do Ceará, com fartura de água e caatinga florida. Apesar de tudo isso, o romance ainda é sobre o abandono do Ceará, marcado pela falta de opção para o desenvolvimento do indivíduo, não apenas por causa da devastação econômica das estiagens periódicas, mas por causa de um subdesenvolvimento espiritual que leva seus personagens a entranhar-se na querelas vazias de suas vidas e das vidas dos seus vizinhos.

A personagem de Florzinha, nesta perspectiva, representa bem o Ceará. Cheia de potencial para vida, bela, inteligente, instruída, Florzinha tem tudo para ter uma vida além daquela experimentada pelas outras personagens. É o que lhe deseja o pai, Asclepíades, que acredita que o melhor caminho para realizar o futuro da filha seria cansando-a com um doutor. A oportunidade surge com a chegada do sobrinho do vigário Balbino, Alípio, um doutor praciano, mas fútil e calculista. Desde a sua chegada, Asclepíades empurra-lhe a filha. Alípio acaba cedendo e diz a Asclepíades que pedirá a mão da menina depois que conseguir uma posição na Capital, para onde parte, deixando a menina numa espera medonha pelo seu retorno, que, pelo menos o autor deixa entender assim, não acontece. A menina, na terrível espera acabrunha como a natureza sobre o peso do estio, enquanto que a anunciação das épocas difíceis (seca, mudanças na ordem política, perda de inocência, decepção amorosa) faz com que as pessoas abandonem o Ceará. Essas pessoas parecem com as Aves de Arribação (Zenaida auriculata Chubb, 1819), que fazem esta debandada logo no início do período desfavorável, perto de Junho (Major et al. 2004).

Alípio, logo que chega, não tem a mínima intenção de criar raízes na pequena Ipuçaba, mas vê com bons olhos regalar-se com a jovem Florzinha, como também com a professora Bilinha. As constantes visitas do praciano à casa da professora fazem-na mal-falada. Corroborando com a maledicência pública, Alípio acaba seduzindo Biblinha, que lhe entrega sua virgindade. Frustrada quanto à possibilidade de casar-se com Alípio, Biblinha desespera, pois não conseguirá casamento mais, pois perdera sua honra, exatamente como aconteceu com a sua mãe, cujo destino ela sentia repulsa. Para sorte de Alípio e de Bilinha, surge na cidade um rico negociador de cavalo, o Florêncio, que é persuadido a acreditar que Biblinha era na verdade viúva de um casamento secreto, mentira que permitiu a Florêncio pedir a mão da professora e esta, para afastar-se da cidade pede ao seu noivo que lhe consiga uma posição fora de Ipuçaba e vai embora.

Em seguida, Alípio fica doente e tem que ficar se restabelecendo na fazenda do tio de Florzinha, que também ali está passando uma temporada. A presença constante de Florzinha faz com que Alípio se interesse pela menina e o faz anunciar ao pai desta suas intenções de casamento. Tal anúncio leva o primo de Florzinha, Cazuza, a evadir de Ipuçaba para os seringais da Amazônia.

Paralelamente a isto, ocorre uma reviravolta na política local, sendo que o caudilho de Ipuçaba, João Ferreira, monarquista derrotado, é o líder local do grupo político que ascende ao poder, agora apoiando o generalíssimo. Alípio não tem pudores em negociar secretamente seu apoio ao violento caudilho, traindo o partido de Asclepíades e do seu tio, o vigário. As mudanças políticas levam o vigário a pedir sua transferência de Ipuçaba, pois suas relações com o truculento João Ferreira eram péssimas.

Assim, o romance de Antônio Sales fala sobre o Ceará, que é abandonado pelas pessoas que se fartam na época favorável e vão embora em períodos difíceis, como as aves de arribação.

Lido em Nov/2009.

Referências.

SALES, A. Aves de Arribação, 2ª. Ed. Fortaleza: Imprensa Universitária do Ceará, 300p., 1965.

MAJOR, I., SALES JR., L., CASTRO, R. Aves da Caatinga. Fortaleza: Fundação Demócrito Rocha, 252p, 2004.

TEOFILO, R. O paroara. Ceara: Secretaria de Cultura, Desportos e Promotpo Social, 236p., 1974.