Nêmesis de Philip Roth

Philip Roth (1933) é considerado um dos melhores escritores da atualidade, mas o primeiro livro que li, não gostei. A humilhação é um romance que aborda a velhice, refletindo a solidão, o desejo e a morte, uma narrativa que não me atraiu, pelas peculiaridades narrativas encontradas. Onde estava o Roth que lia em reportagens, tão premiado? Precisava encontrar o narrador ágil e intuitivo que as críticas passavam. E foi em Nêmesis (Nemesis, tradução Jorio Dauste, Companhia das Letras) que provou a capacidade desse autor.

A narrativa é ambientada numa comunidade judia de Nova Jersey. Nos idos da Segunda Grande Guerra, verão de 1944, no “calor asfixiante” de Newark, uma epidemia de poliomielite ameaçava terrivelmente as crianças do lugar. Não era a primeira vez, mas outrora a paralisia e a invalidez ocorriam, deixando suas marcas, mas naquele momento, o número de vítimas apareceu e de forma alarmante. O professor de educação física e fiscal de pátio de uma escola Eugene “Bucky” Cantor é a figura central do romance, um cara responsável, devotado e comprometido com o bem-estar de seus alunos, mas à medida que a pólio começa a devastar as crianças de sua escola, passa a absorver a realidade que o cerca com os sentimentos mais puros de raiva, terror, pânico, sofrimento e dor.

O livro é dividido em três capítulos, um hábito do autor, que gosta de jogar com o ideal clássico da catarse. Começa relatando os primeiros casos e a aflição das famílias afetadas, malogradas pelo sofrimento. A dor não se apaga com as demonstrações de carinho nem com palavras de consolo na sinagoga. De imediato, procuram responsáveis: os italianos, as granjas de animais, as partidas de beisebol organizadas pelo professor Cantor, que expôs os garotos às altas temperaturas daquele verão. A pólio semeia a desconfiança, a ira, o rancor daquela idílica comunidade. A doença não se limita a fazer enfermos de corpo, seus estragos vão além, se refletem na corrupção moral de uma sociedade que perde a confiança em Deus, na justiça ou à misericórdia. Conforme a enfermidade se espalha, Bucky Cantor começa a temer que tenha alguma culpa no contágio das crianças. O protagonista enfrentará um dilema moral que porá a prova sua integridade. Em certo momento da narrativa, oferecem um trabalho longe dali, e Cantor terá que escolher e determinar se estiver a altura de suas necessidade ou de sua moralidade.

Roth transforma a doença em uma metáfora que lembra muito a peste de Albert Camus, onde o autor francês numa alegoria adverte sobre o fascismo e o perigo que ele representa a sociedade humana. Já Philip vai mais longe. O problema é a condição humana, nossa ética e moral são fantasias retóricas que se desmoronam quando surge o medo. O pânico nos remete a um estado primal e joga com as crenças da presumível bondade de Deus e indaga se Ele é bom e onipresente o porquê de permitir a morte dos inocentes? Seu personagem se revolta com a figura da divindade

Nêmesis integra uma tetralogia de novelas formada também por Homem comum, Indignação e A humilhação. Trata-se de mais um exemplo sintomático da intensidade da produção de Philip Roth, que volta a estimular, com doses altas de melancolia, o embate entre o protagonista e sua própria finitude. Na escrita poderosa de Roth, Nêmesis é extraordinário, é a evidencia onde Philip Roth demonstrou seu talento como narrador e seu compromisso com seus leitores, perfazendo os grandes temas da literatura em menos de 200 páginas. O Humano, a Morte, Deus, o Mal, o Irracional, a tensão entre o individuo e a comunidade, a crueldade da sociedade estadunidense. Uma narrativa dura, elegíaco às lembranças distantes do autor, manifesto à vulnerabilidade do ser humano, que nem mesmo a deusa grega da indignação pode aplacar. Em meio a circunstancias tão adversas haveria espaço para um herói? Recomendo a leitura para que deseja encontrar essa resposta.

Cadorno Teles
Enviado por Cadorno Teles em 01/08/2012
Código do texto: T3809126
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