POR QUE LER A QUEDA DE DIOGO MAINARDI

Há poucos dias estive na X Bienal Internacional do Livro do Ceará, o evento realizado no novo Centro de Eventos do Ceará (08/11 a 18/11), em Fortaleza, tem a cara do nosso Ceará – a cultura cearense expressa em poesias e narrativas, a vida contada através da arte.

E é com orgulho que apresentamos o tema “Padaria Espiritual – O Pão do espírito para o Mundo”. Fundada no final do século XIX, a Padaria Espiritual foi o movimento literário mais importante e original da nossa terra. Homenageamos, também, os 90 anos da Semana de Arte Moderna, os Centenários do Rei do Baião, o Gonzagão “minha vida é andar por este país”, os escritores Jorge Amado e Nelson Rodrigues. Uma homenagem particular ao poeta, ficcionista e ensaísta cearense Rafael Sânzio de Azevedo, professor da nossa Universidade querida - UFC, membro da Academia Cearense de Letras; entre outras homenagens.

Dezenas de milhares de pessoas prestigiam este evento, mais de 100 mil títulos estão expostos, com a participação de editoras locais, nacionais e internacionais - representantes da Argentina, México, Venezuela, Espanha, Portugal, França, Peru, Inglaterra, Estados Unidos, China e Alemanha.

Mais de 100 mil títulos e eu buscara um. Apenas um. Instigada por uma curiosidade natural promovida através do artigo de Mario Sabino, editado em 22 de agosto, pela Revista Veja, quando foi lançado A Queda, de Diogo Mainardi. Foi fácil encontrar Mainardi, ele está entre os mais lidos do país.

Fui leitora assídua do ex-colunista de Veja Diogo Mainardi. Por oito anos ele zombou de Lula e fez isso ao extremo. Nunca tive simpatia por essa política assistencialista, mas ele era um ‘chato espetacular’ ao tratar do tema, ainda assim eu não o largara. Em dezembro de 2010 ele se despede como colunista, falara em demasia sobre o lulismo, não havia por que iniciar uma guerra contra o dilmismo. Seria apenas uma repetição.

Com A Queda (as memórias de um pai em 424 passos), Record, 2012 descobrimos uma nova face de Mainardi. Ele próprio redescobre-se. Através de uma narrativa sem sentimentalismo e autocomiseração, Mainardi nos reporta ao nascimento e infância de Tito, seu primeiro filho, que por erro médico tem uma paralisia cerebral.

A 1ª queda acontecera ainda no ventre materno, em Veneza, quando uma obstetra incompetente acelerara o trabalho de parto e assim asfixiara o pequeno Tito. A descoberta da paralisia veio em seguida. Mainardi chora, tem medo, mas depois se reconstrói – aceitara a paralisia cerebral do filho e fez isso com naturalidade, com deslumbramento, com entusiasmo, com amor, como ele próprio dissera. Mainardi apega-se à vida e descobre que o amor de um pai por um filho é um sentimento inominável (porque é mais do que amor), mas monstruoso “Quero comemorar o valor da vida de um filho inválido”; “Passei a acreditar na força do amor”.

Seguem-se as quedas. Tito cai – e faz isso com graça; Ana, sua esposa cai; Mainardi cai. A família retorna ao Brasil e vê entusiasmada os pequenos progressos de Tito. O homem Mainardi entrega-se ao seu novo ofício, o de cultuar Tito: “Eu nunca cultuei Deus. Eu nunca cultuei o homem. Passei a cultuar Tito. Passei a cultuar a vida doméstica. Meu evangelho é uma conta de luz. Meu templo é uma quitanda”. A paralisia cerebral passou a ser a sua seita, a paternidade tornou-se a sua ideologia.

O livro de memórias de Mainardi é fantástico, é de uma beleza incomum. A narrativa de idas e vindas da família em busca de tratamentos, mais feliz com a chegada de Nico, o filho mais novo, é enriquecida e repleta de referências históricas que acabam por nos traçar um pequeno panorama da paralisia cerebral.

Vale muito lê-lo. É o homem diante de si próprio, reconhecidamente humano.

Eu o indico porque não há sensação mais estranha do que sentir um arrepio percorrer todo o corpo. Também não há como traduzi-la. Pode ser espanto, medo, estranhamento, puro contentamento. Mas pode ser também enternecimento, uma possibilidade de nos tornarmos mais amorosos. A vida nos proporciona isso pouquíssimas vezes. Arrepio - foi o que senti ao ler as páginas de A Queda.

Tito cai. Mainardi cai. Nós caímos. Caem – as certezas, as veleidades humanas. Mas como o pai de Tito nos fala “Saber cair tem muito mais valor do que saber caminhar”.

RosalvaMaria
Enviado por RosalvaMaria em 15/11/2012
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