Sobre o Livro “Arkáditch”, de W.J. Solha

Nem sempre estive em contato com W.J. Solha, mas desde muito tempo, quando pude, prestigiei suas atuações de ator, fui a exposições de suas pinturas e leio seus livros.

Não li A Canga – embora tenha visto a primorosa atuação de W.J. Solha na premiada versão cinematográfica de seu texto, dirigida pelo cineasta paraibano Marcus Vilar; folheei Trigal com corvos, devorei Relato de Prócula e tenho lido ao mesmo tempo sua História universal da angústia e Arkáditch, seu livro de 2011, ano quando mais fizemos contatos.

“Arkáditch” é nome verdadeiro do personagem “Zé Medeiros”, fato que é a chave de todo o mistério que Solha pretendeu criar no livro, cuja estória se passa em vinte e quatro horas e é ambientada na cidade de João Pessoa, capital da Paraíba, onde moramos.

Oferecido aos amigos Esdras do Nascimento – cuja leitura dos originais levou Solha a cortar parte de seus excessos (por certo expressões de muitas de nossas inevitáveis misérias pré-mortais, as quais, todavia ainda presentes, incomodaram a escritora paraibana Marília Arnaud) e para Hugo Almeida, cuja mesma leitura o levou a “confiar mais no que escrevera” – os personagens de Arkáditch “são todos reais”, como também a cidade de João Pessoa onde é ambientado e onde, com a leitura, me vejo passar entre seus personagens como se enfim tivesse adentrado mesmo no universo paralelo que é Arkáditch, estando ainda entre eles o falecido personagem Radegundis Feitosa – que conheci quando fomos jurados num concurso de bandas de música, “cabra de Itaporanga, de gargalhadas altíssimas, que já tocou até no Carnegie Hall, de Nova Iorque” – hoje, depois de ter sofrido violento acidente de carro, como tantos e tantos e tantos outros personagens reais da história universal da angústia, transformado em cinzas.

Na narrativa constantemente intensa de Arkáditch – que, graças a interesse de Solha a referendar riquezas de culturas de outros tempos e lugares, faz ponte entre Moscou e João Pessoa – cenas do cotidiano são narradas preservando-se sotaques e expressões de vícios de linguagens de nossa cultura que, como livros de outros autores regionalistas brasileiros (sendo Arkáditch um “romance urbano”, será Solha “neo-regionalista”?), certamente torna o texto intraduzível para outras línguas.

Como recurso gráfico-literário, W.J. Solha prezou pela permanência do formato itálico de seus caracteres em determinados locais de sua narrativa, certamente para destacar falas as quais, todavia, não vi razão para estarem destacadas, enquanto outras que talvez devessem estar não estão – um recurso que, a meu ver, apenas ajudou a tornar um tanto desconfortável a leitura do livro, já difícil ao leitor comum pela falta de certa linearidade em sua narrativa e até pela impressão de ausência de uma história.

Num bate-papo no Auditório Verde da Fundação Espaço Cultural da Paraíba (FUNESC) com o escritor, iniciei o bate-papo citando trecho de abertura de um comentário do cinéfilo Prof. João Batista B. de Brito, publicado na edição especial do Correio das Artes (suplemento literário de A UNIÃO) em homenagem aos 80 anos de W.J. Solha – onde João Batista faz referência à Bíblia como uma das “obras de ficção” que estimularam no jovem Solha o gosto pela Literatura – perguntei ao escritor o que ele considerava real e ficcional na história oficial, pergunta que ele achou difícil responder observando depois, como outros, que a história oficial é contata pelos vencedores, sendo muito dela forjado por interesses vários daqueles vinculados as muitas instituições culturais que, dos cabarés à Igreja, dita as regras à administração das emoções e desejos das massas.

Entre pérolas do pensamento estético degenerativo de Solha, fundamento estilístico literário de toda narrativa de Arkáditch, como de outros livros do escritor – como em sua página 12, no 5º parágrafo, quando Zé Medeiros reconhece ser natural que uma mulher não lhe peste mais atenções, uma vez que suas mãos “já apresentam as mesmas manchas que nas bananas significa Não coma!” (e aqui lembro não apreciar os recursos gráficos usados por Solha para destacar certas passagens de seus textos, como caracteres em itálico ou o sublinhado de “Não coma” na citação acima) – há outros dizeres dignos de referências, como:

“Não é com tabefe no seu pedagogo que você vai ser algum dia um feliz repressor” (na pág. 33). Ou o diálogo sobre a importância das artes e dos artistas entre Drica e Zé Medeiros:

“... o descontentamento com o próprio trabalho é que faz o artista se superar sempre!... (...)

“- Você mesmo sempre disse que em nossa passagem pela Terra temos de ser parte do passo adiante que o homem tem que dar no nosso tempo, e não estou fazendo isso. (...)

“- Por isso a arte, para mim – por coincidência ou não – passou a me parecer uma atividade superada, e não é de hoje. (...)

“– E mais, - Zé Medeiros enfatiza – tudo fica menor ante uma revista de Batman de milhões de matizes, feita num Macintosh!”.

Entre muitas e muitas referências, W.J. Solha cita os escritos do mexicano Octávio Paz que, também um personagem da história universal da angústia (não a de Solha, mas a comum a todos), confessara:

“O meu pecado é ser pouco! Trata-se de insuficiência original”.

Mas nem o mundo e nem a História fazem-se em um dia, nem é possível contar tudo o que acontece num dia em um único livro.

Dessa forma, poderia multiplicar aqui infinitamente a superação do número de páginas de Arkáditch para ainda escrever o comentário que me instiga seu título, por exemplo, ou uma dos milhares de palavras de seu texto, uma de suas frases, de seus parágrafos ou de uma de suas 221 páginas.

Porém, penso ser melhor parar por aqui.

Porque às vezes sinto a Literatura como também reconheceu o narrador de Arkáditch ser a vida: “um filme de arte complicado, comprido e chato pra burro”.