A velhice

"Do tratamento que as comunidades primitivas davam aos idosos até conquistas e problemas atuais, Simone de Beauvoir propõe uma mudança radical na sociedade, de forma a desmistificar os preconceitos que cercam a velhice."

A filosofa francesa, Simone de Beauvoir refletiu de maneira contundente, sobre a velhice em sua sociedade para romper o silêncio que envolve essa dura fase da vida. “Todo mundo sabe: a condição dos velhos é, hoje em dia, escandalosa”, sentencia Simone em sua obra colossal A velhice (La Vieillesse, 1970) de 680 páginas, verdadeiro tratado, escrito aos 62 anos.

Para muitos, idoso é uma pessoa considerada de terceira idade. A Organização Mundial da Saúde (OMS) classifica como idosos as pessoas com mais de 65 anos de em países desenvolvidos e com mais de 60 anos em países em desenvolvimento. Será que essa essa explicação é suficiente? Quais são as limitações de abordagens desse tipo ?

Indo além, Simone faz uma vasta análise a partir de como as ciências e suas especializações encaram e tratam esse grupo, fazendo observações pertinentes sobre áreas disciplinares como medicina, geriátrica, gerontologia, psicologia, sociologia, antropologia, economia e história. Seu ensaio aborda questões que envolvem aspectos como: rejeição, ressentimento, aceitação, solidão, desemprego, sofrimento e a busca da alegria de viver.

Como a pesquisa antropológica tem demonstrado, cada sociedade divide a duração da vida em um determinado número de etapas inseridas na cultura. A autora demonstra que a velhice não pode ser meramente reduzida a uma questão biológica ou comportamentalista. Simone afirma que “A velhice não é um fato estático; é o resultado e o prolongamento de um processo. Em que consiste este processo? Em outras palavras, o que é envelhecer? Esta ideia está ligada à ideia de mudança. Mas a vida do embrião, do recém-nascido, da criança, é uma mudança contínua. Caberia concluir daí, como fizeram alguns, que nossa existência é uma morte lenta? É evidente que não. Semelhante paradoxo desconhece a verdade essencial da vida: ela é um sistema instável no qual se perde e se reconquista o equilíbrio a cada instante; a inércia é que é o sinônimo de morte. A lei da vida é mudar” (1970: p. 17).

Como a concepção de Simone de que não se nasce mulher, torna-se mulher; a velhice é compreendida pela autora não num sentido essencializado, mas como uma construção social, constantemente alterada e ressignificada através dos tempos em cada cultura.

Simone afirma: “Velho é sempre o outro”. Muitas vezes quando o corpo revela uma velhice não esperada, passa a ser encarado pela sociedade como uma espécie de caixa de pandora, como se determinados segredos que as pessoas ignoram ou temem começassem a ser revelados. O sujeito, que envelhece sabe que aquela imagem pertence a sua pessoa, mas passam a ter certo estranhamento, como se a imagem fosse de outro ser. O ato de envelhecer, embora seja constantemente negado e combatido, faz parte de um processo irreversível que afirma nossa finitude diante da vida.

Simone desfere uma feroz crítica à violência e abuso contra os velhos na sociedade capitalista, não só na França como em outros países. Ao longo do ensaio é constante a descrição de idosos que são infantilizados; encarados como obsoletos; abandonados em asilos que não possuem as mínimas condições para acolhê-los. Além disso, afirma que esse grupo deve articular-se, saindo de sua condição de vítima, para dar algum tipo de resposta a hipocrisia predominante na sociedade contra os velhos.

Conforme a autora constatava na época, ficar velho no sistema capitalista nem sempre está vinculado à ser valorizado devido a sua sabedoria e experiência. Frequentemente, está relacionado a a fazer parte da população economicamente inativa, assim como a perda de papéis parentais e de laços sociais, embora isso ocorra de forma relativa, dependendo da etnia, idade cronológica e classe social. A morte social, tende a ocorrer mais cedo nas classes mais abastadas do que nas classes burguesas, pois essas últimas podem tirar proveito dos seus recursos sociais e econômicos.

Ademais, é inegável que Simone de Beauvoir deixou uma marca profunda na intelectualidade francesa e pelo mundo afora. Essa obra fora amplamente repercutida, ora com aplausos ora com críticas, dependendo da oportunidade e da companhia. Foi alvo de inúmeros ataques de grupos que procuravam preservar e reforçar a situação de desigualdade em seu país. Mas se não fosse ela, nem saberíamos que determinados assuntos eram dignos de tamanha reflexão.

A velhice, ainda hoje, apresenta-se como uma obra de grande relevância, pois nas últimas décadas observou-se um nítido processo de envelhecimento demográfico. A Organização das Nações Unidas (ONU) considera o período de 1975 a 2025 a era dos idosos. Por outro lado, grande parte dos maus tratos, péssimas condições e preconceitos contra os velhos, continuam sendo noticiados cotidianamente nos meios de comunicação em diversos lugares do mundo.

Inã Cândido
Enviado por Inã Cândido em 04/03/2013
Reeditado em 30/11/2017
Código do texto: T4170599
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