Resenha impressionista para "Lobão: 50 anos a mil"

Depois que li "Lobão: 50 anos a mil", passei a respeitar mais o Lobão.

Até então, tudo o que eu conhecia sobre este artista era a versão dada pela mídia. Eu nem era muito fã, pois ele parecia apenas outro cabeludo roqueiro e briguento. Neste livro, (junto com o jornalista Claudio Tognolli, que adiciona uma abordagem documental intercalada aos capítulos de narração) Lobão apresenta a sua própria versão, de maneira lúcida e muito bem escrita, de uma vida realmente 'improvável'.

Adorei a frase de abertura: "Pela lógica dos fatos, eu deveria ter me tornado um bundão." É marcante a percepção de que o livro inteiro revela um dedicado exercício de autoconhecimento, com a aceitação dos seus dramas e a reafirmação de suas opiniões. Esta figura polêmica defendeu, com seu trabalho, o fim do mais-do-mesmo na obra dos artistas e dos rótulos dados pela mídia para a música brasileira na cena musical de toda uma geração. Também mostrou que alguém tido como roqueiro pode fazer música de qualidade de diferentes estilos, e com muito estilo! Um estilo muito próprio.

Tento resumir em tópicos os acontecimentos relatados nas 591 loucas páginas do livro: a infância e adolescência em uma família bem de vida, porém psicologicamente perturbada, a consciência (e frustração) infantil de sua timidez e inaptidão para o futebol e para diversas atividades, a descoberta do dom para a música como baterista-mirim, a dedicação obsessiva para aprender a tocar, os primeiros ensaios, os primeiros shows colegiais, depois as primeiras atuações como profissional, as amizades que o meio artístico lhe proporcionou, as namoradas, as brigas, as polêmicas, os processos judiciais, as prisões por porte de drogas, os períodos de depressão, as injustiças sofridas, os muitos discos, as turnês de shows, o apoio dos fãs, os grandes sucessos, e o sensível destaque às diferentes pessoas que o apoiaram em cada fase da sua carreira... São tantas histórias, tão bem narradas, tão intensas, e tão incríveis, que é como disse o Gessinger sobre a biografia do Slash: "Em duas páginas da vida dele, já aconteceu muito mais coisas, e coisas muito mais loucas, do que na minha vida inteira!".

A polêmica que levantou sobre a 'pirataria institucional' das gravadoras, e a consequente necessidade de numeração dos discos, aliados a sua genial distribuição independente de discos junto com uma revista, demonstraram para mim sua coragem e consciência como artista. Ele venceu essa batalha, e todos ganhamos com isso. Tirei o chapéu para o Lobão! (Não posso deixar de citar que, para esse importante projeto de lei, ele teve apoio de ninguém menos que o então governador do estado Olívio Dutra! E outro ponto positivo e admirável para o Lobão: há muitos anos, a esposa dele, empresária, produtora, patroa e mulher da sua vida para sempre, Regina Lopes, é gaúcha!) :-)

Uma biografia bem pensada, bem escrita, e cheia de episódios marcantes, que transmitem com intensidade o que o autor sentia e pensava na ocasião, narrados de modo a nos levar efetivamente a sentir e a refletir junto com ele sobre a vida tão imprevisível deste artista. Que passei a respeitar como músico, cantor e compositor, e agora também como um talentoso escritor!