ESPÍRITOS DA NATUREZA

OS ESPÍRITOS DA NATUREZA

Pressupostos da teoria

Já vimos que na tradição xamânica, esses arquétipos são tratados como espíritos da natureza, cuja influência pode ser acessada através de preces e rituais apropriados. Aqui, esses espíritos são identificados por quatro funções básicas do nosso sistema neurológico, que são:

A) A função LUTAR, simbolizada pelo Espírito da Luta, o arquétipo lutador, ou Guerreiro.

B) A função CURAR, simbolizada pelo Espírito da Cura, o arquétipo médico, ou Curador.

C) A função CRIAR, simbolizada pelo Espírito das visões, o arquétipo criador, ou Visionário.

D) A função SABER, simbolizada pelo Espírito que aprende e ensina, o arquétipo professor, ou Mestre.

Neste estudo iremos trabalhar com os seguintes pressupostos:

1. Cada arquétipo possui uma característica principal que integra um conjunto de habilidades e virtudes individuais.

2. Cada arquétipo tem uma função principal na estrutura psicossocial do grupo.

3. Cada arquétipo tem aspectos positivos e negativos (aqui chamados de Persona e Sombra.

4. Cada arquétipo comanda um grupo de estados psicológicos internos, que geram comportamentos e é responsável por uma faceta da nossa personalidade.

5. Cada arquétipo pode ser acessado através de rituais apropriados, e suas características podem ser trabalhadas para compormos uma personalidade bem equilibrada, capaz de dar respostas mais eficientes aos desafios da vida.

Antropologia dos arquétipos

De acordo com a concepção que trabalhamos aqui, os comportamentos conhecidos como lutar, curar, criar e saber são os quatro pilares fundamentais das atividades humanas. Eles estão na base do nosso sistema neurológico como resultado de um desenvolvimento que levou milhões de anos para chegar ao estágio em que se encontra hoje.

Lutar

Segundo Goleman, a primeira camada de neurônios a se desenvolver no nosso cérebro foi o tronco cerebral disposto em volta do topo da medula espinhal.

Essa camada é a parte mais primitiva desse órgão e regula funções vitais básicas, como respiração e metabolismo. Preside também reações instintivas, como são aquelas destinadas a ga-rantir a sobrevivência do organismo.

Nesse conjunto de reações primárias estão as funções de ataque e defesa, que são a base do complexo que chamamos de Espírito de Luta.

Todas as espécies possuem essas características. Elas constituem o primeiro estágio de desenvolvimento do cérebro animal. Mas neste primeiro estágio de desenvolvimento cerebral ainda estamos falando do conceito primitivo de luta, que não visa nenhum outro objetivo além de manter o organismo vivo. Não estão ainda adicionados a essa nossa mente primitiva os valores emocionais da luta, que só vão aparecer numa fase mais madura do cérebro, quando a ele se agregou uma segunda camada de neurônios, conhecida como sistema límbico. O sistema límbico é a característica que distingue as espécies mamíferas das demais criaturas que a natureza produziu.

Essa fase primitiva do cérebro é identificada com a Era do Réptil, quando a luta se travava principalmente pela defesa da vida e da sobrevivência da espécie. Nesse estágio reptiliano do cérebro, as primeiras emoções estavam ligadas ao sentido do olfato, cujo centro é o lobo olfativo. Esse sentido, no dizer de Goleman, tem uma “assinatura molecular distintiva que o vento transporta” permitindo a recepção de informações através do aroma. Através desse equipamento sensorial, foi possível identificar os alimentos, o parceiro, o momento propício para a procriação, as situações de perigo, etc.

A esse centro primitivo de emoções, com o passar dos tempos, somou-se uma nova camada, identificada como sistema límbico. Ela adicionou ao cérebro a capacidade de recepcionar e analisar informações sensitivas. Essa conquista biológica coincide com o aparecimento das espécies mamíferas. E à medida que essa capacidade ia sendo exercida, o cérebro foi também se aperfeiçoando e adicionando novas camadas neurais que acrescentaram outras habilidades ás já existentes.

Foi assim que adquirimos as duas mais importantes ferramentas do nosso cérebro, que são a capacidade de armazenar informação e processá-las, transformando-as em aprendizagem. Foram essas duas ferramentas – aprendizagem e memória –. que permitiram ao homem dar o salto qualitativo que o transformou em um organismo capaz de adquirir habilidades e aperfeiçoá-las constantemente, na busca de resultados sempre mais satisfatórios.

Esse salto qualitativo ocorreu quando o cérebro incorporou uma nova camada neural, conhecida hoje como neocortéx. Essa camada acrescentou ao já distintivo cérebro dos mamíferos tudo aquilo que fez do homem uma novidade entre as centenas de espécies que a natureza engendrou.

O que distingue o homem das demais espécies animais é o fato de ele ter capacidade de perceber as próprias percepções. Quer dizer, ele é capaz de pensar e compreender os próprios pensamentos. E com isso pode criar valores, desenvolver crenças e assumir uma personalidade individual; e a partir da capacidade de abstração e compreensão dos seus sentimentos, ele conseguiu ascender a um nível psíquico superior, que transcende a própria realidade material do mundo físico e o faz entrar no mundo sutil das realidades espirituais. Assim, a partir da simples função defensiva de ataque e defesa, a cefalização progressiva do cérebro humano engendrou uma “entidade” que passou a gerir um conjunto de estados psicológicos internos, gerador de comportamentos e responsável por uma parte importante da personalidade humana. Essa entidade é o que chamamos de Espírito Guerreiro, arquétipo que comanda a nossa capacidade de defesa e ataque, mas também os nossos desejos de conquista, de vitórias, e de superação dos obstáculos que a vida nos coloca.

Curar

A capacidade de curar a si mesmo é própria de todas as espécies que a natureza engendrou. Provém da uma propriedade do organismo, conhecida como homeóstase, que é comum a toda criação da natureza. Revela-se pela capacidade que os organismos têm para curar-se de seus ferimentos, repor células mortas e recuperar a energia gasta no esforço diário da luta pela sobrevivência.

Mas da mesma forma que no Espírito de luta, há nessa capacidade orgânica natural, alguns padrões distintivos de qualidade que diferem á medida que o cérebro vai se sofisticando e acrescentando as camadas neurais que fazem a diferença entre as espécies. No mundo animal é possível observar as diferentes capacidades que as espécies têm de resistir á ferimentos e moléstias, bem como de recuperar-se delas. Certas espécies de répteis, como as lagartixas, por exemplo, conseguem reconstituir até mesmo pedaços destruídos do próprio corpo; e no nosso próprio organismo, órgãos como o fígado também possuem essa propriedade.

A capacidade de cura do próprio organismo também se modifica á medida que o cérebro se desenvolve. A cura física, no homem, com seu cérebro altamente sofisticado, incorpora elementos de sutileza que nas demais espécies não são observáveis. A partir do momento em que o homem tornou-se corpo e mente, a sua capacidade de homeóstase passou a depender também, e mais até que dos processos químicos e físicos do organismo, da sua maneira de pensar e viver.

Dessa forma, aquilo que nas demais espécies animais é natural, no homem passou a ser um elemento controlado e dependente de outros fatores, além daqueles que normalmente o organismo já possui. Destarte, assume vital importância para a manutenção da saúde física e mental conhecer e saber trabalhar com o nosso arquétipo Curador. Pois nele está a capacidade de cura e resistência a todos os desgastes que a dura tarefa de sobreviver nesta autêntica selva, que é a vida moderna, nos submete.

Acresça-se a isso o fato de o homem viver em sociedade. Podermos dizer que a sociedade é a projeção coletiva do organismo humano. E como organismo, a própria sociedade, em determinado momento, quando submetida a certas condições, adoece. Daí a necessidade de se desenvolver também, entre as capacidades humanas, aquela que se destina a curar o organismo social nesses momentos de desequilíbrio. Essa é outra função do arquétipo Curador, que se manifesta no seres humanos que se destacam como líderes naturais, porque deles partem as ações de saneamento que o grupo à vezes necessita para operar com verdadeira saúde física e ambiental.

Criar

É certo que os animais também sonham. Pesquisas conduzidas por cientistas de renome já demonstraram essa capacidade em cães, gatos e outros animais. Mas a natureza dos seus sonhos não são, de certo, a mesma que o ser humano tem. Sonhos são atividades do inconsciente, que se manifestam desordenadamente, quando a consciência não está exercendo a sua função de policial das nossas atividades mentais.

Sonhos são produtos mentais, tanto quanto os pensamentos ordenados que a mente consciente elabora. Neles estão contidos partes importantes da informação que a mente omitiu, cancelou ou generalizou, quando a processou e transformou no resumo que foi transposto para a consciência como sabedoria, ou no dizer da PNL, “programa de comportamento”.

Uma das funções do nosso arquétipo Visionário é, pois, recuperar, de forma sistemática e segura, as parcelas de informação que estão ocultas no nosso subconsciente. Nelas pode estar a solução que não encontramos no nosso cabedal de conhecimentos organizados, que constitui a nossa “sabedoria”.

Sonhar não se refere á atividade onírica que a mente desenvolve quando dormimos. Aqui, trata-se de um processo criativo e útil, que pode fornecer uma ferramenta de extraordinária utilidade para nos ajudar a produzir respostas eficientes aos problemas que a vida nos coloca. É, na essência, o poder criador que se manifesta, tirando do inconsciente coletivo da humanidade, informações que normalmente não afloram á nossa razão.

Todo indivíduo criativo é também um sonhador contumaz. Ele é Visionário por natureza e seus sonhos geralmente assustam os demais. Mas são justamente esses sonhos que o levam a se distinguir no grupo. Por que ele não se contenta com o lugar comum, com a padronização dos processos mentais, a conformidade e as limitações que a rotina, a cristalização e a limitação que os manuais de procedimentos costumam trazer. O arquétipo Visionário quer romper limites, explorar alternativas novas, buscar outros caminhos. Por isso ele é o Senhor das Visões, o Espírito da Criação.

Saber

Saber, aqui não é dado no sentido de erudição, conhecimento, preparo intelectual, mas sim como uma capacidade inata da pessoa que sabe organizar a informação e usá-la com inteligência para dar qualidade às suas ações. É uma habilidade da mente, que se torna um padrão de comportamento nas pessoas que se tornam guias e mentores da humanidade.

Aliás, não é preciso uma grande erudição, nem se submeter a um profundo programa de estudos para se tornar um grande Mestre. O maior de todos eles, Jesus Cristo, era um camponês que ganhava a vida como operário de carpintaria. Consta também que Maomé, o líder que fundou a religião muçulmana, nem ler sabia. Luis Inácio Lula da Silva, ex-presidente do Brasil, foi muito criticado pela sua falta de cultura acadêmica, mas deixou o poder como o mais popular e bem avaliado mandatário que o país já teve em seus anos de república. Cultura acadêmica é importante, mas não é a principal entre as qualidades do Mestre.

A antropologia cerebral do arquétipo Mestre pode ser identificada a partir do momento em que o cérebro incorporou em sua estrutura a camada do neocórtex. Foi essa camada neural, como vimos, que organizou as experiências vividas pelo organismo e acrescentou á atividade mental que as registra um valor, uma avaliação, um julgamento; e a partir dessas propriedades, desenvolveu a capacidade de gerar respostas inteligentes e padronizadas, como são as nossas habilidades e hábitos.

Isso é o que se entende aqui por Saber. Saber é escolher, entre os comportamentos postos à nossa disposição, a resposta mais apropriada aos desafios que a vida nos coloca;

Saber é analisar essas propostas à luz das necessidades do organismo e da felicidade do grupo em que ele está integrado;

Saber é aprender com tudo que nos acontece, e dessas experiências filtrar os melhores modelos comportamentais para transmitir aos nossos descendentes e aos que estão sob a nossa liderança.

Essa é a função do arquétipo Mestre na vida das pessoas e dos grupos; e o seu desempenho eficiente faz do individuo que assim o utiliza, um guia para a sociedade. Esse arquétipo não se desenvolve apenas pelo estudo sistemático das experiências registradas pelo ser humano, experiências essas que nos são transmitidas pela aprendizagem convencional. Por que esta, por ser codificada através da linguagem de superfície, acaba sendo uma aprendizagem muito defasada. Disso sucede que as nossas experiências precisam, muitas vezes, ser remontadas a partir da informação registrada no inconsciente, pois é nele que ela depositada está em toda sua integridade.

Depois, é nele também, que está a raiz da nossa ligação com a natureza, que é a fonte de onde emana a verdadeira Sabedoria. Ao desenvolvermos esse arquétipo estamos proporcionando a nós mesmos uma religação com essa que é a mãe de todas as nossas propriedades orgânicas e mestra das nossas faculdades intelectuais.

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DO LIVRO "CÓDIGOS DA VIDA"- CLUBE DOS AUTORES- 2011

João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 20/05/2013
Código do texto: T4299912
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