Resenha crítica do livro Reinações de Narizinho – vol. 1

Reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato, criada em 1931, é uma excelente obra infanto-juvenil, com 168 páginas e 11 capítulos. Nos dois primeiros, Narizinho Arrebitado e O Sítio do Picapau Amarelo, conhecemos personagens fixos do sítio, que entusiasmam a todos os leitores, principalmente as crianças, devido às características que apresentam.

Nele, a aventura gira em torno da aventura de Narizinho, que visita o Reino das Águas Claras, tendo a fantasia inserida em sua realidade. Trata-se de sequências inteligentes, que abrigam uma linguagem coloquial, compatível com os personagens envolvidos em seu enredo e conseguem, de forma sutil, expor relações e questões humanas e sociais complexas.

Conhecemos, de imediato, Lúcia, chamada por todos de Narizinho, menina de sete anos, de nariz arrebitado e neta de Dona Benta, avó ideal, que conta histórias à menina e também sabe ouvir a neta. Mora com as duas tia Nastácia, descrita como a “negra de estimação” da casa, tem mania de falar “Credo!” e apesar de sua posição hierárquica inferior na casa é bem tratada por todos. Foi ela quem fez Emília, boneca de pano desajeitada e amada de Narizinho, que antes de dormir a deixa numa redinha entre dois pés de cadeira.

Neste sentido, percebe-se que Narizinho e as personagens que com ela convivem ganham rápida aprovação das crianças, que como Narizinho querem alguém para lhes contar histórias e ouvi-las, como faz Dona Benta, sempre têm seu brinquedo predileto, no caso de Narizinho, Emília, e alguém para lhes agradar (para a menina, Nastácia, que fez sua boneca Emília). Em contrapartida, também nota-se a presença do preconceito racial voltado ao negro, pois tia Nastácia é descrita como “negra de estimação”.

A garota Narizinho, que vai todos os dias ao ribeirão dos fundos do pomar dar farelo de pão aos lambaris, inicia sua aventura em um desses momentos. Certo dia, é surpreendida no local por um peixe que sai do ribeirão, convidando-a para ir ao seu reino, o Reino das Águas Claras. A garota então aceita o convite e para lá vão ela e Emília.

Quando chegam, conhecem inúmeros bichos e fazem amigos. Conhecem Parochinha, barata que detesta a menina, pois ouviu dizerem que seus personagens, entre os quais o Pequeno Polegar, estavam sumindo de seu livro na esperança de encontrarem uma tal de Narizinho, que é mesmo Lúcia, e o Dr. Caramujo, quem faz Emília falar dando a ela uma pílula com fala. Narizinho então descobre uma boneca teimosa e tagarela – representando alguém de personalidade forte – que ainda não articula bem as palavras, mas que rejeita qualquer correção. Quando Narizinho a corrige falando “Polegar” quando a ouve falar “Polegada”, a boneca retoma a palavra, separando-a em sílabas: PO-LE-GA-DA!

Apesar de entusiasmadas e contentes com a viagem, logo as inseparáveis Narizinho e Emília voltaram ao sítio. Ouvindo o chamado da negra Nastácia, Narizinho, na mesma hora, lembra de seu retorno. Vai para casa com Emília, que inicialmente parece tímida, mas depois volta a tagarelar. Presenciando uma boneca falar, Dona Benta fica atônita e ao mesmo tempo admirada; chamou tia Nastácia, que assustada bradou: “Fala que nem uma gente! Credo! O mundo está perdido...” Daí em diante, havia outra ouvinte para as histórias que Dona Benta contava e, como era de novo tempo das jabuticabas, Narizinho todos os dias subia nas jabuticabeiras e levava a tagarela Emília, deixando-a lá embaixo. Nesse momento entra Rabicó, porco guloso do sítio, que ganhava algumas jabuticabas da menina.

Mas não tardou muito, e Narizinho e Emília voltaram para o reino, dessa vez acompanhada de Rabicó, que também era “humanizado”. A convite da abelha rainha do Reino das Águas Claras, vão para o palácio das abelhas. Rabicó acaba não chegando porque foge após um “quase assalto” de Tom Mix, que representa a figura do bandido, mas que apesar disso era mentalmente burro. As meninas, apavoradas e sem mais tempo para fugir, enfrentaram-no, e se deram bem, conseguindo trapaceá-lo com um falso ouro-macela da perna de Emília. Prosseguiram e, chegando ao palácio, conheceram abelhas bondosas e a rainha delas, que deixa uma mensagem marcante à Emília.

Chegando ao palácio das abelhas, Emília indignou-se com a harmonia e igualdade entre as abelhas. Ela pergunta à rainha quem de fato mandava no local, a abelha responde dizendo que onde vivem não existe governo, pois cada qual nasce com o governo dentro de si, e afirma, ainda, que não são como os humanos, egoístas. O trecho, claramente, mostra uma forte crítica à organização social e ao comportamento humano, visto que vivemos em uma hierarquia, na qual há aqueles que mandam e aqueles que obedecem, e entre tais pessoas concentra-se o egoísmo, pois cada um pensa apenas na sua função, no duplo sentido da palavra, ou seja, cada um se importa apenas consigo mesmo, em sua vida pessoal e profissional. Nós, portanto, agimos inversamente às abelhas.

Resumindo, nos capítulos mencionados de Reinações de Narizinho percebe-se que a obra trabalha com a imaginação do leitor de forma agradável e clara, possui bons personagens e ainda aborda com criatividade relações e questões humanas e sociais (envolvimento dos personagens, preconceito racial, organização da sociedade). Assim, Reinações de Narizinho resume-se a uma excelente obra, indicada para qualquer público.