Prefácio de Leonardo Boff no livro Ensinar numa perspectiva humanística. Coleção Ensinantes do presente Volume IV

Prefácio
Leonardo Boff
João Beauclair se tornou conhecido nos meios educacionais por projetar uma educação profundamente humanista na esteira do legado de Paulo Freire e dos melhores resultados da Psicopedagogia.
O presente livro – o quarto da coleção Ensinantes do presente – Ensinar numa perspectiva humanística, dá mostra desta sua preocupação. Para ele a escola é muito mais que seu aparato institucional, material e metodológico. É o lugar onde pessoas se encontram, convivem, se falam, se escutam, juntas aprendem, tecem laços de amizade e aprendem a conviver com todo tipo de diferenças sociais, étnicas, religiosas e de gênero.
Dai sua preocupação pelo Humanismo, pois é disso que na Educação, finalmente, se trata: como criar as condições para que de cada aprendente e ensinante construa sua humanidade e plasme seu destino na comunidade dos humanos.
Todos nascemos inteiros. Mas não estamos prontos. Precisamos de uma vida inteira para ficarmos relativamente prontos, vale dizer, transformarmo-nos no que somos: seres humanos, plenamente humanos. A família e a escola são as portas de entrada deste processo de auto-construção que se continua em todas as dimensões da existência na sociedade e no mundo.
Por isso a escola humanista não tolera paredes. Tudo na vida e na sociedade é desafio para se humanizar e tratar humanamente a todos os humanos, princípio primeiro de uma ética humanitária. Sim, tratar humanamente a cada ser humano.

Esse imperativo hoje é seguramente o mais violado, pois vivemos tempos de desumanidade e de barbárie como raramente na História. Dai a urgência de Humanidade como eixo estruturador da Educação. Esta pretende mais que repassar informações acumuladas pelas experiências dos povos de todos os tempos. Ela quer formar o ser humano, crítico, emancipado e cuidante. Esta diligência possui um inegável valor ético, estético e espiritual.
Pois é tudo isso que encontramos, exposto de forma suave e poética, neste livro. O autor, além de educador, psicopedagogo, palestrante em muitos eventos nos quais várias vezes nos encontramos, é também fino poeta.
Possui sensibilidade pelas mensagens que nos vêm de todos os lados do real, seja da natureza seja da condição humana. A poesia sempre recria o mundo e lhe descobre conexões novas e surpreendentes. Ninguém é melhor apetrechado para ser um educador humanista do que um poeta. É o caso convincente de João Beauclair.
Seu livro, surpreendentemente, ganha especial atualidade.
A conjunção das várias crises que se tornaram visíveis por ocasião da eclosão da crise econômico-financeira a partir de 15 de setembro de 2008, a crise climática, alimentar, energética, esta conjunção revelou que todas elas são interdependentes.
As diferentes crises possuem um denominador comum: a insustentabilidade do paradigma dominante e globalizado, assentado sobre a vontade de poder, de acumular e de desfrutar a preço de devastar a natureza, de criar perversas desigualdades sociais e de desconsiderar totalmente a solidariedade com as gerações presentes e com as futuras.
Criou-se a cultura do capital construída sobre valores meramente materiais que condicionam as relações sociais que se tornaram “coisificadas”, funcionais e fluidas. Ela exacerbou o uso da razão instrumental-analítica a preço de recalcar e até negar a inteligência cordial, emocional e sensível criando espaço para que surgisse um sociedade mercantil que de tudo faz mercadoria.
Este paradigma, ao que parece, encontrou sua última fronteira, deparou-se com o seu limite, pois ele encostou nos limites da Terra. Já passamos em 30% da capacidade da Terra de repor seus recursos, de sorte que desapareceram as condições infraestruturais e ecológicas para a reprodução mercantil do capital.
A grande questão não é como salvar o sistema, dando-lhe um colorido mais verde ou submetido a mais regulações e controles. A questão maior é como resolver os problemas da humanidade e garantir a sustentabilidade do planeta Terra.
Impõe-se uma alternativa revolucionária e mais radicalmente humanística. Exauridos os valores finitos temos que cultivar os infinitos como é o amor, a amizade, a compaixão e a veneração, todos eles fruto de uma educação radicalmente humanística.
É neste contexto que a proposta humanística de Beauclair ganha contemporaneidade e urgência. A premissa básica é conferir centralidade à vida humana, a toda a comunidade de vida e à Terra, entendida como viva e geradora de toda a diversidade de vidas. Importa passar de uma cultura dos meios em razão da criação de riqueza para poucos para uma cultura dos fins que é o bem viver de todos; a convivência pacífica, a realização mais ampla possível da democracia sem fim estendida a todos.
Dispomos dos meios técnico-científicos e financeiros para construirmos uma existência afetiva e prática emancipada, na qual todos se possam sentir humanos, incluídos, cidadãos e irmãos e irmãs uns dos outros. Mas falta-nos a sensibilidade e a “logique du coeur’ que nos mobilizaria para esta decisão, fundadora de um novo padrão civilizatório.
Mas esta é a meta final da perspectiva humanística em Educação. Não alcançaremos este propósito se não completarmos a razão científica-técnica com a razão cordial e sensível, aquela que elabora o mundo das excelências, os valores éticos e estéticos, tão bem delineados no livro de Beauclair, e o sentido de nossas existências nesta Terra.
Então o ser humano se abre a uma razão ainda mais alta, à razão espiritual que o faz sentir-se um projeto infinito, ancorado numa Realidade que ultrapassa o espaço e o tempo e que alcança o eterno.
Se não construirmos este humanismo envelheceremos mais uma geração sem a certeza de termos o tempo suficiente e a sabedoria necessária para corrigir nossa rota e inaugurarmos um destino mais alto e melhor para a humanidade.
Este livro é um convite para esta coragem e ousadia e por isso merece ser estudado e discutido nas escolas por aprendentes e ensinantes. Desejo ao amigo João Beauclair determinação para continuar nesta linha humanística, que, como afirmei acima, é de extrema urgência e aos leitores, proveitosas reflexões.


Petrópolis.
Leonardo Boff.
Leonardo Boff é ex-professor de Teologia, de Ética e Escritor.
www.leonardoboff.com.br
Leonardo Boff
Enviado por Joao Beauclair em 25/03/2014
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