Transitando por Simak





TRANSITANDO POR SIMAK
Miguel Carqueija


Tendo sido um dos mais prolixos e melhores autores norte-americanos de ficção científica do século passado, Clifford D. Simak era dono de um estilo único, aliciante, geralmente focalizando um indivíduo com virtudes e fraquezas, envolvido porém em algum assunto que se vai revelando cada vez mais extraordinário. Acompanhando passo a passo esse personagem o leitor vai sendo levado em vertigem, ansioso por alcançar a solução. As implicações do problema, aliás, envolvem toda a humanidade e mesmo outras raças.
“Estação de trânsito” (“Way station” no original) saiu em Portugal (creio ser romance inédito no Brasil) curiosamente numa coleção policial, a famosa “Vampiro” da Editora Livros do Brasil; acabou porém sendo incluído, encaixado, na Coleção Argonauta, de ficção científica, como o número 130-A — único livro da Argonauta com esse tipo de numeração — sendo o número 130, “Império submarino” de Paul W. Fairman.
Enoch Wallace é uma anomalia no mundo moderno, e que começa a chamar a atenção do governo norte-americano. Nascido em 1840, lutou na Guerra Civil e ainda está vivo em 1964 — ano que ainda era futuro ao tempo em que o livro foi escrito. Mora numa região agreste do Wisconsin — aliás, Simak aprecia colocar ambientes bucólicos nos seus romances. O agente Claude Lewis sente que deve investigar Wallace, descobrir o mistério desse homem. Assim tem início uma história que nos levará longe, muito longe, numa perspectiva cósmica, galáctica...
Simak, aliás — mesmo em seus tempos mais materialistas — tem sempre um viés místico, transcendente. Em “Estação de trânsito” isto se manifesta através da rapariga Lucy, uma muda sensitiva, que tem afinidade com o talismã da Galáxia — um objeto mágico de importância fundamental na trama. Lucy é a silenciosa iluminada da história, predestinada a uma imensa missão. Sobre ela Wallace reflete:
“Como estaria Lucy?”, pensou, tendo, no entanto, a convicção de que tudo corria bem. Com ela tudo correria bem estivesse onde estivesse.”
A perspectiva descortinada por Simak é inimaginável. A Via Láctea pulsa de vida, e vida inteligente dos mais variados formatos e aptidões. Nações cósmicas que interagem numa verdadeira comunidade galáctica e que viajam sem naves espaciais, utilizando o teleporte e as “estações de trânsito” para retransmissão devido às imensas distâncias; uma delas se encontra na Terra sendo Wallace o seu zelador. E por isso ele parece não envelhecer; só envelhece de fato quando fora da estação, a sua casa onde não recebe ninguém da Terra, mas só os viajantes alienígenas.
Todavia, problemas na política galaxial poderão descredenciar a Terra como hospedeira de uma estação de trânsito, o que retardaria terrivelmente o ingresso de nosso planeta na comunidade galáctica.
Simak como de hábito desenvolve soluções surpreendentes para os insólitos problemas engendrados.
O próprio protagonista, sem querer, representa um problema e não só para o policial. O editor do jornal “Nature”, intrigado, escreve-lhe uma carta:
“(...) Talvez lhe interesse saber que o senhor é o nosso mais antigo assinante. O seu nome figura na nossa lista de assinantes há mais de oitenta anos.
Embora tenha a consciência de que isso não me diz propriamente respeito, gostaria de saber se foi o senhor, pessoalmente, quem assinou a nossa publicação durante todo este tempo, ou se é possível ter sido o seu pai ou alguém da sua família o assinante inicial, tendo o senhor, simplesmente, deixado que a assinatura continuasse em nome dele.”
É lógico, quem se torna diferente por algum motivo torna-se também alvo de curiosidade ou quiçá de hostilidade. A solidão, de resto, é uma constante nas obras admiráveis de Clifford D. Simak. E magistralmente retratada.


imagem do livro