Reencontrando Anaïs Nin

Sentada diante do meu armário-biblioteca, esperava que algum daqueles velhos amigos livros me chamasse atenção e resolvesse o meu crucial problema de não saber o que ler. Eu estava em um daqueles momentos em que a gente precisa de colo de livro, sabe? Queria reencontrar algum amigo de longa data, trocar idéias, me inspirar um pouco, para então seguir viagem em meio aos tantos outros livros que estão sempre à espera.

Já havia levado a minha carência para passear pela maior parte daqueles queridos volumes dos mais diferentes gêneros, quando um livro fininho, de capa alaranjada me chamou a atenção. Peguei-o. Era “Em busca de um homem sensível”, de Anaïs Nin (editora Braziliense) e, por mais que eu revirasse a minha memória (que, sem falsa modéstia, é bem razoável principalmente no que se refere a livros) não conseguia me lembrar de já tê-lo visto antes. Mais surpresa fiquei quando vi que o livro era mesmo meu – estava com algumas marcações minhas, a lápis, nas primeiras páginas.

Era bem coisa daquela turma do armário-biblioteca mesmo...Conhecendo-me bem, eles perceberam que o melhor remédio para curar meu bode era acender minha curiosidade. E para isso, os danados escolheram essa querida dama francesa, em uma obra da qual eu não lembrava e que, com certeza, não havia chegado a ler toda.

Pois bem, passado o espanto, veio o prazer de reencontrar Anaïs Nin, uma autora que sempre me instigou por sua obra e por sua vida, ambas, uma declaração de coragem feminina. Conheci Anaïs por sua obra erótica (“Delta de Vênus”) e daí segui para “Henry & June” e mais alguns diários. Mas isso foi há muito tempo e por isso me encantei por descobrir “Em busca de um homem sensível”, uma coletânea de textos, escritos em sua maioria no início dos anos 70.

Nesse pequeno volume, uma Anaïs Nin já entrando em seus 70 anos e ainda em ótima forma, aproveita diversas oportunidades – conferências, entrevistas, artigos e prefácios de livros – para abordar assuntos como o posicionamento da mulher na sociedade, o amor pela arte de escrever, opiniões sobre livros e lugares que conheceu.

Ao final da leitura, eu havia encontrado na intensidade de Anaïs o que nem sabia ter ido procurar no meu precioso armário-biblioteca: um sopro de vitalidade, que reafirmou meu amor pela escrita, pela leitura e minhas convicções na importância de reforçarmos a busca de um feminino mais maduro.

Desse meu feliz encontro, selecionei trechos do pensamento de Anaïs Nin que considerei particularmente interessantes. Com alguns eu concordo e me identifico totalmente, outros ainda estão na minha cabeça, sendo questionados e fermentando novas idéias. Confiram, abaixo:

Sobre a arte de escrever:

“Por que as pessoas escrevem? Já me fiz tantas vezes esta pergunta que hoje posso respondê-la com a maior facilidade. Elas escrevem para criar um mundo no qual possam viver. Nunca consegui viver nos mundos que me foram oferecidos: o dos meus pais, o mundo da guerra, o da política. Tive de criar o meu, como se cria um determinado clima, um país, uma atmosfera onde eu pudesse respirar, dominar e me recriar a cada vez que a vida me destruísse. Esta é a razão de toda obra de arte”

"(...) Escrevemos para aprender a falar com os outros, para testemunhar nossa viagem no labirinto. Para abrir, expandir nosso mundo quando nos sentimos sufocados, oprimidos ou abandonados. Escrevemos como os pássaros cantam, como os primitivos dançam seus rituais. Se você não respira quando escreve, não grita, não canta, então não escreva porque sua literatura será inútil. Quando não escrevo meu universo se reduz; sinto-me numa prisão. Perco minha chama, minhas cores. Escrever deve ser uma necessidade, como o mar precisa das tempestades - é a isto que eu chamo respirar".

Sobre a “mulher do futuro” – em uma conferência apresentada em 1974:

“A mulher do futuro, que já começa a surgir, será completamente livre de toda culpabilidade diante da criação e do desenvolvimento da sua personalidade. Ela viverá em harmonia com sua própria força, sem passar por masculinizada, excêntrica ou antinatural. Imagino-a muito segura de sua força e de sua serenidade; ela saberá se dirigir aos homens e às crianças, que às vezes a temerão.”

Respondendo a uma pergunta sobre a dificuldade de ler a obra de escritoras como Sylvia Plath e Joan Didion, em uma conferência, em 1972:

“Talvez você seja como eu e não se interesse por escritoras que tratam apenas do desespero, da destruição, da falta de esperança. Não estou me referindo aqui ao valor literário. Foi por isto que não quis ler o livro de Simone de Beauvoir sobre a velhice. Para mim, ela admitiu a noção cronológica de idade, enquanto eu acho que em matéria de idade não há generalização possível. A idade também é um fenômeno psicológico. Certas pessoas, lêem para confirmar o seu próprio desespero. Outras para se curar.”

Ana Rodrigues
Enviado por Ana Rodrigues em 12/09/2005
Código do texto: T49836