Uma ficção científica aristocrática: "O diálogo dos mundos"

Miguel Carqueija



Autor: Rubens Teixeira Scavone. Ficção Científica GRD, volume X, Edições GRD, São Paulo, 1961. Capa: fotomontagem do autor.


Este livro, representante de uma época da FCB que deixou saudades, é uma coletânea de contos que oscilam entre a ficção científica “hard” ou técnica e “soft” ou humanista. O autor é reconhecido como um dos mais importantes do gênero no Brasil, tendo deixado obra considerável.
Não me agradou muito o prefácio de José Geraldo Vieira, que me pareceu um tanto pernóstico e irrelevante. Também não entendi porque Rubens abra cada conto com uma citação de Walt Whitman, sem fazer a tradução do inglês.
O primeiro trabalho é a noveleta que dá título ao volume. Scavone narra lenta e detalhadamente uma história de vaidade, ambição, mediocridade e decepção, com razoável dose de jargão científico. A situação não é o que parece — o que talvez seja dizer demais, numa época em que tanto se reclama dos “spoilers”. O personagem principal, o Professor John Stanley, chefia um radiotelescópio no norte dos Estados Unidos, onde se supõe estarem chegando mensagens vindas de um planeta desconhecido situado no sistema da estrela Tau. Diga-se de passagem, à época em que a história foi escrita essa estrela (Tau de Ceti) estava mesmo sendo visada por radioastrônomos.
O texto é sóbrio e paulatino, nada semelhante a uma “space opera”. É preciso um pouco de paciência e a anedota final, embora marcante, talvez não compense a leitura de um texto bem escrito mas algo cansativo.

“O fim da aventura” — Outra história intimista e minimalista, e com outra surpresa final, semelhante à do primeiro texto. Aqui, vou até dizer: um grupo de cosmonautas, que visitavam diversos astros, enfrentaram grandes riscos em seus périplos cósmicos, acabaram morrendo tragicamente. Como? Simplesmente pousaram aqui na Terra, aparentemente sem perceber que haviam voltado ao seu próprio mundo, desceram na selva da Nova Guiné e foram trucidados pelos nativos.
Apesar da boa narração é um pouco inverossímil que os astronautas não soubessem onde estavam, e também não entendi porque os personagens não têm nome: são apenas o Piloto, o Astrogador, o Biólogo, o Psicólogo, o Botânico, o Comandante e o Engenheiro. E até no diário do Comandante não há referência aos nomes dos companheiros. Ora, por que isso? E por que eles são chamados, no início do conto, de “heróis anônimos”? Como poderiam ser anônimos?

“Número transcendental” — Outro conto irônico, onde um homem que pode ou não ser demente experimenta um “contato de terceiro grau” (como hoje em dia se diz) e não consegue ser acreditado. O texto se fixa no protagonista, nos seus grilos interiores, deixando pouco espaço para a ficção científica em si, a não ser quando os alienígenas de sílica aparecem e ocorre um exercício de semântica entre eles e o humano, traçando figuras na areia da praia. O “número transcendental”, o “pi”, aparece como um símbolo universal. Quanto ao velho ceticismo humano, surge aqui retratado na brutal caricatura dos homens de branco que capturam doentes mentais,

“O menino e o robô” — A questão da interação entre o homem e a máquina é aqui focalizada de maneira humanista e poética, com a história de um robô que se integra em uma família e morre em conseqüência da morte do menino a quem havia sido dado como presente. Máquinas podem ser auto-conscientes? Manifestar emoções e até sentimentos amorosos? Esta questão é uma grande recorrência na ficção científica. Só que Scavone arrasta o texto em longos períodos sem ação e insiste em não dar nomes aos personagens: “o pai”, “a esposa”, “o menino”; o que é isso afinal?

“Passagem para Júpiter” — Scavone às vezes narra como se estivesse escrevendo um artigo. Neste conto, por exemplo, demora mais de duas páginas com longos parágrafos explanativos, descrevendo a situação utópica da Terra no ano 2222, antes de entrar na história de Ismael Boscowitzs, que “era apenas um professor”. Com um estilo tranquilo, erudito e elegante, sem palavrões, sem violências, sem indecências, o autor vai se alongando numa história sem lá muito interesse mas que pode ser lida sem traumas. Acompanhamos a vida de um professor aparentemente misantropo que fala sobre Marte mas desdenha ir lá, por já ser um planeta conhecido; então quer visitar Júpiter. De tanto falar em ir para Júpiter acaba negligenciando o amor de uma jovem. O texto caminha para uma solução romântica e cavalheiresca.

“Flores para uma terrestre” — O volume se fecha com outro conto de forte carga poética, derivando da ironia dos textos iniciais.
Dois cosmonautas — Ivan e o narrador — encontram-se na base de Titã, órbita de Saturno. E o protagonista-narrador fala de Larissa, a sua noiva deixada para trás, e sonha em levar-lhe um romântico presente, nada menos que uma for de Titã, uma flor que respirava metano, delicadamente descrita: “Aproximei-me, curvei-me e vi então que de perto era ainda mais bela. Contei-lhe as seis pétalas que se abriam simetricamente, todas elas de um aveludado espesso cujas bordas, como ourelas, brilhavam mais ainda. E do centro, com a mesma morfologia das flores terrestres, brotavam várias antenas mais altas cujas terminações sustentavam protuberâncias esféricas.” É um conto que se sustenta pela veia poética e pelo estilo elegante.

CONCLUSÃO

Trata-se de um belo volume escrito com amor e que apenas se ressente de um certo formalismo, como se o autor não se sentisse muito à vontade no gênero e não percebesse o quanto a ficção científica se distancia do “mainstream”; falta certo vigor dos personagens, capacidade em prender mais a atenção, mais vivacidade no texto que às vezes se torna pesado e monótono.


imagem: capa do livro