CAMPO TOTAL

O escritor e jornalista Carlos Orsi escreve ficção científica no Brasil desde 1992, sempre buscando em seus textos uma pegada mais hard dos temas. A Editora Draco trouxe ao público brasileiro a antologia de contos Campo Total em 2013, um volume que vem somar aos outros títulos do autor no catálogo da editora, quais sejam As dez Torres de Sangue e Guerra Justa.
Apesar disso a maior parte da obra de Orsi está espalhada em revistas, zines e antologias que vêm tentando suprir essa demanda por ficção especulativa no Brasil, enquanto as maiores casas editoriais ficaram de costas viradas para os brasileiros.
A primeira publicação em que ele contribuiu foi a Isaac Asimov Magazine n.º 24, mas seus trabalhos também podem ser encontrados nas coletâneas Imaginários da Draco, Vapor Punk, Space Opera, Ficção de Polpa, Scarium Megazine, Megalon e outros. Tantas participações renderam muitos contos, e Campo Total é sua terceira antologia própria. Antes disso há o volume Tempos de Fúria pela Novo Século e Medo, Mistério e Morte por uma editora chamada Didática Paulista.
Interessante que uma pesquisa na Amazon gringa dá alguns resultados do autor para seus livros em inglês, alguns traduzidos, outros escritos originalmente na língua dos ianques. O conto sobre o Rei Amarelo Rex Ex Machina, por exemplo, foi publicado no exterior e só depois (recentemente, na verdade, quando houve uma redescoberta dos trabalhos de Chambers, graças ao sucesso do seriado True Detective) publicado no Brasil, em versão traduzida do original. Um exemplar que chama a atenção é The Worlds of Philip Jose Farmer 3: Portrait of a Trickster, onde ele divide as páginas com ninguém menos que Bruce Sterling. E para quem gosta de ficção científica militar (como eu, que tenho uma queda pela literatura de Karen Traviss), a APEX traz seu conto In Loco na antologia War Stories: A New Military Science Fiction.

Mas, retornando a Campo Total, achei um excelente livro, que cumpre sua missão, fazer pensar através de um desconforto causado em nossa visão da relação da ciência com a religião na sociedade humana. Os contos em sua maioria tratam dessa relação, mas sempre em cenários, vozes e tramas variadas, tornando a leitura leve e divertida.
Na introdução Orsi diz que essa será sua última coletânea de contos de ficção científica, sendo que sua atenção está voltada para narrativas mais fantásticas em virtude do mercado atual. O trabalho gráfico da Draco está muito bom, não só no design quanto no papel, que valoriza as histórias.
O conto que abre a antologia é uma história envolvendo um matemático e as teorias da conspiração Iluminati: A equação. Falar mais é violar o sagrado mandamento “não spoilerás”.
O segundo é Um bom emprego, onde as neuras de nossa vida digital são levadas a um outro patamar. Misture Matrix com Hellblazer, bata no liquidificador com uma pitada de poesia e terá o resultado do conto. #UploadingNow.
A ciência forja o amor nas profundas fornalhas da lógica em Toda Forma de Amor. Esse conto é instigante e prende o leitor a cada parágrafo, enquanto acompanhamos a romântica Milena em busca do misterioso Grafo, o maior poeta da web. Fica registrada aqui uma curiosidade, Grafo, em esperanto, significa Conde. Esse conto foi publicado anteriormente na Scarium n.º 21.
Campo Total. Esse conto é muito bom. Você passou pelos últimos três contos com interesse, mas está se perguntando se é tudo isso. Então Campo Total te dá um soco no estômago e ao terminar só há uma expressão possível, qual seja puta que pariu. Os contos desse volume são contos muito bem construídos, sempre com um fechamento engenhoso, mas este surpreende pela forma como as peças se encaixam no último segundo, seguindo os mandamentos do conto clássico de um Quiroga ou Poe.
Cardeais em Órbita é uma ácida crítica ao Vaticano e à cristandade em geral. O primeiro  conto futurista do livro, pois os outros personagens andavam entre nós, em contos urbanos passados em nosso tempo. O conto tem um apelo cômico, e imaginei que ficaria perfeito adaptado para os quadrinhos no traço de Moebius ou Luciano Salles.

Em Disse a profetisa o tema do fanatismo e da irracionalidade religiosa é trazida à luz, ou melhor, à escuridão de um cenário distópico em alguma dimensão ou futuro próximos.
Cliteridectomia é um conto ironicamente erótico, e parece se passar no futuro, ou talvez já exista essa tecnologia hoje, a ciência servindo à ignorância.
Nativos foi publicado originalemente na Scarium n.º 11, e para mim é o melhor. É um conto de colonização planetária, com uma criação de mundo muito convincente, repleto de ação e mistério. Nesse conto o assunto da religião ou o ateísmo parece que será o cerne da questão, só que não, as coisas nem sempre são o que parecem.
O próximo conto eu já havia lido quando assinava a Scarium, e têm algumas premissas muito interessantes, que nunca esqueci. Como seria viver em um mundo onde a composição físico-química seja tal que nada nesse planeta possa ser utilizado como alimento? Terror no Planeta dos Canibais foi publicado na Scarium n.º 19 e segue surpreendendo. É uma história com jeitão Space Opera, que poderia muito bem se passar no mesmo Universo do conto anterior. Foi incluído em uma edição especial da Scarium apenas com ficção pulp e é bem instigante.
Os dois últimos contos, Visitante e The Schroedinger Show me pareceram um tanto quanto estranhos. Me faltaram elementos necessários para captar as referências, ou só são esquisitos mesmo. Mas não são bizarros, nem nada.
Para concluir acredito que os contos espaciais do Orsi são os melhores de sua produção, e estão entre os melhores dos melhores do Brasil, sem dúvida. Era isso que eu buscava nesse livro, mas me surpreendi com os contos de viés ateísta que parecem ter dominado sua produção.



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Mauricio R B Campos
Enviado por Mauricio R B Campos em 08/02/2015
Reeditado em 02/01/2024
Código do texto: T5130445
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