Resenha: "O outro", de Jorge Luis Borges (1899 - 1986).

Neste conto, o narrador, em primeira pessoa e na pele do próprio autor, registra um fato ocorrido no ano de l969, ao norte de Boston, em Cambridge, embora tornado público três anos após o acontecido, a fim de “não perder a razão”.
Sentado defronte ao rio Charles, Borges percebe a chegada de um rapaz, aparentando vinte e poucos anos, a ocupar a outra ponta do banco em que se sentara. O rapaz, em seguida, inicia sinais evidentes tratar-se do próprio narrador cinquenta anos mais jovem.
Aconteceu que o movimento do rio, a levar pedaços de gelo em seu curso, fez com que Borges “pensasse no tempo”. Assim fez o rio; assim deu-se a sua introspecção.
A partir deste ponto, inicia-se um diálogo entre os personagens, de um lado Borges, a tentar convencer o rapaz de que um e outro são o mesmo; de outro, o jovem a desvencilhar-se das conclusões.
Contudo, não há dúvida: sabemos que ambos representam um só personagem, a despeito de distanciados no tempo. De fato, o narrador estivera, cinquenta anos antes, sentado em um banco em Genebra, “a alguns passos do Ródano”. O déjà-vu acontecera em função de fatores psicológicos, assim como a Marcel Proust em face de sua Madeleine.
As recordações vêm à tona: “Vou lhe contar coisas que um desconhecido não pode saber”, diz Borges ao rapaz, enumerando, com minúcia, livros e objetos que podiam ser encontrados em sua casa, a mesma do narrador quando jovem. Também recorda de seus parentes e do destino que lhes coube.
O jovem Borges envelhecera. “O homem de ontem não é o homem de hoje”, repete algum grego o velho Borges. “Nós dois, neste banco de Genebra ou de Cambridge, somos talvez a prova”.
O poeta crê ter descoberto a chave: tudo fora real, apenas O OUTRO conversara com ele em um sonho. E despedem-se, lógico, sem um ao outro haver tocado.