"Revolução no futuro", resenha

RESENHA DE REVOLUÇÃO NO FUTURO
Miguel Carqueija

“Revolução no futuro” (romance) de Kurt Vonnegut Jr. Título original: “Player piano”, copyright 1952, Kurt Vonnegut Jr. Tradução: Roberto Muggiati. Círculo do Livro, São Paulo (SP), 1974.

"—Quantas pessoas calcula que nos acompanhem? — perguntou Paul.
— Tantas quantas estejam mortalmente cansadas das coisas tal como elas se apresentam — disse Lasher.
— Todas elas — disse Finnerty.
— E em seguida? — perguntou Paul.
— Em seguida voltamos aos valores básicos, às virtudes básicas! — disse Finnerty. (...)"


Este romance de Kurt Vonnegut, Jr. (um dos mais prestigiados autores norte-americanos de ficção científica) é massudo e de difícil leitura, mas apresenta uma tese respeitável. Num futuro não muito distante, a civilização dos EUA produz um país tão auto-suficiente graças á mecanização, que muitos dos seus cidadãos não encontram mais trabalho e passam a ser sustentados pelo Estado, e isso é visto como perfeitamente natural. Aqueles privilegiados que ainda conservam suas funções e carreiras tornam-se suspeitos e mal vistos se começam a desenvolver idéias contrárias ao sistema, como o Dr. Paul Proteus.
Uma coisa que hoje em dia estranhamos, mas que era comum na ficção científica até pouco tempo (e isso independente do caráter premonitório do gênero) é a ausência de protagonismo feminino já que em geral as mulheres aparecem apenas como esposas, isso quando na década de 50 já era grande a participação feminina no mercado de trabalho, inclusive universitário.
Bem no início deparamos com esta informação referente ao Dr. Proteus: “A Doutora Katharine Finch era sua secretária, e a única mulher na Usina de Ilium.” Mas, por que a única? Essa misantropia acompanha o livro inteiro, inclusive nas reuniões, nos eventos, onde as mulheres são esposas dos profissionais. É comum, na FC norte-americana dos anos 40 ou 50, e com certeza de outras épocas e países, que o autor, mesmo habilidoso, não consiga antever certos rumos sociais como no caso o maior protagonismo da mulher. Lembro-me de um romance que deve ser dos anos 50 e que se passa lá pelo século XXIII. Pois bem, apesar das tecnologias mirabolantes do futuro imaginado, a certa altura o protagonista senta-se junto a uma máquina de escrever e começa a datilografar...
Ao tomar conhecimento mais de perto da insatisfação das pessoas que vivem sem trabalho, e principalmente influenciado pelo seu amigo rebelde Finnerty, Proteus vai aos poucos se desiludindo da utopia em que vive, na verdade uma distopia. Ele acabará rompendo com o sistema. Há um romance clássico lançado no mesmo ano, “The space merchants” (Os mercadores do espaço”) de Frederick Pohl e C.M. Kornbluth, que também apresenta uma distopia e um personagem, Mitch Courtenay, que a princípio é um leal servidor do sistema e acaba também se tornando um rebelde e conspirador. Mas a dupla entremeou seu romance com um humor insólito e diferente, que dá vida á história, bem mais que na obra de Vonnegut. Este tem de ser lido como um exercício de paciência mas, no fim, reconhecemos o valor do trabalho, sua mensagem é convinvente. E parte da mensagem é esta: você deve lutar por seus ideais, sem renunciar a eles, mesmo que lhe aguarde a derrota diante de seus adversários.

Rio de Janeiro, 4 de junho de 2016.