A saga do cachalote branco

A SAGA DO CACHALOTE BRANCO
Miguel Carqueija

Resenha do romance “Moby Dick”, de Herman Melville.Título original norte-americano: “Moby Dick or the whale”. Tradução de Berenice Xavier. Prefácio de Rachel de Queiroz. Editora Tecnoprint (Ediouro), Rio de Janeiro, sem data.


“Ouvindo o tremendo ímpeto do bote que rompia o mar, o cachalote girou e apresentou a fronte para defender-se, mas, com essa evolução, deu com o casco negro do navio que se adiantava e julgando-o com certeza a causa de todas as perseguições que sofria, julgando-o talvez um inimigo maior e mais nobre, lançou-se de repente contra a proa em marcha, batendo as mandíbulas no meio de uma impetuosa chuva de espuma.”
(trecho da batalha final entre Moby Dick e Acab)


Com certeza, “Moby Dick” é um dos mais famosos romances de todos os tempos e uma dessas obras que permanecem no imaginário da humanidade, a ponto de virar personagem de desenhos animados (havia até uma série de Hanna-Barbera) e motivo de trocadilhos. É uma história trágica de obcessão, idéia fixa, ódio e vingança. Fala do Capitão Acab, um velho baleeiro do século XIX que, em certa ocasião, na tentativa de caçar um grande cachalote branco, foi por ele atacado e perdeu parte de uma das pernas. Passando a andar com perna de pau, deixa-se possuir pelo insano desejo de vingança contra um animal. Ao longo da narrativa por várias vezes ele é advertido por Starbuck, seu imediato, da insensatez do empreendimento. Publicado originalmente nos Estados Unidos em 1851, o romance ressente-se de seu caráter maçante e monótono (característica de muitos clássicos daquela época; até o “Drácula” de Bram Stoker, quando a gente vai conferir descobre ser uma chatice), e apesar das 400 páginas a verdade é que a baleia branca, que é afinal de contas a personagem principal, só vai aparecer “pessoalmente” no confronto final, que ocupa os três últimos capítulos; mas aí, reconheçamos, a narração é grandiosa e apoteótica.
Antes disso Moby Dick só é mencionado ao longo de muitos capítulos, em reminiscências ou notícias que chegam a Acab, enquanto ele percorre os oceanos com seu navio Pequod. Melville (1819-1891) é um autor norte-americano bastante prolífico e seu romance ressente-se também de um excesso de didatismo. Longos trechos tratam apenas dos detalhes da vida em um navio baleeiro e do modo como funcionam seus equipamentos; ou então uma verdadeira aula de História Natural, versando sobre os cetáceos. Aqui, dá para notar que os conhecimentos apresentados já se encontram defasados. Para Melville os cetáceos são peixes, apesar de mamarem.
A trama é narrada em tom de primeira pessoa por Ismael, um dos tripulantes do Pequod. Nos primeiros capítulos ele fala de sua amizade com o indígena polinésio Queequeg, isso bem antes que se comece a falar em Moby Dick. Em suma, tudo isso acaba sendo uma série de exercícios de paciência. Para piorar, inúmeros detalhes e cenas, não poderiam ter sido testemunhados por Ismael, que assim narra o que não viu nem ouviu; em muitos trechos, efetivamente, temos uma verdadeira narrativa de “narrador onisciente” e Ismael como que se eclipsa do enredo, embora esteja por lá. Também Queequeg, tão importante no começo, acaba ficando em terceiro plano.
Partindo de Nantucket, base de baleeiros norte-americanos, o Pequod segue para o longo périplo. O caráter especial de Moby Dick se revela nos antecedentes da batalha final: diversas baleias são arpoadas e mortas sem grandes riscos. Mas Moby Dick é diferente: avantajado até mesmo para um cachalote, experimentado por diversos combates com os homens, ele será o grande adversário para Acab, personagem que não desperta a mínima simpatia aos leitores.
Por outro lado Moby Dick inspira simpatia, até pela aura sobrenatural que cerca o cetáceo, além dos ideais ecológicos hoje bem pronunciados.
Melville inspirou-se num fato real: em 1820 o baleeiro Essex foi atacado e destruído por um cachalote que teria entre 26 e 30 metros; parece ter sido o primeiro ataque registrado de uma baleia contra um navio. Há vários livros sobre esse caso e um filme de 2015.

Rio de Janeiro, 7 de junho de 2016.