Mutantes em ação

MUTANTES EM AÇÃO
Miguel Carqueija

Resenha do romance “Mutantes em ação”, de Kurt Mahr. Série Perry Rhodan 11, Editora Tecnoprint, Rio de Janeiro-RJ, 1976 (Edições de Ouro, Categoria Estrela, 5761). Título do original alemão: “Mutanten im einsatz”, copyright Erich Pabel Verleg, Rastatt-West Germany.

Apesar de existir um grupo de fãs que chegou a editar um fanzine intitulado “O Rhodaniano”, uma boa parte do fandom brasileiro abomina a interminável série de Perry Rhodan, criada por um grupo de escritores da Alemanha Ocidental (país que já não existe). A propaganda da Tecnoprint fala na “série que abalou o mundo” e ouvi certa vez de um fã de ficção científica comentar: “Só se foi pelo peso” (o número astronômico de livros editados). Eu sempre me coloquei entre os dois extremos, até porque só tinha lido um livro da série, “O crepúsculo dos deuses”, que me pareceu razoável como diversão sem compromisso.
“Mutantes em ação”, número 11 da série, mostra o calculista líder terrestre Perry Rhodan, chefe da Terceira Potência, com seus companheiros, metendo o bedelho na guerra entre os ferrônios e sichas e os tópsidas (sic), todos habitantes do sistema Vega, os dois primeiros humanos, os tópsidas, aqueles homens-répteis tipo o Caiman dos “Mercenários das Galáxias” do Roger Corman. Aliás essa história de homem-réptil é muito manjada...
Esta novela está cheia de peripécias, inclusive com uma trama paralela de um auxiliar de Rhodan com nome de máquina de lavar, Deringhouse, que é derrubado em território ocupado pelos tópsidas, e prossegue na sua aventura em companhia de uma moça chamado Talico, natural de Ferrol (o planeta invadido pelos répteis), sem que surja nenhum romance. Talvez o autor tenha querido fugir ao lugar-comum. Rhodan une suas forças às de Hopmar, um ferrônio, e Quequéler, chefe dos sichas, para combater os tópsidas chefiados por Crek-Orn e depois por Tequer-On. Com esses e outros personagens, cada um pior que o outro, vai se desenvolvendo esta “space-opera” na qual fica evidente que os heróis são “mais maus” que os vilões. Basta ver que os “bandidos” da história não matam ninguém, mas os “mocinhos” são impiedosos, e o mocinho-mór, Rhodan, não é excessão.
No longuíssimo capítulo II, por exemplo, o teleportador Tako Kakuta, um dos mutantes da Terceira Potência, se materializa perto dos tópsidas que enfrentavam Rhodan, Reginald Bell e Quequéler: “o tiro da pistola pulsotérmica atingiu o segundo tópsida, matando-o instantâneamente.” Rhodan aproveita a surpresa e abate o outro. No capítulo III é Deringhouse quem abate Epton, tópsida apanhado na boa fé, já que se considerava amigo de Talico. Assim vai se desenvolvendo o belicismo dos “heróis” da história. Não parece que Rhodan, auxiliado por mutantes com poderes paranormais, e por um aparelho hipnótico chamado psico-irradiador, utilize métodos leais. A certa altura o leitor passa a simpatizar com um dos vilões, o Capitão Tequer-On, que, com sagacidade, desconfia das ordens do almirante, que havia sido hipnotizado por Rhodan. “Pela primeira vez em sua vida, Tequer-On questionou a sanidade mental de um superior.”
Em suma, na luta pela posse da grande nave dos arcônidas — que é o tema principal deste episódio — ressalta o artifício pelo facilitário usado por Kurt Mahr, ou seja, dos vilões que não matam, certamente porque os leitores usualmente não gostam quando algum personagem “bom” morre. E ressalta também o sucesso excessivo dos terrestres e seus aliados, que vão conseguindo tudo o que querem e eliminando todos os obstáculos, sem maiores perdas. Um pouco inverossímil.
Convém não esquecer que Perry Rhodan simboliza a interminável luta pelo poder. Eis o que se comenta, quando Rhodan negocia astutamente com o Thort, visando enganar até mesmo seus aliados arcônidas: “Pois em todos aqueles acontecimentos, não perdia de vista o objetivo principal: guindar a Humanidade à posição de raça dominadora na Galáxia.” É um pouco difícil, para quem lê, identificar-se com objetivos tão megalomaníacos; todavia é possível ler com um interesse perfunctório, já que há muita ação e situações curiosas.
O autor, Kurt Mahr, faz parte da equipe que se revezaescrevendo a série Perry Rhodan, e talvez seja um pseudônimo. Menos importantes que a série, esses autores nem têm seus nomes colocados nas capas (ao menos nas edições brasileiras), mas somente nos pórticos.

(resenha escrita entre 23 e 25 de dezembro de 1991)
NOTA em 19 de setembro de 2016: como a Ediouro, que na época editava no Brasil a franquia literária de Perry Rhodan, não dava informações sobre os autores, faltavam também meios de saber alguma coisa de outras fontes. Agora, com a internet, ficou bem mais fácil. Kurt Mahr é pseudônimo de Klaus Mahn (1934-1993), escritor alemão de ficção científica que, além de participar da série Perry Rhodan, produziu copiosa material à parte, no mesmo gênero. Foi também consultor de Física da NASA.
A saga de Perry Rhodan acabou sendo descontinuada pelas Edições de Ouro e mais tarde retomada pela SSPG.