FC EM VISÃO SOVIÉTICA

FC EM VISÃO SOVIÉTICA
Miguel Carqueija




Resenha do romance “Balada de estrelas”, de G.Altov e V.Juravleva. Edições GRD, Rio de Janeiro-RJ, 1966. Tradução de José Sanz. Traduzido do francês “La ballade des étoiles” em “Les meilleures histories de science fiction soviétique”, Robert laffont editor, Paris, 1963. Capa: Juarez Paraíso. Ficção Científica GRD, 19. Prefácio de Gumercindo Rocha Dorea.

A ficção científica russa do tempo do comunismo não é apenas russa; é soviética, ideológica. Também costuma ser pragmática, “hard”, sem grandes aberturas para a fantasia. De modo geral é triunfalista, ufanista, e supõe um futuro em que a União Soviética domine o mundo, ou pelo menos o lidere, e conduza a exploração espacial. Ou seja, um mundo onde o socialismo venceu e construiu a sua utopia sem Deus.
E é uma curiosidade da edição brasileira que o editor, o lendário GRD, acrescentou um posfácio por não concordar com a propaganda ideológica contida no romance. Mesmo reconhecendo o valor literário da obra (afinal, ele a publicou) Dorea aponta a inconveniência do proselitismo com suas afirmações descabidas, como esta: “a humanidade passou da selvajeria à sociedade comunista, isto é, à justiça!” Ao editor não escapa o ridículo de tal messianismo.
Todavia é um bom livro pela parte técnica, pela linguagem sóbria e escorreita. Curiosamente há lugar para a poesia:

“Beleza que beberei sem me cansar,
quietude onde, por um murmúrio,
darei minha alma,
floresta onde me perderei para sempre.”
A saga de astronautas como Chevtsov e Lanskai tem realmente seu grau de poesia e detalhes científicos vão tornando a leitura atraente, como por exemplo a descrição dos perigos da poeira cósmica ou, como se lê no texto, “poeira negra”:

“Nas velocidades subluminosas era impossível atravessar as nuvens de poeira interestelar. A poeira atirava-se sobre o metal, arrancava-lhe os átomos, uns após outros, roía completamente a nave, como as minúsculas formigas roíam até aos ossos as enormes carcassas dos javalis... (...) Aquilo lembrava uma doença incurável. A corrosão pelas poeiras prendia a astronave numa rede de pequenos ferimentos, aprofundava-os progressivamente e produzia cânceres que desagregavam o envoltório da nave.”

A trama também especula sobre vida racional extraterrestre e tem seus questionamentos filosóficos. Descontada a propaganda política é uma história dotada de beleza.

Rio de Janeiro, 17/9/2017.