"AS CONFISSÕES INCONFESSÁVEIS DE SALVADOR DALI"

Além de interessantes referências ao Movimento Surrealista, à relação Breton – Dali, ao exuberante amor por Gala, encontramos em “As Confissões Inconfessáveis de Salvador Dali” importantes reflexões de Dali sobre si mesmo, as quais – atentas à história de sua mais pregressa vida – revelam, paradoxalmente, a lucidez emanante da possibilidade de perceber a coerência da própria loucura.

O texto apresentado por André Parinaud, amigo de Dali durante vinte anos, foi elaborado a partir de análises de seus escritos, entrevistas e conversas. Daí o tom bastante coloquial do original em francês, o que parece ter dificultado a tradução. Mas, o surpreendente no texto se encontra nas formas como as lembranças se encadeiam, nos sugerindo uma reflexão não só do ponto de vista filosófico, mas também psicológico.

A leitura do texto à luz da teoria psicanalítica é tentadora. O discurso revela coerência nos encadeamentos e associações das lembranças. Das entrelinhas emerge o desejo quase explícito.

O primeiro capítulo – “Como Conviver com a Morte” – já nos leva a pensar no lugar a ser ocupado por Dali no contexto edípico, que lhe reservara a convivência com o fantasma de seu irmão primogênito, morto três anos antes de seu nascimento. Nos comportamentos tidos como extravagantes, como o hábito de defecar em gavetas, canto da escada, ou onde mais pudesse ser descoberto por seus pais, Dali encontrava a forma de atrair para si a atenção destes, sendo também ele um fantasma, através de seus excrementos. Em suas lembranças Salvador Dali se refere ao pai como alguém a quem necessitava enfurecer todos os dias, e à mãe como um anjo: “seus seios depois de seu sangue, me deram a vida. Sua doce voz ninou meus sonhos. Era o mel da família. Gostaria de bebê-la à moda dos nossos amigos argentinos...” (pág. 23).

Segundo Parinaud, se Nietzsche tivesse conhecido Dali, encontraria nele seu Zaratustra... Quanto a Freud, que impressão lhe causaria o pintor surrealista? O único encontro entre os dois se deu em 19 de julho de 1938, um ano antes da morte de Freud. No dia seguinte ao encontro, Freud escreve a Stefan Zweig, que lhe apresentara Dali, agradecendo pela visita e admitindo que a partir de então sua opinião sobre o surrealismo mudara. Mas Dali sentira-se fracassado em sua intenção de deslumbrar Freud, a quem via como o único homem que poderia dialogar de igual para igual com sua paranóia. Após o encontro fez dois retratos de Freud, cujo crânio, na visão surrealista de Dali, assemelhava-se a um caracol.

Salvador Dali se considerava um paranóico extremado, chegou a adotar como forma de vida o que definiu como método paranóico-crítico, conceituando-o como “a grande arte de jogar com as próprias contradições, pela lucidez, fazendo os outros viverem as angústias e os êxtases de nossa própria vida, que se lhes torna pouco a pouco, tão essencial como as deles” (pág.9) Dali define a si próprio como um delírio vivo e controlado: “Eu existo porque deliro e deliro porque existo. A paranóia é minha própria pessoa, mas dominada e exaltada pela consciência do ser.” (pág. 135)

Ao final, o que me parece é que o texto consegue atingir o objetivo do método paranóico-crítico, fazendo-nos deliciarmos com as contradições, angústias e êxtases que povoam a vida do famoso pintor.

Resenha do livro “As Confissões Inconfessáveis de Salvador Dali”, André Parinaud, Livraria José Olympio Editora.

Rocio Novaes
Enviado por Rocio Novaes em 09/03/2005
Reeditado em 10/04/2006
Código do texto: T6231