A humanidade é criadora de comunicação

A evolução na comunicação – do sílex ao silício

Giovanni Giovannini

“Evolução na comunicação – do sílex ao silício” é um livro destinado a estudantes, profissionais da área de comunicação e a todos os que se interessam pela agitada era da informática. O trabalho foi coordenado por Giovanni Giovannini. Participaram da composição da obra os autores Barbara Giovannini, Nicoletta Castagni, Carlo Lombardi, Carlo Sartori e Enrico Carità. O livro foi traduzido do italiano por Wilma Freitas Ronald de Carvalho e revisado por André Luiz Lázaro – e editado pela Editora Nova Fronteira.

A obra é uma caminhada pelo tempo desde a Pré-história até os anos oitenta. Tanto é que, apesar de haver uma certa previsão quanto ao futuro, não há citação dos fatos exatos que já estão emergindo no contexto comunicacional de hoje. Cada um dos autores prima pela minuciosidade da história, fazendo os leitores co-autores da obra e até das invenções que foram acontecendo ao longo dos milênios.

Após a introdução da obra – do sílex ao silício – os autores vão tecendo seus textos em cinco capítulos. No primeiro capítulo, Barbara Giovannini, delineia “Assim o homem inventou a comunicação”, “Gutemberg: a maravilhosa invenção” é testemunhada por Nicolleta Castagni. Carlo Lombardi prossegue a história com a passagem “Do pombo-correio ao sistema editorial”. A Carlo Sartori compete descrever “O olho universal” que interliga o mundo. Mas “Já estamos no futuro” – aqui, Enrico Carità faz suas previsões a respeito do futuro que se delineia a partir do contexto que já se vive.

‘Do sílex ao silício’, segundo Giovanni é um ‘título enigmático, que deseja sintetizar seis milênios de história da civilização da pessoa em seu modo de comunicar’. Começa-se na era paleolítica, passa-se pela agrícola e industrial e chega-se à da informação. De todas as invenções, foi justamente a ‘eletricidade’ que pôde unir a aldeia tribal de maneira planetária, de acordo com o autor. No entanto, foram revolucionárias a invenção do alfabeto ( há 32 séculos), e da imprensa (há 5 séculos). Essa última foi a causa-efeito de todas as descobertas posteriores até chegar nas mídias mais modernas.

O primeiro capítulo evoca os habitantes paleolíticos e a técnica de seus artistas através das pinturas e instrumentos utilizados. Essa era foi dividida em período arcaico e clássico. Das expressões não-verbais, aos poucos, foi se evoluindo para as expressões verbais. Aos sumérios – região do Mediterrâneo – atribui-se a invenção da escrita e supõe-se que tenham chegado a ela por razões econômicas. E se transformando em utilidade para as esferas administrativas, econômicas e religiosas. A modificação na maneira de escrever, ou seja, a invenção do alfabeto, foi dando acesso à informação a um maior número de pessoas, apesar dos escribas esforçarem-se para manter a cultura inacessível ao povo em geral. Deu-se a ‘democratização do poder’ pelo sistema de vinte e dois sinais do sistema. Esse alfabeto foi adotado pelos gregos e deu origem aos alfabetos ocidentais.

Cada povo tinha sua forma própria de utilizar a escrita como os babilônios e os assírios, porém era parecida com a dos sumérios. No entanto, a invenção da escrita teve modalidade diferente no Egito. Lá ela era necessária à ideologia monárquica, elemento essencial ao rito fúnebre, muito relacionado à arte. Utilizavam para a escrita o pergaminho e o papiro. Saber ler no Egito, era questão de privilégio e superioridade. Seus livros eram ilustrados. Já na Índia e China, os materiais utilizados para a escrita eram diversos e os caracteres difícies de serem decifrados. Teve também uma relação máxima com o poder.

Também na Grécia, o alfabeto democratizou o saber e as bibliotecas começaram a crescer e se expandir. Em Roma e na Itália, o alfabeto grego infiltrou-se, lentamente, e foi adaptado à língua etrusca. Aí, os romanos usavam os mais diferentes materiais para escrever – e as bibliotecas públicas começavam a aumentar ao lado das particulares. Aos poucos, foi aparecendo a figura do editor. Na Idade Média, Roma e a Itália, de maneira geral, vai diminuindo seu poder de produtora de cultura. O cristianismo também tinha um papel limitado mas os mosteiros tinham muito da produção literária – tanto de cópia como obras originárias – em suas mãos. A escrita é vista como um instrumento para divulgar as mensagens: eis o berço da criação das universidades.

No século II d.C. os chineses inventam o papel e logo, os árabes passam a administrar a nova invenção, devido à expansão do islamismo. Essa invenção era mais econômica que o pergaminho. Tudo isso é analisado como pré-requisitos históricos à invenção da imprensa, que vem dá um salto à humanidade e mudar a maneira de compreender o mundo, bem como a mudança de mentalidade.

Nicolleta fala das modificações radicais, devido à invenção de Gutemberg, em 1450, em Moguncia, Alemanha. Ele montou uma sociedade com três colegas e foi gradativamente, criando os instrumentos necessários à sua obra. Devido à necessidade de dinheiro, arruma um empresário, que depois do invento, livra-se do criador. Assim, imprimiu-se em grande quantidade a Bíblia de 42 linhas. Gutemberg passou a enfrentar processos judiciários constantes e acabou sendo expulso da cidade, juntamente com outros. Logo depois deu-se a sua morte.

Seus companheiros de tipografia se espalharam pela Europa, levando as novidades da nova criação. A Itália, mais precisamente o mosteiro de Subiaco, foi o primeiro país europeu a conhecer a arte de imprimir papéis em grande quantidade. A nova invenção espalhou-se por diversas cidades da Itália, imprimindo obras clássicas e do local. Aldo Manuzio, o maior editor italiano, introduziu a numeração de páginas nas obras. À época da Reforma, deu-se uma enorme publicação de livros afins, devido à ousadia e consciência que Lutero tinha dessa criação. Era o nascimento da pessoa moderna.

É o terceiro capítulo que retrata a questão da passagem da prensa manual ao jornal em cores e da separação entre impressores e editores. A partir de 1513, vão surgindo os embriões dos jornais como ‘livros de notícias’, ‘Avisos e Gazetas’ até se deslanchar nos jornais, propriamente ditos em toda a Europa. Mas é o século XIX que insere na história as prensas rotativa e linotipo, também o telégrafo e o telefone, no processo da comunicação de massa. Assim, os jornais passam de ‘emissores’ para também ‘receptores de notícias de perto e de longe através dos novos meios. Foram nascendo, nesse meio tempo, os publicitários, necessários à manutenção dos jornais, que se tornavam empresas. A criação da máquina a vapor foi outro grande invento da humanidade.

Contudo, é o rádio que mexe com as pessoas do final dos oitocentos, mostrando seu poder de comunicação, relata Carlo Sartori. Os usuários publicitários passaram a inserir suas ofertas na programação, tornando o veículo comercializável. Com o tempo, foram se desenvolvendo leis para regular o uso do veículo e satisfazer o público. Muitos políticos souberam utilizá-la de acordo com seus interesses, mesmo que contra o bem da humanidade. Daí para a criação de ‘calculadoras, computador, fotocomposição, impressão em off set, criação do fac-símile e sistemas de vídeo foram etapas de um processo que não tinha mais volta.

Ao lado da invenção da televisão, pela descoberta da eletricidade, vem o nascimento da fotografia e aprimoramento cinematográfico. Carlo diz que a expressão de McLuhan, ‘aldeia global’ está bem longe de acontecer devido às ‘enormes diferenças de difusão e de impactos. Essa diversidade está ligada às desigualdades econômicas. No entanto, com o advento dos satélites, a aldeia passou a ser ‘eletrônica’ – parafraseia – ao mesmo tempo, em que o modelo norte-americano vai se expandindo no sistema televisivo. No entanto, ele afirma que isso não é fazer parte do ‘complô’ imperialista ligado a isto. Na Europa, os modelos eram britânico (entidade pública) e soviético-comunista(absolutismo político). Porém, na Inglaterra foi entrando também o modelo comercial. No entanto, a televisão foi modificando o comportamento das pessoas e implantando a tele-realidade (só é verdade o que se dá na televisão).

Mas já estamos no futuro, graças a Enrico Carità que divide o seu ensaio em duas partes: novos sistemas informativos e novos meios de comunicação de massa. Na primeira parte, ele retoma a criação do computador, bem como do ‘chip’ de silício. Fala do surgimento das grandes empresas na área, que vão investindo na tecnologia digital ao lado das telefônicas. A telemática abriu grandes espaços aos sistemas editoriais, redacionais, bem como as digitalizações com ‘scanner’. Nesse universo vai se deslanchando as grandes agências de notícias com revoluções tecnológicas e sociais em sua longa história. Fala do processo de armazenamento, arquivação e seleção das mesmas. Também, explana a questão da criação de bancos de dados como uma alternativa ágil às redações e outros meios afins. Na segunda parte, fala da criação do video-texto circular e interativo como precursores do jornal eletrônico – não conhecido na época. A implantação de satélites na década de oitenta, trouxe a possibilidade de maior rapidez e eficiência, bem como inovação ao rádio e à televisão – surgimento de tvs a cabo e por assinatura, nos Estados Unidos.

Após essa rápida síntese da comunicação na humanidade, é possível perceber que as mudanças passaram de milenares para seculares. No entanto, o século XXI vê mudanças de décadas para diárias – em cinco anos, muita coisa está totalmente modificada. O encantamento diante das novas tecnologias, é apenas por algum tempo – até que apareça uma nova criação.

Penso que se esse livro tivesse sido escrito na década de noventa, seria mais atual e do mesmo jeito minucioso. No entanto, os autores, principalmente no último capítulo, têm uma mentalidade aberta às mudanças e vão delineando o futuro como se já fosse real. Ao meu ver, conseguiram o objetivo a que tinham se proposto: contar a história da comunicação da humanidade a todos, também aos leigos no assunto. Contudo, acho que não precisavam serem tão minuciosos na descrição dos fatos históricos e técnicos.

O mundo é uma aldeia global e o meio é a mensagem, como disse Mc Luhan? Os autores da obra procuraram responder a essas questões, colocando exemplos concretos de que isso não é verdade. Porém, mostram as grandes mudanças sofridas pela sociedade com o advento, principalmente da televisão. Então, alguma coisa acontece fazendo com que as pessoas sejam diferentes e mudem – até totalmente – sua maneira de ser, independe do conteúdo da programação.

De maneira geral, também percebemos que as culturas locais vão se modificando. Questiono-me: até que ponto, a interferência de outra cultura pode se fazer processo de comunicação com a minha cultura? Até que ponto as pessoas se deixam influenciar pelo que se apresenta na mídia, criando hábitos de consumo mesmo quando não têm o padrão de vida suficiente para ser consumidora de determinado produto? Aqui, concordo com os autores quando dizem que as profundas desigualdades sociais impedem a maior ou menor inserção na vida multimedial do planteta.

É até engraçado mas a mídia molda a vida diária, de acordo com a teoria da ‘Agenda Set’ e os conceitos teóricos da ‘telerealidade’ apresentada por Enrico Carità. Muitas pessoas se deixam, de fato, influenciar por esses procedimentos. No entanto, eu acredito numa comunicação de grande valor social, onde as informações e notícias devam primar pelo bem social de uma localidade específica mesmo que mencionada e lida à luz de acontecimentos nacionais e internacionais.

* Resenha realizada em julho/1999.