Teoria da História e da cultura: crítica pós-colonial

No texto, estudos culturais e seu legado teórico, o autor jamaicano Stuart Hall inicia descrevendo entre outras coisas, a necessidade de se buscar nos arquivos para a melhor compreensão dos estudos culturais. Fica evidente logo no início que ele, Stuart Hall, Raymond Williams, Richard Hoggart entre outros daquela geração foram os pioneiros na elaboração dos estudos culturais. Uma das intenções do autor é fazer com que o tema seja refletido, debatido e consequentemente não se torne um clichê como tantos outros na área das ciências humanas. Hall argumenta que os estudos culturais são um discurso e como tal não devem ser elaborados com o intuito de torna-los algo definitivo, fechado e pronto para o uso em questões das humanas, pelo contrário, até mesmo por ser um discurso, deve ser debatido, questionado e tratado como algo vivo e em constante mutação assim como as sociedades o são. Para tal, ele argumenta que se a busca pelos estudos culturais encontrou uma resposta definitiva, esses estudos muito provavelmente não fazem mais o papel discursivo e questionador a respeito do tema.

Também é trazido ao debate as múltiplas formas de se analisar os estudos culturais, questiona-se se há uma regulamentação que torne os estudos culturais uma disciplina e uma das argumentações utilizadas é que os estudos culturais comporiam um “projeto aberto ao desconhecido, ao que não se consegue ainda nomear”. Hall enfatiza que os estudos culturais são muito complexos para fechá-los e defini-los como algo totalmente estabelecido. Até mesmo pelo fato de Hall citar no início do texto que os estudos culturais já viviam em autores anteriores e que eles vinham sendo discutidos de forma indireta por esses autores e que essas análises deveriam permanecer devido a importância do estudo das sociedades através da cultura, coisa que o marxismo tradicional não era capaz de fazer pelo simples fato de segundo ele, Marx não compreendia e não dava valor. No entanto ele não nega a importância do marxismo na elaboração da base de seu trabalho, ele, assim como pensadores da Nova Esquerda se apropriavam de muitas questões levantadas por Marx, porém, utilizavam-se de uma visão não eurocêntrica para estudar as sociedades.

Com a argumentação de que as teorias devem ser questionadas e de que uma teoria só é válida se puder ser questionada, do contrário é a mera utilização para se fundamentar argumentos que não teriam fundamentação se questionados mais a fundo, ele tece suas críticas ao estruturalismo e questiona tanto o estruturalismo de Althusser quanto o marxismo alegando que ambos não se encaixam com os estudos culturais. Hall traz ao debate também o filósofo italiano Antônio Gramsci, a crítica de Stuart Hall a Gramsci é de que o filósofo apenas abordou o assunto dos estudos culturais, porém, não os resolveu. Apesar de tudo, Hall argumenta que de todos os trabalhos realizados nessa área, o de Gramsci era o que mais se aproximava dos estudos culturais. O autor expressa a preocupação em que seja mal interpretado, uma vez que seus argumentos, segundo ele, aparentam ser “antiteóricos” e que haja tensão entre a teoria dos estudos culturais e a política, segundo ele essa tensão existe e deve continuar existindo, pelo simples fato de os estudos culturais existirem e nascerem de tensões sociais, políticas e econômicas, sendo assim, os estudos culturais devem conviver com essas tensões.

Uma das provas que ele dá sobre a dificuldade de se chegar a uma conclusão dos estudos culturais é a “explosão” do feminismo no período em que esses estudos estavam sendo produzidos. Segundo ele, o feminismo interrompeu esse processo de estudo devido as nuances de suas novidades e a intempestiva forma como se impôs no momento. Também ressalta sobre as questões de “raça” e da nova esquerda que naquele momento levantavam questionamentos novos a respeito das sociedades, suas crenças e seus costumes. Com isso ele demonstra de forma simples as dificuldades de se estudar algo “em movimento” e totalmente novo para a época. Um dos argumentos de Hall é que esses movimentos criam teorias e que essas teorias devem ser analisadas à luz do momento e que teoria não deve se sobrepor ao empirismo e nem o empirismo à teoria e mais uma vez ele volta a enfatizar que não é um “antiteórico”. No texto também é lembrada a contribuição da semiótica para a estruturação dos estudos culturais e em um certo momento ele tece uma reflexão sobre o pós-estruturalismo.

A importância em se buscar explicações nos estudos culturais está clara quando se lê o texto de Achille Mbembe; no texto o autor aborda a questão da descolonização da África e em suas primeiras linhas enfatiza que a colonização muitas vezes não foi feita apenas através de soldados e armamentos, e sim, de uma forma que através de saberes, não se praticava uma violência física, mas era como se o fosse. Com isso lembra-se o texto de Stuart Hall, que põe em xeque o marxismo tradicional e traz à luz dos estudos o debate que ocorreu na África pós descolonização. Nessa busca por explicações que os estudiosos da África pós-colonial empreenderam, assim como nos estudos culturais de Hall, buscou-se uma revisão e uma leitura criteriosa do marxismo. Com essas críticas ao marxismo e uma busca distanciada do padrão eurocêntrico pôde-se ampliar a visão e enxergar uma África que se libertava através das artes, de sua cultura e de uma busca no interior de seus ancestrais, criando assim uma estética que ao mesmo tempo que é bela, mas também crítica e busca a libertação do continente.

Com essa colonização que não é feita apenas pela coerção, propõe-se na era pós-colonial uma atitude que não seja apenas econômica, mas também humana e cultural. Mbembe alerta para a necessidade de a Europa reconhecer a alteridade e afirma haver uma heterogeneidade no continente africano, heterogeneidade essa que os europeus não reconhecem de bom grado, mas apenas através da luta por parte dos africanos. Luta essa que deve ser buscada através de uma cultura questionadora e para que se alcance esse objetivo deve-se lançar mão de diversos instrumentos, entre eles a literatura. No texto encontra-se uma crítica ao humanismo europeu e coloca-se em dúvida se a eficácia desse humanismo seria válida para todo o mundo. Nesse humanismo segundo o texto não há o reconhecimento da alteridade, não há uma preocupação com a complexidade e consequentemente com a heterogeneidade tanto na África quanto no mundo. Com essas críticas, enfatiza-se a necessidade de um novo humanismo e a busca da África por um humanismo a partir dela e não apenas um humanismo encaixado a força sem se buscar a peculiaridade de cada povo e cada indivíduo.

No texto Identidade cultural na pós modernidade, Stuart Hall comenta sobre a globalização e a pós modernidade. Sobre a globalização ele enfatiza que o espaço-tempo sofre alterações extremamente importantes, ao ponto de se alterar toda a forma da convivência humana e as relações interpessoais. No texto menciona-se o advento do transporte, da telecomunicação e o impacto que o espaço e o tempo sofrem diante dessas alterações. É falado sobre as modificações que a globalização causa à cultura e a importância de se buscar um “meio termo“ diante desses acontecimentos. Assim como no texto de Mbembe, o texto de Hall também lembra a importância de se buscar a alteridade e quais as consequências de se viver um pensamento que não analise sobre esses temas. Ele lembra que cada vez mais a identidade nacional está sendo discutida e que através dessa discussão deve-se buscar compreender esse fenômeno e conviver com ele, já que não se pode e não se deve buscar uma involução. Argumenta que no mundo atual há fronteiras dissolvidas e continuidades rompidas.

Os três textos abordam de forma hora direta, hora indireta, questões como: cultura, etnia, gênero, pós-modernidade, alteridade entre outros. Os textos questionam desde o eurocentrismo até se a globalização é uma coisa que se deve ou não se temer. Todos os textos têm uma visão que busca sair do eurocentrismo, da “verdade” ocidental e das verdades até há pouco consideradas inquestionáveis, sejam essas verdades sobre cultura, economia ou qualquer outra verdade colocada sobre um “altar” e exaltada como única. Aborda também a busca da África por um reconhecimento de uma cultura em pé de igualdade com as demais culturas, fala-se da importância de na pós-modernidade e diante da pós colonização africanas, de se buscar uma independência não apenas financeira, mas também cultural e libertadora para esse continente que é rico não só em cultura, mas também em riquezas materiais.

Referências:

HALL, Stuart. Identidade Cultural na Pós-Modernidade.7ºed.Rio de Janeiro: DP&A, 2003.

HALL, Stuart. .Da Diáspora: identidades e mediações culturais. Org. Liv Sovik. Belo Horizonte: Editora UFMG, Brasília: Representação da UNESCO no Brasil, 2006.

MBEMBE, Achille. Sair da grande noite: Ensaio sobre a África descolonizada.Trajectórias de uma vida e Abertura do mundo e ascensão da humanidade, Portugal/Pedago-Mulemba/Angola, 2014.

ronaldo moraes
Enviado por ronaldo moraes em 22/04/2018
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