Mindhunter - a biografia de John Dougals: o homem cujo trabalho inspirou Hannibal e as séries Mindhunter e Unabomber

Após assistir a série (que se tornou uma das minhas favoritas) decidi comprar o livro. Na empolgação nem me dei conta de que tipo de livro é - comprei na expectativa de ser um romance, ou ao menos bem romanceado. Ledo engano. É uma mistura de biografia e livro de ensaios. Mais ou menos como se o Charles Duhig escrevesse ‘O Poder do Hábito’ através de suas vivências.

O que torna a vida do John Douglas memorável é o seu trabalho criando perfis de criminosos. A partir deles o FBI refina sua procura por suspeitos, como consequência a resolução de crimes aumenta muito. John Douglas esteve na gênese deste modo de trabalhar, sua contribuição foi tal justificou a criação de um departamento no FBI apenas para traçar perfis. Sua carreira é tão impressionante que diversos filmes e séries foram baseadas em seu trabalho. O primeiro deles foi tremendo sucesso ‘Hannibal’. Atualmente as séries ‘Mindhunter’ e ‘Unabomber’ foram criadas inspiradas na vida pessoal do John Douglas.

Em sua infância John era bem medíocre na escola. Apesar de seu desinteresse acadêmico conseguia algum apoio dos pais dizendo que seria um veterinário. A área em que ia melhor (mas não a ponto de virar profissional) era a dos esportes. Gostava de futebol americano e de baseball. Na prática destes esportes aprendeu a superar adversários mais fortes que ele através de manipulação psicológica. O caso emblemático é a do seu time de futebol - chegou à final contra um time com mais tradição e com jogadores mais fortes e pesados. No aquecimento o time de John se embatia fortemente, dando duros golpes sem misericórdia. Tais golpes foram arduamente ensaiados em aulas de judô para que parecessem muito ofensivos quando, na verdade, eram apenas teatro. Seus adversários pensavam “Se eles fazem isto com eles mesmos, o que farão conosco?”. O time de John acabou campeão.

Após se formar no segundo grau a vida de John seguiu medíocre, serviu no exército, mas deu um jeito de trabalhar no clube de oficiais (carregando tacos de golfe). A época da faculdade de diversão e farra, foi preso duas vezes por pequenos delitos (beber e dirigir e fugir da polícia). Ou seja, tudo ia de medíocre a abaixo de medíocre. Até que na acadêmia em que fazia musculação se tornou amigo de um agente do FBI que o convenceu a entrar na corporação. John fez uma dieta forte (para reduzir o peso a um que o FBI aceitasse) e, aparentemente sem dificuldades ingressou no corporação. Me pergunto se alguém assim conseguiria, aqui no Brasil, entrar na polícia federal….

No FBI achou seu rumo. Nas operações ia bem, era um bom atirador e - como a maioria dos jovens - tinha as portas abertas para diversos caminhos. Surpreendentemente escolheu um caminho completamente desprestigiado, o das ciências comportamentais. Uma escolha estranha. Se observarmos sua (até então) curta biografia a escolha faz sentido. A cada momento - seja nos esportes, seja nos nos bicos que arrumou - se valeu de leitura das pessoas ao redor para conseguir um desempenho melhor. Ler as pessoas era algo de seu interesse, a despeito de sua profissão atual. John fala de uma conversa que teve com uma pessoa que ele prendeu, um apostador:

Um cara esperto como você não teria dificuldade em ganhar a vida de maneira lícita.

Ele balançou a cabeça, como se eu não tivesse entendido. Estava chovendo mais forte. Ele olhou para o lado, desviando a minha atenção para a janela do carro.

Está vendo aquelas gostas de chuva - Ele apontou. - Aposto que a da esquerda chegará à parte de baixo do vidro antes que a da direita. Não precisamos do Super Bowl. Tudo o que precisamos é de duas pequenas gotas de chuva. Você não pode nos deter, John, não importa o que faça. É isso que somos.

Esta conversa é reveladora. John Douglas passa a acreditar que há algo no “psiquismo de um criminoso” que o leva a fazer as coisas de determinada maneira. Talvez haja algo “no psiquismo” de John Douglas que o levaria, de qualquer modo, a usar seu interesse investigativo da psique humana ao longo da vida. Se não tivesse entrado no FBI esta habilidade não se desenvolveria sistematicamente, talvez ficasse apenas a serviço de seus interesses pessoais. Mas esta habilidade estaria lá, inerente ao seu próprio ser. John teve a capacidade e a coragem de focar em seus interesses. Mas também teve a sorte de entrar em um trabalho que possibilitou seu aprimoramento. Quantos de nós exercitamos nossas potencialidades? Quanto este exercício depende de nossas escolhas, quanto é fruto das possibilidades que o mundo nos apresenta?

O FBI era muito cético em relação à psicologia, em sua visão apenas provas forenses (as evidências físicas do crime) levaria à resolução de crimes. Os crimes extremamente violentos eram explicados por “loucura”. Anos mais tarde John Douglas alcançara uma precisão incrível na elaboração de perfis: “É um homem branco, de 28 a 33 anos, QI médio para alto, dirige um fusca, serviu no exército mas foi abandonou, mora com a mãe e - muito importante - é gago.” Apenas pelo esperma na cena do crime John Douglas auferia se o criminoso era uma pessoa organizada ou não. Isso só é possível porque os criminosos são guiados por motivações e John conseguia se colocar no lugar dos assassinos seriais. Talvez eles sejam doentes. Mas, em alguma medida, são como todos nós: respondem a motivações.

A história de Edmund Kemper é bem ilustrativa deste dilema. Um homem alto, gordo, simpático e extremamente inteligente. Estuprou e matou diversas mulheres bonitas de uma universidade. Chegou a conversar com um policial com um cadáver de uma delas no carro, ele foi tão simpático que o policial nem revistou o carro. Um determinado dia matou a mãe, arrancou a cabeça e penetrou seu pescoço com seu pênis. Depois ligou para a polícia para se entregar. Os policiais o conheciam e não acreditavam que ele poderia ser o autor dos crimes.

A mãe de Ed Kemper trabalhava na universidade. A análise do John Douglas é de que todos os assassinatos que Ed cometeu no campus eram ataques simbólicos à mãe. Após matar a mãe sua série de assassinatos perderam o sentido e ele se entregou. Ao longo de sua juventude sua mãe o prendia no porão à noite (com medo de que ele atacasse sua irmã). Todo dia dizia que as belas moças da faculdade nunca se interessariam por ele. Ed gostaria de ter morado com o pai, mas seu pai o recusou. Cresceu neste ambiente aterrador. Será que se tivesse tido uma infância saudável com uma família carinhosa teria se tornado um assassino serial? Será que a psicopatia homicida desenvolvida em um ambiente ou é inerente ao homem? Será que o verme nasce com a criança ou a criança o pega ao brincar em esgotos a céu aberto?

No livro John Douglas diz que todos os assassinos em série tiveram uma infância extremamente difícil. O que nos leva a outro problema: se os assassinos seriais são um produto de seu meio, é justo prendê-los? John Douglas é a favor da pena de morte. Ele ficou muito sentido ao ver diversos crimes bárbaros cometidos por pessoas que - segundo ele - nunca deveriam ter saído da prisão. Se levarmos em conta a história que cada um destes assassinos viveu, creio que uma pena dura é injusta. As pessoas são produto de seu meio. Por isto John Douglas não fala em justiça, ele lança o conceito de periculosidade. Não importa se é justo ou não - ter um assassino em série solto representa um grande perigo. Tê-los nas ruas é assumir o risco de voltarem a cometer seus bárbaros crimes.

John Douglas demorou a achar o norte de sua vida. Começou como estudante medíocre, como jovem que deixava a vida o levar - ao invés de traçar seu próprio rumo. Um evento fortuito mudou tudo: um amigo da musculação o convence a entrar no FBI. Na instituição virou um bom profissional. Mais importante ainda: passou a segurar o leme de sua vida. Seu rumo foi o que o interessava, apesar de ser o menos prestigiado: foi para as ciências comportamentais. As milhares de investigações a qual participou foram a oportunidade para aperfeiçoar sistematicamente suas habilidades. O FBI também o permitiu se aprofundar na academia (virou doutor).

Como a sociedade deve se comportar com assassinos em série? Quando John Douglas entrou no FBI eles eram vistos como doidos. Dessa forma os policiais se eximiam de procurar uma motivação para seus crimes. John mostrou que é possível se colocar no lugar dos assassinos seriais e entender suas motivações (e assim achar o perfil de quem cometeu os crimes). Entretanto, John Douglas percebe que todos os assassinos seriais viveram em famílias extremamente conturbadas. Ou seja, a psicopatia homicida é tanto produto do meio como doenças a que estão sujeitas as crianças que vivem em ambiente insalubre. Sendo os psicopatas vítimas não é justo puni-los. John propõe outro conceito, a periculosidade. Mesmo sendo injusto os psicopatas nunca devem ser soltos, pois são extremamente perigosos.

Creio que as opiniões de John - uma pessoa que dedicou sua vida ao estudo de psicopatas - devem ser levadas a sério. Especialmente esta: a maneira efetiva evitar os assassinos seriais é dando boa educação e boa estrutura às famílias.

Chico Acioli Gollo
Enviado por Chico Acioli Gollo em 05/05/2018
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