O retrato do Sertão severino

Morte e Vida Severina, poema do escritor pernambucano João Cabral de Melo Neto, pode ser considerado um marco na poesia brasileira. Autor da chamada Geração de 45, João tornou-se publica sua grande admiração por escritores regionalistas da Geração de 30, especificamente, por Graciliano Ramos. Podemos perceber claramente essa influência no poema em questão: como nos textos de Graciliano, a história narra as dificuldade e privações de uma pessoa que mora no sertão nordestino.

No início da poesia somos apresentados à voz desta: Severino, um morador do interior do Nordeste. Como no Sertão há tantos Severinos, o personagem mostra certa dificuldade em especificar quem realmente é. Ao longo desta apresentação, vai além e afirma que Severino é muito mais que um nome, é uma situação em que se encontram as pessoas da região, que vivem na mais extrema miséria. “Severino” passa de nome próprio a adjetivo: não existem pessoas com este nome, há, na verdade, pessoas Severinas. Estas que enfrentam a fome, têm pouca perspectiva de vida e a cada dia enfrentam uma batalha pela sobrevivência.

Como muitos da região, Severino resolve migrar para o litoral do Nordeste, especificamente para o Recife. Logo no início de sua jornada encara o primeiro de muitos defuntos que iria encontrar: o Severino Lavrador. Nessa passagem, o autor retrata os assassinatos de lavradores por posses de terra, crime muito comum entre coronéis. Podemos ver aí claramente a realidade nordestina, junto com os fatores que João Cabral expõe e reafirma: a morte passa a ser uma festividade, uma vez que só com esta é que os retirantes e sertanistas podem descansar da vida tão sofrida que levavam. Outro fato ligado à morte era o serviço existente nos arredores. Em uma parada para descanso, Severino resolve procurar algum trabalho e logo se informa com uma senhora, perguntados quais eram as oportunidades ali. Mesmo lidando muito bem com as terras mais áridas, o retirante não consegue tarefa alguma, pois as únicas lá existentes eram as de velar defuntos, rezar nos velórios e cadáveres encomendar, tamanha a freqüência de mortes matadas (em emboscadas) e morridas (as de velhice antes dos 30), que acaba virando um comércio muito lucrativo.

Sua jornada é repleta de indagações, devaneios e críticas. Um momento interessante dela é quando Severino chega à Zona da Mata, onde encontra terra macia e água abundante. Achou que aquele lugar era tão favorável que não era preciso tanto esforço no trabalho. Mais tarde descobriria que essa concepção é totalmente errônea, pois ali é realizado o trabalho do corte de cana, um dos processos mais desgastantes que existe. É aí também que vemos que, apesar das diferenças físicas, as áreas do Nordeste são de situações iguais: tanto na Caatinga quanto na Zona da Mata a miséria reina e o trabalho é exaustivo. A partir disso pode-se imaginar a confusão em que se encontram as idéias do retirante. O que fazer, continuar e viver nas mais precárias condições, como no Sertão? Nesta parte se encontra o auge do texto: a difícil decisão, o balanço do que iria ganhar ou perder e até idéias extremas de solução. A resolução desses conflitos se dará por um acontecimento, no mínimo, emocionante e divino. A mensagem que fica é a de esperança, de sentimentos de vida há muito esquecidos por tantas pessoas severinas.

A construção dos versos de João Cabral é peculiar por definir a imagem, explicar por meio de comparação alguns fatos e defender com argumentos suas idéias. Ao contrário do que muitos pensam, Morte e Vida Severina não é de cunho político. O autor muitas vezes declarou que sua área não é a arte engajada, e sim a poesia pura. Seu único objetivo era o de mostrar a miséria que havia no Nordeste. Cabia aos políticos cumprirem seu papel. Resumidamente, João mostrou que com metáforas inusitadas e mistura de tons e ritmo de poesia popular é capaz de se construir com palavras o mais belo monumento da literatura brasileira.

Gabriela Gusman
Enviado por Gabriela Gusman em 12/09/2007
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