Diário das minhas leituras/9

31/10/2018 – MARAVILHAS DO CONTO INGLÊS

Chamaram-me a atenção na coletânea “Maravilhas do conto inglês” os contos que tratam de "encontros" e "confrontos" entre dois personagens. Assim é "Uma guarda avançada do progresso", de Joseph Conrad, "O vermelho", de Somerset Maugham, o impressionante "O oficial prussiano", de D. H. Lawrence e, o melhor de todos, "Markheim," de Robert Louis Stevenson, em que o "outro" representa a sua própria consciência. Há ainda um divertido conto do Dickens, um interessante conto do Walter Scott e um magnífico conto de terror do W. W. Jacobs, entre aqueles de que mais gostei. Tem também um conto do Joyce, "Um bazar", meu primeiro contato com o autor. A Katherine Mansfield também participa, já que a Nova Zelândia era colônia inglesa. Também aparecem contos de Agatha Christie e Edgar Wallace, mas lamentavelmente não há nenhum conto do Conan Doyle. Senti também a ausência da Jane Austen e das irmãs Brontë, mas eu não saberia dizer se elas chegaram a escrever contos.

01/11/2018 – BALZAC

Dos 11 contos de “Os Melhores contos de Balzac”, pareceu-me que apenas "A mensagem", "A missa do ateu", "Pedro Grassou" e "Facino Cane" são a um só tempo inteligíveis e agradáveis. Têm argumentos interessantes e valem a leitura. Há ainda "A Grenadiére", que seria o melhor conto do livro, se não fosse pelo aborrecido e desnecessário "nariz de cera" que abre o conto e não contribui em nada para o seu desenvolvimento. Tirando isso, é um bom drama e termina muito bem. "A mulher abandonada" talvez também seja inteligível, mas não me pareceu muito agradável com todos aqueles exageros do Romantismo, sem falar naqueles costumes aristocráticos e, naturalmente, na linguagem empolada. Os demais contos me pareceram tanto chatos como ininteligíveis, se não do começo ao fim, pelo menos na maior parte do tempo. Há contos como o "O xale de Selim" e, principalmente, "A paz do lar", que beiram o insuportável. Esse último, que fecha o livro, eu abandonei, coisa que não costumo fazer, tão irritado fiquei com a futilidade dos romances e intrigas de salão, descritos em um estilo que também não facilitava nem um pouco o prazer de ler. Vejo pela biografia do Balzac que ele era meio grandiloquente, queria ser o Napoleão das penas, não via sentido em viver se não fosse para fazer uma coisa grande. Eu, no entanto, estou com Drummond, que disse: "Ninguém precisa ser grande em nada, uma vez que cultive uma coisa bonita na vida". Cogitava empreender a leitura dos 17 volumes de A Comédia Humana. Agora não mais.

04/11/2018 – MAR DE HISTÓRIAS

O volume 6 de “Mar de histórias” é interessante como todos os demais da coleção, mas não há um conto que se sobressaia sobre os demais. O destaque fica por conta do Conan Doyle e seu Sherlock. Sempre gostei do Sherlock, mas lendo agora, em meio a um ano em que eu estou lendo apenas contos, eu pude ver como ele realmente é bom. Talvez não tenha a profundidade de altos nomes da literatura, mas é um texto que se lê com avidez de se chegar ao desfecho. Acho que vou reler um livro de contos só dele, até para fazer uma maior avaliação. Nesse livro, o conto escolhido dele foi “O amanuense do corretor”. Outro ponto alto do livro é o Thomas Hardy com “O hussardo melancólico da Legião Alemão”. Ah sim, esse livro contempla também o Gorki, que tem dois contos, sendo um deles “Vinte e seis e uma”, que talvez seja o melhor conto do livro, mas que eu não li neste momento porque já o fiz no começo do ano. Quem se saiu bem também foi o Arthur Azevedo, com “Plebiscito”. Como esse é o segundo conto do Arthur Azevedo que leio e gosto, pretendo ler um livro só de contos nele no ano que vem. Há ainda a Selma Lägerlof, que tem dois bonitos contos. Eu devo ler um livro de contos só dela muito em breve. Também há um conto do Henry James, “Brooksmith”, meu primeiro contato com o homem. Achei que seria difícil de lê-lo, mas até que não foi tanto assim. Há um conto do Kipling, que está conseguindo a proeza de me desagradar com todos os contos que já li dele. No mais, há umas figuras um tanto obscuras, mas é legal conhecê-las, apesar de nenhuma ter me chamado muito a atenção. Nesse livro se torna mais evidente que a proposta de divisão dos volumes, feita pelo Aurélio Buarque de Holanda e o Paulo Rónai, não é a mais indicada. Se nos primeiros livros podíamos acompanhar a evolução das escolas literárias, agora, neste volume, o período abrangido se chama “Caminhos cruzados”, ou seja, um critério completamente subjetivo. Por mais que as fronteiras se modificassem bastante, e por mais que as literaturas tenham muito em comum entre si, considero muito mais satisfatória a divisão por nacionalidades que foi feita, por exemplo, pela maravilhosa coleção “Maravilhas do Conto”. Parece-me também que os dois organizadores são bastante desiguais nos comentários acerca dos autores, pois alguns merecem bem mais páginas do que os outros. O ideal seria que houvesse algum equilíbrio nesses comentários. Como no “Maravilhas do conto”.

05/11/2018 – CARSON MCCULLERS

Li “A Balada do Café Triste”. O Caio Fernando Abreu destaca no prefácio o "perdão" como a atitude que a Carson McCullers tem diante dos personagens e eu acho que é isso mesmo. Há uma grande compreensão e um grande perdão para todas as deformidades físicas e morais. Embora tenha gostado dos contos, esse livro não ocupa o mesmo lugar no meu coração que a sua obra-prima de estreia, o incrível “O coração é um caçador solitário”. Como ela conseguiu escrever aquilo tão jovem?

06/11/2018 – GULLIVER – JONATHAN SWIFT

"Quem quer que fosse capaz de fazer duas espigas de milho, ou duas folhas de grama, brotarem onde antes só brotava uma merecia mais da humanidade e prestaria um melhor serviço a seu país, do que toda a raça dos políticos junta" (O rei de Brobdingnag, em "As viagens de Gulliver", de 1726).

06/11/2018 – LEONID ANDREIEV

Gente do céu, que escritor é esse. Quando a gente pensa em literatura russa, lembra do Dostoievski, do Tolstoi, do Tchékhov, se for um pouco mais envolvido lembra do Puchkin, do Gógol, do Gorki, mas e do Andreiev, quem se lembra? E, no entanto, que escritor formidável. Falo isso mesmo tendo lido apenas três contos até agora. Mas foram três contos tão arrebatadores, e eu gostei tanto de todos eles, que não há outra conclusão possível: o homem era realmente muito bom. Há alguns meses eu havia gostado muito de “A conversão do diabo”, presente em “Maravilhas do Conto Russo”. Hoje eu adorei “Lázaro”, uma grata surpresa do até então enfadonho “Maravilhas do Conto Bíblico”. Gostei tanto dos dois contos que resolvi ir atrás do que existia de publicação no Brasil dele, mas eu logo vi que seria muito difícil conseguir um livro de contos só dele. Felizmente, há muita coisa disponível na Internet e então eu resolvi ler o conto “Silêncio”. Ora, mas esse foi ainda melhor! De fato, o drama do sacerdote cuja filha se suicida se tornou o meu favorito dos três contos que li dele. Pretendo ler mais contos dele na Internet, já que é difícil encontrar livros. Não gosto muito de ler pelo computador, mas é o tipo de escritor que compensa. Andreiev e Garshin são dois russos formidáveis que ainda não são celebrados como merecem.

07/11/2018 – CONTOS BÍBLICOS

Apesar do que o nome pode sugerir, a coletânea “Maravilhas do Conto Bíblico” não reúne apenas textos de teor literário tirados da Bíblia. De lá, existem apenas a famigerada história de Sansão e a narrativa do filho pródigo. De resto, o que há são escritores se inspirando nas histórias bíblicas para desenvolver uma nova trama, essencialmente literária. Ocorre que em boa parte do livro os escritores fizeram contos que ressaltam o caráter sobrenatural atribuído a Jesus e à mensagem que vaio trazer ao mundo. Vemos, por exemplo, vários contos relacionados aos três reis magos e todos são consonantes com a mensagem do Evangelho. Ora, o problema é que, ao meramente endossar a mensagem cristã, apenas esmiuçando um detalhe não explorado pela narrativa bíblica, fica-se com a impressão de que, nem de longe, tais contos alcançam a mesma beleza e o mesmo vigor do próprio relato em que se inspiraram. De fato, se é para ficar maravilhado com o poder de Jesus, muito melhor é ler os próprios Evangelhos. O livro segue nesse ritmo por um bom tanto, até chegar ao maravilhoso conto “Lázaro”, de Leonidas Andreiev, em que o autor retrata o que sucedeu ao homem que Jesus ressuscitou, sem que para isso tenha sido necessário usar nenhum tipo de apologia ao cristianismo. É um conto original e muito bem escrito que muito me agradou. Depois há um continho do Paulo Mendes Campos também relacionado a Lázaro e que, como o conto de Andreiev, não é usado para apenas reforçar a mensagem que já está dada na Bíblia. Na sequência vem “Herodíade”, de Flaubert, que também é eminentemente literário, sem preocupações apologéticas, mas que, honestamente, eu não tive muita paciência na leitura, pra mim um tanto enfadonha (não é culpa do Flaubert, sou eu que não consigo alcançá-lo). Depois há um inesperado conto do Poe que se passa em Jerusalém, mais uma curiosa história de Simão, o Cirineu, feita por Giovanni Papini, e ainda um conto de Edward Thompson que se propõe a contar a história do julgamento de Jesus, mas sem acrescentar nada de significativo que tornasse essa leitura mais interessante do que o próprio relato dos evangelistas. Por fim, “Jesus Cristo em Flandres”, do Balzac, também um conto de tom sobrenatural, mas interessante.

08/11/2018 – CAMPOS DE CARVALHO

Do fantástico “A lua vem da Ásia”, romance surrealista do Campos de Carvalho, colhi essa: "Se você chama um avestruz de pássaro, está implicitamente fazendo-lhe o maior dos elogios, e ele lhe ficará eternamente grato por isso. (E, para ser sincero, não é mais justo que se chame de pássaro ao avestruz, em vez do gavião ou da águia, que envergonham a espécie e mereciam antes ser humanos?)".

09/11/2018 – GULLIVER – JONATHAN SWIFT

Excerto: "É importante também observar que esse grupo possui um canto e um jargão próprios, que nenhum outro mortal pode compreender, e onde estão escritas todas as leis, e que eles se empenham especialmente para multiplicar, e por meio disso conseguem confundir a própria essência da verdade e da falsidade, do certo e do errado: de forma que levarão trinta anos para decidir se o campo deixado por meus ancestrais para mim há seis gerações pertence a mim ou a um estrangeiro que mora a quinhentos quilômetros de distância".

10/11/2018 – ALPHONSE DAUDET

Descobri um parente espiritual do Rubem Braga. O francês Alphonse Daudet, em "Cartas do meu moinho", compartilha da mesma visão melancólica sobre a vida e uma relação profunda com a natureza. Seus continhos são muito bonitos. O livro tem uma unidade muito interessante. O autor faz de conta que comprou um moinho na Provença, interior da França, e se põe a contar historietas daquela gente simples. Há, por exemplo, “O segredo de mestre Cornille”, a história do dono de um moinho de vento que ficou sem trabalho depois que surgiram moinhos a vapor, mas se recusava a aceitar isso e então continua girando o moinho, fingindo que ainda havia algo para moer. Depois ele seguia com o seu burrico pela cidade levando sacos que dizia ser de farinha, mas era apenas areia. Tudo porque ele não podia viver sem aquele moinho. São todos textos muito sensíveis e humanos. Reencontrei no livro “Os velhos” e achei que é ainda melhor do que eu tinha achado da primeira vez. É muito bonita a história da visita que o personagem faz aos avós de um amigo e de como é tratado por eles com toda a reverência do mundo, muito embora nem sempre eles acertassem nos meios de agradá-lo. Reli também “O elixir do Padre Gaucher”, que fica mais interessante quando cercado por outros textos do mesmo estilo. Esse conto não faria feio no meio do “Decameron”. São 23 contos e acho que posso dizer que gostei, no mínimo, de 18. Teve alguns mais difíceis, no final do livro, mas o saldo ainda é muito positivo para o autor. Destaco também o texto “Baladas em prosa”, que conta duas historietas liricamente esplêndidas. Há contos que têm muita graça, como “A mula do Papa”, outros que registram tragédias, como “A arlesiana”. Alguns contos não são de episódios na Provença, mas de lembranças que ocorreram ao personagem-autor enquanto estava no seu moinho. Histórias de mar como “O naufrágio do “Sémillante” são estupendas e estão entre as que o velho Braga certamente endossaria. Esses contos lembram mesmo o tom de uma crônica, mas, ao que se imagina, elas tratam mais de um personagem do que autor, embora, naturalmente, façam referências a episódios vividos realmente por ele. Lembram o Braga de “Crônicas da guerra na Itália”, que não é um livro muito famoso dele, mas é um dos mais bonitos. Mas há também um conto chamado “Laranjas”, que trata sobre as ditas cujas, e que poderia muito bem ter sido escrito pelo Braga em outras fases. Fui ver se Daudet e Braga tiveram alguma relação mesmo, e descobri que o Braga fez uma adaptação de “Tartarin de Tarascon”. Enfim, gostei do homem e pode ser que, no ano que vem, eu leia mais contos dele.

Henrique Fendrich
Enviado por Henrique Fendrich em 10/11/2018
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