Resenha: O Presidente Negro, de Monteiro Lobato (Canal do Youtube: O Livro da vez por David Thomas)

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Informações técnicas da obra:

• Título da Obra: O Presidente Negro, contudo no princípio chama-se O Choque das Raças;

• Autor/Autora da obra: José Bento Renato Monteiro Lobato;

• Editora da Obra: Editora Globo;

• Data de publicação: 1926;

Espírito/ Essência da obra:

• Gênero textual: Ficção científica (Único romance do autor);

• Escola Literário/Período literário: O Romance foi publicado dentro do período Modernista, apesar do autor olhar com grande desconfiança as ideias dessa escola literárias e das Artes em geral. Portanto ele é considerado um escritor Pré-modernista por conta de sua completa rejeição a esse movimento;

• Ambiente físico e temporal da obra: Parte do enredo passa no Rio de Janeiro, mas a maior parte acontece mesmo nos EUA no futuro, exatamente no ano de 2228;

• Tipo de narrador: Narrador-Personagem.

Logo no início da narrativa, já vemos o protagonista Ayrton Lobo, um simples trabalhador de uma empresa chamada Sá, Pato & Cia num diálogo muito curioso com um conhecido na página 23. Um dos sonhos desse personagem é a aquisição de um carro, pois segundo ele isso o tornaria superior e faria com que saísse da classe dos pedestres, coisa que para ele após adquirir o veículo é vil, digna de desprezo e que não tem a menor importância na vida. Porém um dia seus patrões pedem para fazer um serviço numa região distante e de difícil acesso e obviamente Ayrton decide ir com seu carro. No caminho sofre um acidente que faz com que perca o veículo e isso para ele é pior do que perder um membro, coisa que ele mesmo declara ao dizer que preferiria ter perdido um braço. O protagonista é salvo pelo cientista e professor Benson, senhor que mora com sua filha, Miss Jane (personagem essa que é o alter ego de Lobato, como uma Emília já crescida). Como a visão que a sociedade tinha dele já havia mudado um pouco por conta desse carro e consequentemente o tratamento que ele recebia, voltar para a cidade sem o veículo significava a perda dessa imagem social tanto do outro, mas mais ainda a visão que Ayrton havia adotado a respeito de si mesmo. Por isso ele pede ao professor Benson que permita que permaneça em sua residência e que lhe ofereça um serviço qualquer. O Professor permite que ele fique, desde que aceite ser seu confidente. Quando Ayrton Lobo conhece a residência e os arredores do Professor Benson no capítulo 2, ele tem um momento epifânico e se encanta com toda a natureza do local e percebe o quanto a cidade grande havia empobrecido sua visão de mundo, fazendo-o ver somente as maravilhas que o universo capitalista nos proporciona a adquirir e não ver coisas simples e encantadoras, como o canto de um pássaro por exemplo. O Professor Benson lhe apresenta uma de suas invenções: O Porviroscópio, criação essa que fascina os olhos de Ayrton e que tem a capacidade de fazer com que a pessoa consiga vislumbrar os acontecimentos do passado, presente e do próprio futuro, permitindo fazer uma viagem no tempo que a pessoa desejar. Miss Jane prefere usar o Porviroscópio para visualizar o passado muito mais do que o presente. O professor Benson e sua filha utilizam para fins econômicos o aparelho para fazê-los ganhar no jogo e assim tirarem seu sustento e dar andamento aos seus estudos. Contudo não utilizam para enriquecimento próprio. Para eles a riqueza material é uma futilidade diante da descoberta que têm em suas mãos. O porviroscópio reproduz tanto visualmente quanto por áudio. Contudo ele consegue alcançar acontecimentos até o ano de 3527. O professor Benson morre de velhice e com ele destrói tanto o Porviroscópio quanto todo seu estudo ensinando como contruí-lo. Percebemos o quão ambicioso/capitalista o ser humano é através dos pensamentos que Ayrton Lobo faz sobre as possibilidades de enriquecer utilizando o Porviroscópio, mesmo depois de todas as reflexões que ele já havia feito no que se refere ao capital. Após a morte do pai, Miss Jane começa a narrar uma América nos anos 2228 no qual estará ocorrendo uma eleição presidencial entre três candidatos antagônicos: Kerlog, um candidato branco e até então o atual Presidente; Evelyn Astor, uma feminista e por último Jim Roy, um candidato negro. Não esquecendo que na narrativa encontrava-se os EUA num momento que o racismo era algo natural na vida de todos e o repúdio ao negro não somente aceitável, como obrigatório por parte dos brancos. Tanto que segundo os acontecimentos do livro ocorria um verdadeiro processo de branqueamento dos negros. O Negro nessa América de 2228 perturbava a felicidade nacional. Ideologias Eugenistas controlavam essa sociedade distópica. Miss Jane passa para Ayrton Lobo uma imagem futurista do negro como uma ameaça aos brancos e por conta dessa ameaça, ideias de um controle social e de natalidade começaram a ser levantadas. Nessa sociedade não basta nascer e sim deveria nascer “bem”, pois a miscigenação poderia afetar terrivelmente as gerações futuras, ainda mais com uma “raça” negra que a cada dia crescia nessa América mais e mais. O que não podemos deixar de falar é que mesmo sendo esse livro uma ficção científica, a Eugemonia era algo que Monteiro Lobato de fato compartilhava.

Ficava claro que o negro precisava ser extinto, portanto há alguns aspectos curiosos que aconteciam nessa sociedade de 2228, tais como:

• Baseando-se em ideias eugenistas, os casais passavam por um determinado controle do governo que não os proibia de casar, mas os proibia de ter filhos. Para ter filhos eles precisavam passar por um exame governamental que garantiriam que essa criança seria um “Bem nascido”. Garantindo assim que o crescimento populacional negro fosse aos poucos extinto. Página 160;

• Os casais que obtinham essa autorização eram bem vistos e até mesmo invejados. Pois do fruto deles dependia o futuro da nação americana e também da própria humanidade;

• O Negro era obrigado a passar por um processo de branqueamento da pele e no final do romance criam também um processo de alisamento dos cabelos. Contudo logo chega ao conhecimento de todos que mais do que o alisamento, esse processo consistia na desfertilização do homem negro, evitando assim que continuasse a se reproduzir e contaminar a sociedade americana;

• Os casais americanos de 2228 também eram obrigados de tempos em tempos a tirar férias uns dos outros. Chegando ser cômico o fato de justamente com essa medida, o número de divórcios diminuir.

Jim Roy, o candidato negro ganha as eleições e isso causa mudanças enormes em toda a estrutura dessa sociedade. Podemos começar com o pânico do governo atual, Kerlog; mas também das mudanças ideológicas imediatas que ocorrem nas feministas que podemos constatar na página 139, pois assim que Kerlog é eleito, as feministas reconhecem imediatamente que são subordinadas ao sexo masculino por natureza e vão até mesmo pedir perdão ao Presidente branco Kerlog para se unirem a ele contra o negro. Assassinado pelo então presidente Kerlog, Jim Roy se quer chega a tomar posse do cargo. O mais curioso é que após dez anos desse evento, os americanos ergueriam um monumento agradecendo o criador do método alisante que pôs fim a raça negra. O romance termina então com Ayrton Lobo confessando seu amor a Miss Jane e beijando-a.

Aspectos externos e influênciadores da obra:

• Contexto histórico:

1. Sabe-se que O Presidente Negro foi inspirado no escritor Britânico Herbert George Wells. Escritor esse que Monteiro Lobato chegou até traduzi-lo para nossa língua;

2. Houve no início do século XX um médico que defendia a Eugenia (A Eugenia é a ciência da boa geração dos seres humanos) chamado Renato Kehl. Para esse médico a miscigenação racial conduzia o Brasil para uma catástrofe. Segundo esse doutor a mistura da “raça” branca com a “raça” negra não deveria ser encorajada e sim combatida. Suas ideias eram tão radicais no que se refere a miscigenação das “raças” que ele chegava até defenter exames médicos que autorizariam ou não o casamento e a geração de Filhos. Se Monteiro Lobato era racista ou não, nunca de fato saberemos porque nenhum de nós comeu na sua mesa, contudo existem evidências e até cartas mostrando uma relação de Lobato com o Dr.Renato Kehl e também uma semelhança de ideias. As reflexões que todos nós podemos fazer disso fica a critério de cada um. Essa ideia de Eugenia ou de Higiene racial ficou conhecida na História como Racismo Científico. Momento que o ser humano tentou “provar” através da ciência que o negro era por natureza um selvagem inferior ao branco.

• Analogias com demais obras:

1. A Leitura de O Presidente Negro de Monteiro Lobato me fez lembrar o livro A Sociedade do Espetáculo de Guy Debord. Mesmo o segundo tendo sido publicado anos depois, a ideia exposta por Debord sobre como a necessidade de ostentar posses (mesmo que não as tenhamos de fato) é extremamente importante no mundo moderno. A ideia de mostrar que temos posses chega ser mais importante ao próprio fato de realmente adquirirmos essas posses. A ilusão de sermos ou mais ainda de termos algo, é mais importante do que realmente sermos ou termos;

2. Outro livro que essa leitura me remeteu é O Admirável Mundo novo de Aldous Huxley;

3. Trechos de algumas obras de William Shakespeare são repetidos ao longo da narrativa. O que nos dá entender que no mínimo Monteiro Lobato lia e admirava as obras do escritor britânico.

Minha opinião sobre a obra:

• Leitura e apontamento de trechos e páginas:

1. Censurado pelo Governo Vargas, Monteiro Lobato logo se aproximou das ideias comunistas. No início da obra podemos sentir uma leva crítica ao capitalismo e como ele nos afeta, ao observar a mudança que ocorre na personalidade do protagonista Ayrton quando ele adquiri o veículo. Passando a olhar seu semelhante como um ser inferior e digno de desprezo. Sabe aquela pessoa que cresce um pouco, bem pouco na vida e começa a ter uma visão semelhante a dele do mundo? Pois então! Para mim a crítica que mais podemos perceber nessa parte é a mudança soberba e egocêntrica que o dinheiro exerce sobre nós direta ou indiretamente;

2. Outro aspecto que me fez refletir nessa leitura é algo tão enraizado em todos nós que nem observamos: a relação da ambição e da eterna falta de satisfação que o universo capitalista gera em todos nós. Vemos isso no personagem Ayrton (página 27) quando ele realiza o sonho de comprar o carro e pouco tempo depois começa a sonhar com um veículo mais rápido para satisfazer os seus desejos. No mundo no qual o Rei é o Capital, não é assim? Muitos chamam isso de inovação. Inovação essa que nunca consegue satisfazer os desejos e/ou as necessidades de ninguém. Pois a cada minuto algo melhor do que aquilo que acabamos de adquirir é lançado e o mundo capitalista consegue nos persuadir de que necessitamos sempre do mais novo;

3. Os criados do Professor Benson são mudos, nenhum deles têm o dom da fala. Há trechos que percebemos que isso é simplesmente por serem pessoas longe das maravilhas tecnológicas e que encontram na beleza da natureza, encantos que a linguagem humana não é capaz de expressar. Outro aspecto que percebi nesse fato, é a chamada de atenção que Lobato nos faz para uma reflexão sobre todo o mundo nos cerca, especialmente o mundo capitalista que além de nos cegar, faz com que nosso ego seja inflado e não possamos ouvir o que o outro tem a dizer. Sabe aquele expressão: Falar menos e ouvir mais? Pois isso fica bem claro tanto na mudez dos criados quanto em algumas passagens do próprio professor Benson;

4. Monteiro Lobato é muito conhecido também por supostamente ser racista. Se ele foi ou não racista nunca saberemos com exatidão, afinal de contas nenhum de nós conviveu ao lado dele, não é verdade? Contudo há muitas passagens nas obras que não podem ser desconsiredas e que dão pistas dessa característica na sua vida e nas suas obras. Um dos diálogos que mostram um pouco das ideias racistas de Lobato que me chocou um pouco, encontra-se na página 92. Confesso que ao ler esse capítulo fiquei de certa forma chocado;

5. Além dessa obra ser uma profecia da verdadeira eleição que ocorreu em 2008 tendo o ex presidente dos EUA, Barack Obama como Jim Roy; os trabalhos à distância; temos também na página 118 presságio da substituição do jornal impresso pela atual internet que na época ninguém sonhava que algo parecido iria um dia existir;

6. Algo que não pode ser ignorado é que pouco mais de uma década e meia após a publicação desse livro é que o holocausto viria ocorrer com força total se apoiando também em ideias eugenistas;

7. Quando fiz a publicação no Instagram, muitos me questionaram se eu apoiava as ideias racistas de Monteiro Lobato, é claro que não. O que me fez pensar e encontrei muita lógica, é um trecho da página 159 que o escritor nos faz refletir sobre a falta de liberdade que temos em vários aspectos sociais, como estudar, trabalhar, tirar habilitação, comprar uma casa, mas para trazer um ser humano ao mundo não existe nenhuma lei que controle isso. Sendo que isso além de afetar toda a sociedade presente e futura, ainda interferirá nos próprios recursos naturais da terra que a cada dia estão mais limitados.

• Aspectos negativas observados:

1. Toda temática levantada por Monteiro Lobato nesse romance é um campo vasto de reflexões tanto da personalidade humana quanto dos fenômenos sociais, tais como racismo, misogenia, preconceito, política e muitos outros. Acredito que Monteiro Lobato poderia ter escrito muito mais do que de fato ele escreveu nesse romance. Se levarmos em conta outras obras distópicas veremos que há escritores ao longo do tempo que se aproveitou desses temas e escreveu muito mais do que ele. Ainda mais sendo esse seu único romance, Monteiro Lobato poderia ter se aproveitado mais;

2. Além do racismo ser algo muito claro em vários trechos da obra, podemos encontrar também críticas ao movimento feminista e suas ativistas. Nota-se isso especialmente nos adjetivos que o autor utiliza para se referir a eles, tais como mamíferos rebeldes.

• Aspectos positivos observados:

1. Capítulos curtos e de linguagem de fácil compreensão. Sempre achei a utilização de capítulos curtos uma excelente técnica para os romances. Além da leitura não se tornar cansativa, também acho mais fácil de compreender, organizado e ajuda no entendimento da narrativa;

2. Além de toda temática levantada, Monteiro Lobato sem se quer imaginar, estava fazendo previsões de acontecimentos que de fato viriam acontecer anos depois da publicação de seu romance. Tal como uma distopia que se tornou realidade, anos depois tivemos a disputa presidencial da qual Barack Obama saiu eleito presidente dos EUA em 2008; o trabalho à distância;

O Livro da vez por David Thomas
Enviado por O Livro da vez por David Thomas em 15/01/2019
Código do texto: T6551144
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