"Sonetos de amor & desamor" com organização de Ivan Pinheiro Machado: uma ótima antologia para a mais nobre forma de poesia

"Sonetos de amor & desamor", uma pequena antologia de poesias de escritores brasileiros e portugueses, publicada na tradicional coleção de livros de bolso da L&PM.

O soneto é, ao meu ver, a forma mais nobre e complexa de estrutura lírica. Sempre que escrevia algum poema, soneto era, para ser bem direto... complicado. Bom, o soneto é composto de quatro estrofes, com as duas primeiras compostas por quatro versos cada, e as duas seguintes por três versos. Em cada uma das duas primeiras estrofes, os versos rimam em pares. Nas últimas duas estrofes, há dois versos que rimam em cada e, os dois versos que sobram, um em cada estrofe, rimam entre si. Cada verso possui dez síladas poéticas. Há ainda mais regra: há sempre uma conclusão de pensamento, que é apresentada no último terceto. O soneto, em si, traz uma sonoridade nata.

Praticamente, todos os escritores consagrados nessa forma de poesia estão na antologia. Começa com Luís de Camões e seu "Amor é um fogo que arde sem se ver", muito lembrado por ter sido cantado por Renato Russo na música "Monte Castelo". Augusto dos Anjos, Alphonsus de Guimaraens, Álvares de Azevedo, Basílio da Gama, Fernando Pessoa, Cruz e Sousa, Gonçalves Dias, Castro Alves, Machado de Assis, Bocage, dentre outros autores clássicos, são lembrados. Foi bom ter descoberto alguns escritores que ainda não conhecida como Nunes Castro, Raul de Leoni, Silva Ramos, Hildo Rangel, Maciel Monteiro, etc.

Particularmente, gosto muito da poesia de Olavo Bilac, que aparece cinco vezes na obra. Bilac possui um requinte técnico que sempre é desafiador para quem lê, seja no lirismo, seja na construção poética:

VIA LÁCTEA

XIII

"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo

Perdeste o senso!" e eu vos direi, no entanto,

Que, para ouvi-las, muita vez desperto

E abro as janelas, pálido de espanto...

E conversamos toda a noite, enquanto

A via-láctea, como um pálio aberto,

Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,

Inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora: "tresloucado amigo!

Que conversas com elas? Que sentido

Tem o que dizem, quando estão contigo?

"E eu vos direi: "amai para entendê-las!

Pois só quem ama pode ter ouvido

Capaz de ouvir e de entender estrelas."

Sou igualmente fascinado pela poetisa Florbela Espanca, de quem, ao longo da vida, já li quatro livros de sonetos. Ela tinha uma forma simples de escrever sentimentos complexos. Cito:

EU

Eu sou a que no mundo anda perdida,

Eu sou a que na vida não tem norte,

Sou a irmã do Sonho, e desta sorte

Sou a crucificada ... a dolorida ...

Sombra de névoa ténue e esvaecida,

E que o destino amargo, triste e forte,

Impele brutalmente para a morte!

Alma de luto sempre incompreendida! ...

Sou aquela que passa e ninguém vê ...

Sou a que chamam triste sem o ser ...

Sou a que chora sem saber porquê ...

Sou talvez a visão que Alguém sonhou,

Alguém que veio ao mundo pra me ver

E que nunca na vida me encontrou!

Enfim, para quem não conhece sonetos, é uma boa introdução esse livro. Para quem já conhece, é uma forma interessante de reviver a memória com poetas já lidos e conhecer mais alguns. Uma ótima antologia!

(VÁRIOS: organização de Ivan Pinheiro Machado. Sonetos de amor & desamor. Porto Alegre: L&PM, 2016, (Coleção L&PM Pocket, volume 1095), 96 páginas)

P.S.: Resenha escrita em 2017.

Manoel Frederico
Enviado por Manoel Frederico em 07/04/2019
Reeditado em 20/04/2019
Código do texto: T6618012
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